Panorama internacional

'Foi uma experiência incrível': Rússia atrai cada vez mais brasileiros que sonham em cursar medicina

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelaram um número recorde de médicos brasileiros que se formaram na Rússia inscritos no Revalida, teste necessário para atuar profissionalmente no país após formação no exterior. Em dez anos houve aumento de 382%: 164 neste ano, contra apenas 34 em 2014.
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O sonho de se formar em medicina — o curso mais concorrido no Brasil, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas — leva milhares de estudantes a buscarem todos os anos instituições de ensino de outros países, seja pelo custo menor ou pela facilidade de conquistar uma vaga. Entre os países mais buscados estão Argentina, Paraguai e Bolívia. Mas, cada vez mais, a Rússia também se torna destino para brasileiros que querem se tornar médicos. Só na última década, mais de 900 profissionais com diploma russo se inscreveram no temido Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), cuja taxa de aprovação é de 31%.
É o caso de Pedro Paz Monteiro de Paula, que atualmente trabalha no Brasil como médico de família e comunidade, e contou ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, ter iniciado o curso em Kursk, cidade no sul da Rússia que se tornou reduto de estudantes brasileiros.
Segundo ele, a ideia surgiu depois de ver depoimentos de outras pessoas que foram para o país e se apaixonaram pela cultura e educação russa. Quando Monteiro embarcou em 2011, ele foi acompanhado de um grupo com cerca de 20 brasileiros. O primeiro passo para conquistar uma vaga, para além de reunir os documentos necessários, é fazer um curso de russo, que tem duração de cerca de três meses.

"Quando eu cheguei na cidade, éramos poucos brasileiros, não chegava a 200. Ainda hoje não é muito grande [o número de brasileiros], mas já aumentou bastante com o passar do tempo. Em Kursk há uma concentração até maior de estudantes brasileiros quando comparado a cidades como Moscou e São Petersburgo, além de Belgorod e outras que possuem faculdade para estrangeiros", contou.

Para realizar esse sonho, o médico viajou mais de 11 mil quilômetros e ficou na Rússia até 2017, quando se formou e voltou ao Brasil.
"A maior dificuldade no começo foi a distância, isso foi muito difícil no começo, e depois a adaptação cultural. Eu demorei um pouquinho para pegar, mas tive uma grande sorte. Eu morava em um albergue para estudantes e fui viver em uma casa com uma russa. Foi uma experiência incrível e onde eu comecei a desenvolver mais a língua e criar vínculos de amizade e tudo mais. São pessoas que também têm uma outra forma de lidar com os relacionamentos, com o jeito de se expressar. Mas, logo depois do primeiro ano, não queria mais voltar. Pelo contrário, eu queria ficar mais e mais", resumiu.
Jabuticaba Sem Caroço
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Além de brasileiros, segundo Monteiro, também é comum encontrar na cidade pessoas de países como Sri Lanka, Malásia, Nigéria e Índia. Na Rússia, o médico disse que teve a oportunidade de vivenciar outro contexto educacional, muito por conta dos investimentos do governo no setor.

"A Rússia é referência em traumatologia, de muita referência também na área clínica, propedêutica, na área de semiologia […]. É referência em saúde pública, que é bem avançada. E a parte da medicina de guerra e de catástrofe também é muito grande […]. Existe certa preocupação, não só com o profissional médico, mas também com a população, de modo geral. De fato, anualmente, eles fazem uma prova para verificar se ele [o profissional da saúde] está apto a trabalhar, se os conhecimentos estão atualizados", pontuou.

Qual o melhor lugar para estudar medicina fora do Brasil?

O curso de medicina na Rússia durou seis anos, e Pedro Paz Monteiro diz que faria tudo novamente. Além disso, ele sempre tenta incentivar quem tem o desejo de ir para o exterior para alcançar o sonho de ser médico.

