O sonho de se formar em medicina — o curso mais concorrido no Brasil, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas — leva milhares de estudantes a buscarem todos os anos instituições de ensino de outros países, seja pelo custo menor ou pela facilidade de conquistar uma vaga. Entre os países mais buscados estão
Argentina, Paraguai e Bolívia. Mas, cada vez mais, a Rússia também se torna destino para brasileiros que querem se tornar médicos. Só na última década,
mais de 900 profissionais com diploma russo se inscreveram no temido Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), cuja taxa de aprovação é de 31%.
É o caso de Pedro Paz Monteiro de Paula, que atualmente trabalha no Brasil como médico de família e comunidade, e contou ao
podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, ter iniciado o curso em Kursk, cidade no sul da Rússia que se tornou reduto de estudantes brasileiros.
Segundo ele, a ideia surgiu depois de ver depoimentos de outras pessoas que foram para o país e se apaixonaram pela cultura e educação russa. Quando Monteiro embarcou em 2011, ele foi acompanhado de um
grupo com cerca de 20 brasileiros. O primeiro passo para conquistar uma vaga, para além de reunir os documentos necessários, é
fazer um curso de russo, que tem duração de cerca de três meses.
Para realizar esse sonho, o médico viajou
mais de 11 mil quilômetros e ficou na Rússia até 2017,
quando se formou e voltou ao Brasil.
"A maior dificuldade no começo foi a distância, isso foi muito difícil no começo, e depois a adaptação cultural. Eu demorei um pouquinho para pegar, mas tive uma grande sorte. Eu morava em um albergue para estudantes e fui viver em uma casa com uma russa. Foi uma experiência incrível e onde eu comecei a desenvolver mais a língua e criar vínculos de amizade e tudo mais. São pessoas que também têm uma outra forma de lidar com os relacionamentos, com o jeito de se expressar. Mas, logo depois do primeiro ano, não queria mais voltar. Pelo contrário, eu queria ficar mais e mais", resumiu.
Além de brasileiros, segundo Monteiro, também é comum encontrar na cidade pessoas de países como
Sri Lanka, Malásia, Nigéria e Índia. Na Rússia, o médico disse que teve a oportunidade de vivenciar
outro contexto educacional, muito por conta dos investimentos do governo no setor.
O curso de medicina na Rússia durou seis anos, e Pedro Paz Monteiro diz que faria tudo novamente. Além disso, ele sempre tenta incentivar quem tem o desejo de ir para o exterior para alcançar o sonho de ser médico.
Ao retornar ao Brasil, Monteiro
iniciava um novo desafio na vida: a preparação para o Revalida, exame que permite brasileiros que se formaram no exterior a atuarem no país. Entre as principais diferenças dos cursos realizados no Brasil e na Rússia estão os protocolos de atendimento, foco no tratamento de doenças diferentes e, por isso, a prova é considerada difícil.
Os valores para fazer um curso de medicina variam muito conforme o país. Na Rússia, por exemplo, é necessário
pagar uma espécie de taxa semestral e, segundo a médica Ekaterina Bobrovnikova, que fez o curso na Sibéria, um mês em uma instituição privada no Brasil é o mesmo valor do que
usou para um ano inteiro na Rússia.
"A história é um pouquinho mais antiga, digamos assim, porque puxa um pouco a história dos meus pais. Meus pais são russos, mas se tornaram imigrantes no Brasil, onde eu nasci. E eu tinha muita vontade de cursar medicina. Tentei no Brasil, não consegui pela concorrência e tudo mais. Eu estudei em escola pública no Brasil a minha vida inteira, e eu lembro o quanto eu estudei, quanto de cursinho que eu fiz e não consegui entrar", contou ao podcast Jabuticaba Sem Caroço.
Sem conseguir a vaga em uma instituição brasileira, Bobrovnikova foi realizar o sonho da medicina na Rússia. Apesar de ser filha de russos, ela não sabia falar a língua e precisou fazer o curso antes de iniciar a faculdade.
"Eu não sabia nem ler nem escrever quando eu vim pra cá. Então foi um pouco de choque, assim, foi um pouco difícil nesse sentido quando eu cheguei. Mas passei pelo cursinho preparatório, recebi o certificado de proficiência de russo e, depois, fiz as provas para entrar na universidade de medicina", acrescenta. A médica, que atualmente atua em uma agência de intercâmbio, disse que o primeiro passo para quem quer estudar no país é conseguir o máximo de documentos possíveis relacionados aos estudos, como histórico escolar, certificado de conclusão do curso, diplomas, entre outros.
Conforme Bobrovnikova, os primeiros 12 meses no país foram os mais difíceis, principalmente por
conta do choque cultural.
"Eu acho que o mais difícil é o primeiro ano, porque é se acostumar com o ritmo, é se acostumar com uma nova cultura, com o idioma. Mas os professores são bem tolerantes até com estrangeiros. O primeiro ano você aprende muito sobre anatomia e fisiologia, que tem tanto em russo quanto em latim", finalizou a médica, que preferiu seguir no país após a formatura.