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Análise: não seria inteligente para Milei briga com o Brasil por fugitivos do 8 de Janeiro

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam as chances de o presidente argentino explorar a fuga para seu país de brasileiros envolvidos no 8 de Janeiro e cravam que comprar uma briga com o Brasil por conta do episódio trará mais perdas do que ganhos para a Argentina.
Sputnik
Os governos do Brasil e da Argentina podem estar diante de uma nova rusga diplomática, desta vez envolvendo a fuga de brasileiros julgados por envolvimento nos atos de depredação do 8 de Janeiro de 2023, em Brasília.
Na sexta-feira (7), o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Passos Rodrigues, informou que vai pedir ao governo argentino a extradição de brasileiros condenados na operação Lesa Pátria, que investiga os atos do 8 de Janeiro, que teriam fugido para a Argentina, onde uma lei promulgada em 2019, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, pode abrir brecha para pedidos de asilo político. Segundo as investigações da PF, pelo menos 65 pessoas cruzaram a fronteira com o país vizinho.
Pouco após a declaração do diretor-geral da PF, a ministra da Segurança argentina, Patricia Bullrich, disse que o governo argentino não tem informações sobre brasileiros fugitivos do 8 de Janeiro requerendo asilo no país, e acusou o governo do Brasil de "propaganda".

"Uma coisa é que o Brasil peça [a extradição], outra é que haja já um processo, uma condenação. É difícil pedir extradição se não há uma causa judicial ou um alerta de algum tipo. Também não temos nenhuma lista [de brasileiros]. Por enquanto, isso se mantém como uma propaganda", disse a ministra.

O tema é de grande relevância tanto para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enxerga nas condenações uma forma de prevenir ataques similares, quanto para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que tenta retomar apoio político e vem acusando os julgamentos de perseguição política.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam quais as chances de o presidente argentino, Javier Milei, explorar politicamente o episódio e como ele pode impactar no governo Lula e no Brasil em ano de eleições municipais.
Jefferson Nascimento — cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), membro do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) e do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América Latina (NETSAL) — diz que o tema "certamente é um teste importante para as relações diplomáticas entre os dois países".
Entretanto, ele aponta ser preciso levar em conta que, "apesar dos ataques pessoais que Milei já fez ao presidente Lula, até o momento, nesses seis meses de governo Milei não houve nenhuma grande ruptura nas relações diplomáticas entre Brasil e Argentina", e cita os esforços empregados pela ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, para normalizar as relações de Lula com o seu homólogo argentino.

"Diana Mondino vem negociando nos bastidores, tentando aparar as arestas desses conflitos ou atritos pessoais que vêm, em grande parte, do presidente Milei, e ela já ventilou até a possibilidade de encontro entre os dois presidentes, o que não está ainda na agenda e não sabemos se vai acontecer de fato. Provavelmente, agora, os dois presidentes devem participar da reunião do G7. Mas, então, é importante entender que tem muita coisa em jogo", afirma.

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Sobre a possibilidade de concessão de asilo, Nascimento enfatiza ser importante levar em consideração que "houve um crime, uma tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, por meio de uma tentativa de golpe de Estado", e que as pessoas fugiram para escapar do julgamento.
O alerta é compartilhado por Hugo Albuquerque, jurista e editor da Autonomia Literária, que ressalta que se as pessoas buscadas pela PF forem localizadas na Argentina, o governo do país for comunicado e não contribuir para a extradição, isso pode gerar uma crise nas relações, porque a Argentina vai estar contribuindo, de certa forma, com uma tentativa de golpe de Estado no Brasil.
Albuquerque ressalta que há a possibilidade de Milei ter interesse em fomentar uma divisão na sociedade brasileira para tirar proveito político em benefício próprio.

"Pode ser que Milei tenha interesse em criar esse problema, porque, por um lado, ele tenta se comunicar com os meios empresariais brasileiros, e não com o governo, e tenta criar uma certa celeuma em relação a isso, que tem sido comprada por setores liberais que não são bolsonaristas, mas que têm interesse em fragilizar o governo Lula."