"Fazer o curso é muito difícil no nosso país, e eu sempre indico fazer em uma universidade fora. Existem instituições maravilhosas na Argentina, na Bolívia e na Rússia […]. Eu não me arrependo das noites mal dormidas, dos medos vividos, porque hoje eu sou médico formado e quero estudar ainda mais", contou.

Ao retornar ao Brasil, Monteiro iniciava um novo desafio na vida: a preparação para o Revalida, exame que permite brasileiros que se formaram no exterior a atuarem no país. Entre as principais diferenças dos cursos realizados no Brasil e na Rússia estão os protocolos de atendimento, foco no tratamento de doenças diferentes e, por isso, a prova é considerada difícil.

"Eu passei pelo Revalida algumas vezes e tive bastante dificuldade para trabalhar e estudar. Eu tive a oportunidade do [programa] Mais Médicos, foi onde comecei a conhecer mais os protocolos do nosso país. Eu cheguei a fazer algumas vezes, mas consegui passar na prova teórica, que eu achei bem mais complicada. Inclusive, hoje, como médico Revalida, faço plantões em UBS [Unidades Básicas de Saúde] e hospitais. Eu mostro para os médicos o modelo da prova e os médicos formados aqui falam que, de fato, é muito difícil. Alguns não sabem nem responder algumas questões que lá estão. Então, assim, a prova exige muito do candidato", relata.

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Quanto custa fazer medicina fora do Brasil?

Os valores para fazer um curso de medicina variam muito conforme o país. Na Rússia, por exemplo, é necessário pagar uma espécie de taxa semestral e, segundo a médica Ekaterina Bobrovnikova, que fez o curso na Sibéria, um mês em uma instituição privada no Brasil é o mesmo valor do que usou para um ano inteiro na Rússia.
"A história é um pouquinho mais antiga, digamos assim, porque puxa um pouco a história dos meus pais. Meus pais são russos, mas se tornaram imigrantes no Brasil, onde eu nasci. E eu tinha muita vontade de cursar medicina. Tentei no Brasil, não consegui pela concorrência e tudo mais. Eu estudei em escola pública no Brasil a minha vida inteira, e eu lembro o quanto eu estudei, quanto de cursinho que eu fiz e não consegui entrar", contou ao podcast Jabuticaba Sem Caroço.
Sem conseguir a vaga em uma instituição brasileira, Bobrovnikova foi realizar o sonho da medicina na Rússia. Apesar de ser filha de russos, ela não sabia falar a língua e precisou fazer o curso antes de iniciar a faculdade.
"Eu não sabia nem ler nem escrever quando eu vim pra cá. Então foi um pouco de choque, assim, foi um pouco difícil nesse sentido quando eu cheguei. Mas passei pelo cursinho preparatório, recebi o certificado de proficiência de russo e, depois, fiz as provas para entrar na universidade de medicina", acrescenta. A médica, que atualmente atua em uma agência de intercâmbio, disse que o primeiro passo para quem quer estudar no país é conseguir o máximo de documentos possíveis relacionados aos estudos, como histórico escolar, certificado de conclusão do curso, diplomas, entre outros.

"Depois, se você tiver carta de recomendação de professores, é muito bom, e certificado de atividade extracurricular também. Isso tudo, principalmente, é importante se você está aplicando para uma bolsa. A Rússia tem vários programas para estrangeiros gratuitos, que você pode vir estudar medicina, arquitetura, qualquer coisa", aconselhou.

Conforme Bobrovnikova, os primeiros 12 meses no país foram os mais difíceis, principalmente por conta do choque cultural.
"Eu acho que o mais difícil é o primeiro ano, porque é se acostumar com o ritmo, é se acostumar com uma nova cultura, com o idioma. Mas os professores são bem tolerantes até com estrangeiros. O primeiro ano você aprende muito sobre anatomia e fisiologia, que tem tanto em russo quanto em latim", finalizou a médica, que preferiu seguir no país após a formatura.
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