"Por exemplo, no início do ano, Mark Zuckerberg [dono da Meta, cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas] esteve no Senado dos Estados Unidos, respondendo ao Senado questões relacionadas a supostas violações de direitos, crimes, enfim, problemas ligados à sua rede social", disse o professor da PUC.
"A Rússia vem sendo sancionada, as empresas russas vêm sendo isoladas, a economia russa vem sendo perseguida por organismos ocidentais, governos ocidentais. Se a gente olhar em um contexto mais amplo envolvendo essa guerra entre a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e a Rússia, questões relacionadas à Ucrânia, não fica muito difícil observar que o caso de Durov se encaixa numa questão envolvendo também esses atritos geopolíticos entre os Estados nacionais", acrescentou ele.
"O STF, sobretudo o Alexandre de Moraes [ministro] com o Elon Musk e o X, também tem muitas questões que são complexas e difíceis de serem regulamentadas: desde registros de crimes, coisas ilícitas muitas vezes, pornografia. Uma série de questões problemáticas que, no caso desta rede social, também levantam o debate sobre a responsabilização desses indivíduos."
"Particularmente, não acho que as leis estejam preparadas para o ambiente eletrônico e não acho que as plataformas devem ser responsabilizadas pelas condutas de seus usuários. Não existe nenhuma lei nem na França, nem na Europa como um todo, ou em qualquer lugar do mundo, que diga como uma plataforma como o Telegram, como o WhatsApp, deveria agir ao redor do mundo. Então é muito subjetivo isso. Isso é ruim", frisou.
"Digo que não tem motivação política diretamente, porque o Pavel saiu da Rússia em 2014. Também não quis cooperar com o governo russo dando informações da VK desligando a comunidade da VK […]. Desde então ele mora em outros países e tem cidadania, acho que em três países diferentes. Ele é até cidadão francês", ponderou.
Motivo da prisão, segundo autoridades francesas
"O fato de ele não indicar quem cometeu esse crime faz com que seja corresponsabilizado por isso", comentou. "Então imagine que o Telegram é dono de um hotel. Ele não é responsável pelo que acontece dentro de cada quarto. Deve ter o registro e seguir as leis de quem ele deixa entrar naquele quarto, saber quantos hóspedes tem, como foi feito o pagamento, o horário de entrada e saída. São pontos assim que o Telegram também se recusa a fazer", explicou.
Segurança de dados e liberdade de informação
"Isso não é novo. A questão é que, agora, com as coisas esquentando no cenário geopolítico, parece que há uma ação mais incisiva do Estado francês e dos Estados europeus relacionada a essa rede social, que, em muitos casos, é acusada de estar relacionada à Rússia", ponderou o catedrático da PUC. "De repente, informações sensíveis poderiam estar circulando no Telegram, informações sensíveis relacionadas à Rússia. Por isso o governo francês estaria, então, mais interessado ainda em ter ali as chaves criptográficas."
"Sobretudo armas que podem ser usadas de forma velada, de uma maneira em que os indivíduos são orientados por determinadas informações, por algoritmos, mas nem percebem. Em muitos casos, então talvez esse seja o grande valor, o grande ativo, da rede social do ponto de vista geopolítico."
"A legislação tem essa função de evitar que as pessoas criem um ambiente digital nocivo. Da mesma forma que a gente entendeu que o tabaco não é ideal, que faz mal à saúde, a gente já entendeu que a tecnologia, sem freio, vai fazer mal para o futuro da humanidade também. Por isso, essa tentativa de controle nesse momento."