Panorama internacional

Caso Durov: russofobia, perseguição política, censura ou aplicação justa da lei? Analistas opinam

Após ser preso em Paris no último sábado (24), o empresário russo e fundador do aplicativo Telegram, Pavel Durov, foi solto ontem (29), após pagar multa milionária e ser obrigado a comparecer duas vezes por semana a uma autoridade policial.
Sputnik
Embora Durov não seja o primeiro empresário das redes sociais a responder por alegações de cumplicidade com crimes cometidos em plataformas digitais, ele foi o primeiro a ser preso.
Afinal, a decisão da Justiça francesa é voltada para prejudicar a Rússia? Há tentativa de censura ao Telegram? Trata-se de perseguição política?
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, nesta quinta-feira (29), Adriano Mendes, especialista em direito digital e proteção de dados do escritório Assis e Mendes Advogados, e Lucas Mendes, professor de geopolítica da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), abordaram o tema.
Para o professor da PUC Minas, há o uso de dois pesos e duas medidas na prisão para esse tipo de julgamento e punição, em que Durov é acusado de usar sua rede para fins ilícitos. Lucas Mendes destacou que, diferentemente de outros empresários e donos de plataformas de redes sociais investigados e condenados, Durov é o único que chegou a ser preso.

"Por exemplo, no início do ano, Mark Zuckerberg [dono da Meta, cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas] esteve no Senado dos Estados Unidos, respondendo ao Senado questões relacionadas a supostas violações de direitos, crimes, enfim, problemas ligados à sua rede social", disse o professor da PUC.

A fiança multimilionária de cerca de R$ 30 milhões para que o empresário russo fosse libertado também é algo inédito, comentou, o que sinaliza uma espécie de russofobia: o uso da Justiça de Estados ocidentais contra pessoas ligadas à Rússia ou ao governo russo.

"A Rússia vem sendo sancionada, as empresas russas vêm sendo isoladas, a economia russa vem sendo perseguida por organismos ocidentais, governos ocidentais. Se a gente olhar em um contexto mais amplo envolvendo essa guerra entre a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e a Rússia, questões relacionadas à Ucrânia, não fica muito difícil observar que o caso de Durov se encaixa numa questão envolvendo também esses atritos geopolíticos entre os Estados nacionais", acrescentou ele.

Zuckerberg e Elon Musk, dono da plataforma X, são chamados a darem explicações pelos mesmos motivos por que Durov foi preso, lembrou o especialista. Lucas Mendes lembrou que um caso similar ocorre atualmente no Brasil, envolvendo o Supremo Tribunal Federal (STF) e o dono do X.

"O STF, sobretudo o Alexandre de Moraes [ministro] com o Elon Musk e o X, também tem muitas questões que são complexas e difíceis de serem regulamentadas: desde registros de crimes, coisas ilícitas muitas vezes, pornografia. Uma série de questões problemáticas que, no caso desta rede social, também levantam o debate sobre a responsabilização desses indivíduos."

O especialista em direito penal argumentou que o dono do Telegram não cometeu nenhum dos crimes investigados pela França e que não tem obrigação legal de agir diferente.

"Particularmente, não acho que as leis estejam preparadas para o ambiente eletrônico e não acho que as plataformas devem ser responsabilizadas pelas condutas de seus usuários. Não existe nenhuma lei nem na França, nem na Europa como um todo, ou em qualquer lugar do mundo, que diga como uma plataforma como o Telegram, como o WhatsApp, deveria agir ao redor do mundo. Então é muito subjetivo isso. Isso é ruim", frisou.

Entretanto, para Adriano Mendes, ainda que haja conotação política por trás da decisão da Justiça francesa, os crimes que estão sendo investigados saíram da esfera digital para o mundo real e justificariam prisão, do ponto de vista legal.

"Digo que não tem motivação política diretamente, porque o Pavel saiu da Rússia em 2014. Também não quis cooperar com o governo russo dando informações da VK desligando a comunidade da VK […]. Desde então ele mora em outros países e tem cidadania, acho que em três países diferentes. Ele é até cidadão francês", ponderou.

Motivo da prisão, segundo autoridades francesas

Adriano Mendes esclareceu que o empresário responde por um total de 12 acusações criminais envolvendo facilitação, indução, permissão e não cooperação a respeito de transações ilegais, como distribuição de pornografia infantil e venda de narcóticos, entre outros.
A recusa de comunicar, diante do pedido das autoridades competentes, informações ou documentos necessários para investigações teria sido o motivo da prisão. Caso ele seja condenado por todas as acusações, pode ficar até dez anos preso.

"O fato de ele não indicar quem cometeu esse crime faz com que seja corresponsabilizado por isso", comentou. "Então imagine que o Telegram é dono de um hotel. Ele não é responsável pelo que acontece dentro de cada quarto. Deve ter o registro e seguir as leis de quem ele deixa entrar naquele quarto, saber quantos hóspedes tem, como foi feito o pagamento, o horário de entrada e saída. São pontos assim que o Telegram também se recusa a fazer", explicou.

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Segurança de dados e liberdade de informação

A restrição de liberdade de circulação de dados como um dos elementos da prisão fragiliza a segurança de dados.

"Isso não é novo. A questão é que, agora, com as coisas esquentando no cenário geopolítico, parece que há uma ação mais incisiva do Estado francês e dos Estados europeus relacionada a essa rede social, que, em muitos casos, é acusada de estar relacionada à Rússia", ponderou o catedrático da PUC. "De repente, informações sensíveis poderiam estar circulando no Telegram, informações sensíveis relacionadas à Rússia. Por isso o governo francês estaria, então, mais interessado ainda em ter ali as chaves criptográficas."

Ele lembrou que as redes sociais são muito mais do que espaços de relacionamento entre pessoas, podendo ser usada como armas de guerra e de influência no cenário geopolítico atual.

"Sobretudo armas que podem ser usadas de forma velada, de uma maneira em que os indivíduos são orientados por determinadas informações, por algoritmos, mas nem percebem. Em muitos casos, então talvez esse seja o grande valor, o grande ativo, da rede social do ponto de vista geopolítico."

Logo, cogitou ele, o que se busca com punições severas e tentar acordos para quebrar eventualmente o blockchain (segurança de dados, em tradução livre), com o argumento de investigar possíveis crimes.
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O especialista em direito penal defendeu com urgência a implementação de padrões internacionais também na área jurídica para cobrar e monitorar as plataformas digitais. "Falta a lei, não falta a polícia", disse.

"A legislação tem essa função de evitar que as pessoas criem um ambiente digital nocivo. Da mesma forma que a gente entendeu que o tabaco não é ideal, que faz mal à saúde, a gente já entendeu que a tecnologia, sem freio, vai fazer mal para o futuro da humanidade também. Por isso, essa tentativa de controle nesse momento."

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