Panorama internacional

'Não se dá nos termos clássicos': criminalidade da América Latina reflete nos orçamentos de Defesa

Recém-divulgado, o relatório sobre gastos militares mundiais do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz (SIPRI, na sigla em inglês) aponta um aumento nos gastos em Defesa na América Latina. Por que uma região que historicamente não possui tantos conflitos está se preparando para uma guerra?
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Para falar do tema, a Sputnik Brasil conversou com especialistas que adiantaram que o problema da região não são ameaças militares, mas sim a segurança transnacional.
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México e Colômbia veem aumento em Defesa

Do rio Bravo à Terra do Fogo, os países da América Latina viram um aumento variável em seus gastos com Defesa entre 2022 e 2023, apontou o SIPRI. No Brasil, por exemplo, o crescimento foi de 3,1%; na Colômbia, de 1,4%; no Chile, de 4,9%; e o México teve queda de 1,5%.
Esses gastos, contudo, são postos em maior contexto no relatório do instituto. Dentro do decênio de 2014 a 2023, a tendência no Brasil foi uma queda de 12%, enquanto na Colômbia houve aumento de 20%. A situação é a mesma para o Chile, que viu o crescimento de 4,9%, e o México que subiu grandiosos 55%.
Essas medidas, de curto e médio prazo, já demonstram as primeiras pistas para entender os gastos militares no continente, de que antes de tudo é preciso analisar "caso a caso e entender em quais períodos há efetivamente aumento desses gastos em defesa", diz Alana Camoça, professora de relações internacionais e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Ásia (LabÁsia) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

"No entanto, é crucial reconhecer que esse aumento nos gastos da América Latina não implicou em um crescimento ininterrupto nos gastos em Defesa desses países desde 2014, já que os gastos oscilaram em consonância com a economia e os interesses dos próprios países."

Criminalidade e conflitos internos

Para Guilherme Frizzera, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador de relações internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter, a recente militarização dos países da América Latina não se dá no contexto dos "termos clássicos", isto é, "por conta de ameaças provenientes de outros Estados".

"A militarização crescente ocorre por conta de assuntos que tradicionalmente estão ligados à segurança pública, principalmente no combate a organizações criminosas ligadas ao narcotráfico, que estão cada vez mais sofisticadas e que se espalham pelas fronteiras, em um processo constante de ramificação."

Camoça, que atua também como pesquisadora do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que a região é frequentemente percebida pelas altas taxas de criminalidade, "que levantam questões de segurança transnacional".
É o caso da República Dominicana, que divide sua ilha com o Haiti, país que se encontra assolado pela violência de gangues, exacerbada pela tentativa de assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse em 2021. Entre 2022 e 2023, o crescimento nos gastos dominicanos em Defesa foi de 14%, aponta o relatório.
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É também o caso do México e da Colômbia, destacam os especialistas.
No México, o governo de Andrés Manuel López Obrador "militarizou o combate ao narcotráfico", destaca Frizzera. "Essa militarização passou a incluir as Forças Armadas como um agente fundamental para a política de segurança pública mexicana, o que fez o governo destinar mais verba para o setor de Defesa."

"Além disso, o México sofre uma pressão por parte dos EUA para apertar as políticas tanto de combate ao narcotráfico quanto de reforço à contenção das ondas migratórias da América Central e do Sul."

Já na Colômbia, Camoça destaca que há anos o governo trava um conflito interno com grupos paramilitares de esquerda e direita, que, apesar de negociações "de paz e diálogo com o governo", continuam a atuar no país.
"Apesar das negociações de paz e do diálogo entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) na década passada, em 2023, por exemplo, um grupo de ex-comandantes das FARC anunciou seu retorno à luta armada", afirmou a especialista.
Além disso, o país é outro que recebe pressões dos EUA para resolver a questão do narcotráfico através do Plano Colômbia.
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O Chile, por sua vez, é o país no qual as Forças Armadas sempre foram melhor consolidadas, sublinhou Frizzera.
Com o governo de Augusto Pinochet (1973–1990), os militares chilenos obtiveram uma série de regalias, desde uma aposentadoria especial e um sistema de saúde próprio a direitos a rendimentos provenientes da exportação de cobre.
Além disso, "o Chile é um país que possui litígios territoriais ainda não resolvidos com o Peru e a Bolívia", o que serve de pretexto para a "necessidade do aumento em gastos com a Defesa", diz Frizzera.
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Argentina compra caças norte-americanos F-16 da Dinamarca

A Argentina, desde sua redemocratização, vem adotando uma política quase que de "sucateamento" das Forças Armadas, destaca Frizzera. "Nenhum governo democrático argentino destinou verbas consideráveis para o setor de Defesa."
No entanto, "isso mudou com a chegada de Javier Milei", com o novo presidente argentino investindo no setor. "Gerando um contrassenso à ideia de que os gastos em defesa são desnecessários em um país que passa por uma gravíssima crise econômica."
De acordo com Erick Andrade, doutorando em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), a recente compra de 24 caças F-16 da Dinamarca ainda se deu também como forma de se aproximar geopoliticamente dos Estados Unidos, que se aproveitaram para "mitigar a influência chinesa na região da América do Sul".

Base única de Defesa melhoraria a situação

Criado na União de Nações Sul-Americanas (Unasul) quando o organismo estava funcional, o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) "poderia contribuir significativamente para promover uma maior colaboração em questões de segurança na América", afirma Camoça.
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Inaugurado em 2008, o órgão tinha como objetivo permitir a maior colaboração dos países da América do Sul em questões tanto de segurança, com a elaboração de acordos e políticas públicas conjuntas, como de defesa, com intercâmbios de pessoal, exercícios militares conjuntos e a construção de uma Base Industrial de Defesa (BID) em comum.

"Em um objetivo maior e mais complexo, essa indústria militar atenderia à construção e consolidação de uma identidade comum de defesa", destaca Frizzera.

Com um órgão como o CDS, o combate às ameaças transacionais que atuam no continente seriam enfrentadas mais efetivamente, partindo de sistemas de segurança em comum. "O CDS tem o potencial de fortalecer a unidade regional e aumentar a transparência e a confiança mútua em assuntos militares entre os países", destacou Camoça.
O tema também foi abordado por Andrade, que ressaltou que "a realidade estrutural dos países sul-americanos torna essa ideia inviável a curto e médio prazo":

"A criação de um arranjo regional, como a Unasul, em especial do seu Conselho de Defesa, se torna essencial para evitar instabilidades e corridas armamentistas."

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