Albuquerque cita como exemplo o ocorrido na Espanha, que vem vivenciando uma crise diplomática com a Argentina após Milei fazer um discurso no país no qual atacou a esposa do presidente espanhol, Pedro Sánchez. No entanto, o especialista alerta que a extensão da possível rusga diplomática vai depender da resposta do Brasil.
"Milei tem interesse em criar um problema, mas é limitado, porque ele também depende do Brasil. Ele não pode unir o Brasil contra ele, mas tenta dividir o Brasil a seu favor. Essa é a operação que está em jogo com Milei, e é o que está em curso aqui", explica.

"Até que ponto os argentinos vão comprar essa briga depende muito da resposta que vai haver do Brasil de um modo geral, do Congresso. Mas eles sempre estão agindo de modo a fustigar o governo, a tentar enfraquecer a autoridade de Lula em uma estratégia de longo prazo, que é mais ou menos o que eles estão fazendo também na Espanha. Para obrigar que o governo brasileiro tome alguma decisão precipitada e fique isolado dentro do próprio Congresso, em relação à própria mídia. Esse é o plano", complementa.

Caso pode auxiliar Milei a mobilizar seu eleitorado

Questionado sobre o que Milei teria a ganhar dando eventual asilo aos fugitivos, Nascimento diz que o presidente argentino pode explorar o episódio para "reforçar o seu discurso anti-esquerda".

"Ele vai mobilizar a sua base, que precisa ser constantemente mobilizada a partir do seu discurso, já que até agora não tem grandes resultados do ponto de vista prático, apesar da inflação ter sido reduzida. […] a pobreza vem aumentando, ou seja, até agora não tem resultados práticos para a vida da população. Então é preciso continuar mobilizando, mobilizar discursivamente essa base de apoio, e também estreitar esses laços com as lideranças da extrema-direita."

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Porém, ele sublinha que Milei "teria muito mais a perder do que a ganhar comprando essa briga com o Brasil".
"É importante lembrar que no final do mês passado o Brasil socorreu a Argentina fornecendo gás natural da Petrobras para evitar um colapso energético no país. Além disso, o Brasil é o segundo maior parceiro comercial da Argentina. Então não me parece ser inteligente você criar atritos com um parceiro tão importante, sobretudo em um momento em que a Argentina vive uma crise econômica de longo prazo que vem ampliando a pobreza no país, a inflação a níveis exorbitantes. Então não parece que seria uma atitude inteligente você comprar essa briga. Me parece que haveria mais perdas do que ganhos", ressalta.
Ele acrescenta ainda que grande parte das pessoas que teriam fugido para a Argentina não são grandes lideranças do bolsonarismo, o que torna os ganhos de Milei com um possível envolvimento no imbróglio pouco relevantes.

"São cidadãos anônimos que não têm grande poder político, então não me parece que seria interessante comprar uma briga por pessoas que não têm grande influência política. Além disso, ele [Milei] teria que comprar briga também com a burocracia, já que esses pedidos de asilo são analisados pelo Comitê Nacional de Refugiados, o Conare, e teria que comprar essa briga institucional, que não sei se seria também fácil conseguir, e se seria benéfico para ele do ponto de vista da imagem."

Ele afirma ainda considerar improvável que o tema cause grande impacto nas eleições municipais deste ano no Brasil, já "que elas tendem a girar em torno de questões muito locais".
"Mesmo nas grandes capitais, onde essas disputas podem ser nacionalizadas, ou seja, que a polarização nacional se reflita na disputa local, não me parece que o fato de esses foragidos conseguirem asilo ou não na Argentina vai representar uma mudança no sentido de as pessoas apoiarem ou não o candidato de Lula ou de Bolsonaro por conta desse evento em si", explica.
Nascimento lembra que os atos do 8 de Janeiro não têm ampla aprovação entre a sociedade brasileira.

"Tem uma pesquisa que foi feita no início deste ano, pelo Instituto Atlas Intel, que mostra que 74,2% dos brasileiros discordam da atuação dos manifestantes que ocuparam o Congresso Nacional e tentaram dar o golpe de Estado. Então me parece que mesmo no campo da direita há setores que não apoiam esse tipo de manifestação violenta e criminosa. Logo, não me parece que o fato de o governo argentino dar ou não asilo a essas pessoas possa ter grandes repercussões nas eleições municipais", conclui o especialista.

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