Panorama internacional

Tornar a Palestina membro da ONU poderia ajudar no conflito com Israel? Especialistas discutem

A possibilidade de a Palestina se tornar um membro pleno da Organização das Nações Unidas (ONU) ganha impulso, com países como Espanha e Irlanda, entre outros da União Europeia, passando a reconhecer oficialmente o Estado palestino.
Sputnik
Especialistas discutiram no podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, sobre quais seriam as implicações práticas dessa mudança para a Palestina. E, sobretudo, se isso garantiria maior proteção contra as ações de Israel.
O reconhecimento do Estado da Palestina como membro pleno representa um passo na legitimação internacional dos direitos palestinos à autodeterminação e soberania, segundo o presidente da Federação Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah.
Tal mudança traria vantagens como o direito de sentar-se entre os Estados-membros na Assembleia Geral, fazer declarações em nome de grupos e propor alterações em resoluções, segundo ele.
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Quais países reconhecem o Estado da Palestina?

Qual é a posição da ONU sobre o Estado palestino?

Apesar de ter votado em novembro de 2012 para conceder aos palestinos o status de Estado observador nas Nações Unidas, a organização não reconhece plenamente a existência do Estado palestino. Desta forma, há direito de participar de debates, mas não das votações.
A condição de membro pleno permitiria à Palestina participar de organizações internacionais de maneira mais robusta, diz Rabah.
Para ele, esse reconhecimento ampliado facilitaria ainda mais a participação palestina em processos internacionais, podendo aumentar a pressão legal sobre Israel mediante crimes de guerra e outras violações, que já têm sido feitas. "Investigar por crimes de guerra, crimes de perseguição e apartheid feito pelas autoridades israelenses", exemplifica.
Contudo, a questão de se isso impediria Israel de continuar suas ações contra os palestinos é complexa, diz, já que adesão plena à ONU não garante automaticamente o cessar de conflitos ou de violações de direitos humanos. Além disso, a pressão exercida pelos Estados Unidos — principal aliado israelense — é vista como outro fator contrário.
"Entretanto, muitas coisas mudaram, mesmo contra a vontade dos Estados Unidos. A guerra do Vietnã acabou contra a vontade dos Estados Unidos. As ditaduras acabaram contra a vontade dos Estados Unidos, as ditaduras do continente e outras mais. O apartheid acabou contra a vontade dos Estados Unidos", exemplifica.
O jornalista e pesquisador em relações internacionais Arturo Hartmann diz que reconhecer a Palestina na ONU poderia transformar seu estatuto, permitindo acesso a fóruns e arbitragem internacional, hoje inacessíveis. "Poderia abrir caminho para um reconhecimento formal e legal que colocaria a Palestina numa posição mais forte para contestar a ocupação israelense."
Porém, ele destaca que tal reconhecimento depende da aprovação do Conselho de Segurança da ONU, onde os interesses de Israel e seus aliados, especialmente os EUA, desempenham um papel crucial. O grupo é formado por Rússia, China, EUA, França e Reino Unido.
"A ordem global foi estruturada para que a maioria não possa decidir", diz Hartmann. "A Assembleia Geral vota, a Assembleia Geral coloca propostas, mas as decisões dela não têm efeito prático. As decisões do Conselho de Segurança, sim."
No campo simbólico, Hartmann acredita que o reconhecimento seria um marco importante para a causa palestina, representando a validação de sua luta por independência, mas ressalta que "a independência formal não garante a libertação total, pois a Palestina poderia continuar dependente de Israel em muitos aspectos".
Ele compara a situação aos processos de descolonização dos anos 1960, onde muitas nações africanas conquistaram a independência formal, mas permaneceram econômica e politicamente dependentes das antigas potências coloniais.
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Quais os países envolvidos na questão Palestina?

Recentemente, Espanha, Noruega e Irlanda anunciaram que reconhecerão a Palestina como um Estado independente, se unindo a uma lista de outros 143 países, incluindo o Brasil e Rússia, que reconhecem o território palestino como um Estado independente.
Rabah argumenta que o reconhecimento internacional crescente e as investigações em tribunais internacionais podem gradualmente isolar Israel e limitar suas ações. A investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre crimes de guerra, incluindo ordens de prisão para líderes israelenses, já indica mudança significativa.
Para ele, o isolamento se acelera com o apoio de grupos como o BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai. "A força do BRICS, a força dos países não alinhados, a força da cooperação de Xangai, a força da Rússia tomada separadamente, a força da China tomada separadamente, a aliança da Rússia e da China vão isolar os Estados Unidos e Israel."
Rabah entende que, com o tempo, países da Europa vão deixar de "permanecer sem reconhecer o Estado da Palestina", incluindo nações como Finlândia e Suécia.

"Desde 2012, os países que reconheceram, deram à Palestina a condição de Estado observador, de lá pra cá, só cresceram. Nós estamos agora em 143", afirma.

Hartmann menciona que essas ações são vistas por Israel como uma forma de "guerra diplomática". "Israel considera qualquer apoio ao reconhecimento do Estado palestino como uma ameaça ao seu projeto sionista e faz de tudo para impedir isso", afirma.
Ele cita uma reportagem sobre os esforços da inteligência israelense para neutralizar investigações da Corte Criminal Internacional como exemplo de até onde Israel está disposto a ir para evitar que a Palestina obtenha reconhecimento internacional e responsabilização por crimes de guerra.
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Qual é a relação entre Israel e Estados Unidos?

A relação entre Washington e Tel Aviv é complexa, envolvendo interesses estratégicos e políticas domésticas, segundo o Hartmann. Ele explica que, a curto prazo, os EUA visam manter presença forte no Oriente Médio devido ao petróleo e gás. A longo prazo, a aliança é vista como um baluarte contra a crescente influência da China.
Além disso, fatores domésticos americanos, como o lobby pró-Israel e parte da opinião pública popular favorável, complicam mudanças maiores. No entanto, uma recente demissão de uma funcionária judia do Departamento de Estado em protesto contra as políticas dos EUA em Gaza são um dos vários sinais de que essas dinâmicas estão começando a ser questionadas.
Hartmann aponta que o crescimento de movimentos de extrema direita no cenário global tem influenciado o apoio a Israel — governos de direita, segundo ele, tendem a se alinhar com a agenda conservadora e nacionalista israelense, como é o caso da Hungria, que apesar de reconhecer inicialmente a Palestina, mudou sua postura alinhando-se com Israel.
Por outro lado, o movimento estudantil nas universidades americanas pode ajudar a redefinir o apoio americano dos EUA a Israel, para Rabah. Segundo ele, os recentes protestos, que incluem a pressão em figuras públicas, desafia a estrutura de poder estabelecida, incluindo o "Estado profundo" dos EUA, o Pentágono e o lobby pró-Israel.

"Não é apenas protesto em universidades estadunidenses. O protesto está acontecendo nas universidades de ponta estadunidenses, aquelas que formam a elite."

Rabah aponta mudança significativa na opinião pública americana em relação à questão palestina. Em 2013, apenas 12% dos americanos apoiavam a Palestina, segundo ele, enquanto hoje esse número está perto de 30%.
Entre os jovens, o apoio é ainda mais expressivo, com mais da metade da juventude americana, incluindo aqueles ligados aos dois principais partidos, reconhecendo o desequilíbrio na política externa dos EUA em relação à Palestina.
"Na juventude, é mais da metade [o apoio à Palestina]. Daí cai entre adultos até 60 anos e cai mais naqueles que têm mais de 60 anos", explica Rabah.
Para Hartmann, a crescente solidariedade internacional com é evidente, mas, segundo ele, para que haja mudança real, é preciso mudar a estrutura de poder atual ou os EUA mudarem sua postura, algo difícil a curto prazo.

"Os palestinos vão sempre chegar no limite [...] de nem chegar à independência. Eles vão lutar até o limite, porque é o que se permite que eles façam."

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