Enviado ao encontro, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, se reuniu não só com seus homólogos do mundo árabe no fórum e em reuniões bilaterais, mas também com os chanceleres da Rússia, Sergei Lavrov, e da Índia, Subrahmanyam Jaishankar.
Não é sempre que os países do Conselho de Cooperação do Golfo convidam outros Estados para suas reuniões. Mais raro ainda é quando esse convite é estendido a nações geograficamente distantes, como é o caso dos três visitantes desse encontro: Brasil, Rússia e Índia.
Ministro Mauro Vieira (ao centro) discursa durante a 161ª reunião ministerial do Conselho de Cooperação do Golfo, em 9 de setembro de 2024
© Foto / Divulgação / Ministério das Relações Exteriores
Analistas entrevistados pela Sputnik afirmaram que a aproximação desse grupo de países não só representa benefícios para o Brasil, como também é um reflexo de uma mudança que aflora na geopolítica do planeta.
Brasil e Golfo Árabe: cooperação além da economia
Os países do Conselho de Cooperação do Golfo são um importante parceiro comercial do Brasil, com uma balança comercial que ultrapassou US$ 16 bilhões (R$ 89 bilhões) no ano passado, sendo US$ 9,3 bilhões (R$ 51 bilhões) em exportações e US$ 6,7 bilhões (R$ 37 bilhões) em importações, segundo dados do Itamaraty.
"Os países-membros do CCG são em conjunto o quinto maior mercado para as exportações brasileiras", afirma à reportagem Silvia Ferabolli, doutora em política e estudos internacionais pela Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, e coordenadora do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dentro desse grupo, naturalmente por ter o maior território e a maior população, a Arábia Saudita tem mais destaque. "A Arábia Saudita está para o Golfo como o Brasil está para o Mercosul", equipara a professora.
Dessa forma, a presença brasileira na 161ª reunião ministerial do CCG não só reforça os laços econômicos que o país tem com a Casa de Saud, mas também deixa claro para os demais países do golfo Árabe que o Brasil quer estreitar relações com todos da região.
"O Brasil está de olho nos investimentos dos fundos soberanos dos Emirados Árabes Unidos, do Catar, do Kuwait, países que estão se dando conta de que o fim da era dos combustíveis fósseis está se aproximando."
"Eles sabem que o recurso sobre o qual se assenta toda a riqueza deles é um recurso finito e, por isso, eles precisam garantir a sobrevivência do Estado através de investimentos em vários lugares do mundo. E o Brasil hoje tem esse lugar privilegiado porque é um dos garantidores da segurança alimentar do Golfo", explica Ferabolli.
Esses investimentos visam não só diversificar a economia dos países, como também gerar emprego para os cidadãos, uma vez que o crescimento populacional tornou impossível empregar a todos no maquinário estatal, destaca a pesquisadora do Nuprima.
"Hoje eles investem no desenvolvimento da indústria nacional e precisam de mercados para exportar. E o Brasil vai ser um desses mercados."
"Se o Brasil quiser estabelecer uma relação de equilíbrio com os países-membros do Conselho de Cooperação do Golfo, ele vai ter que dar um jeito no déficit da balança comercial para o lado do CCG. Ou seja, o Brasil vai ter que comprar mais."
Além da área econômica, Ferabolli sublinha que a aproximação do Brasil com a região é bastante significativa na esfera política, uma vez que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos foram convidados a se juntar ao BRICS, grupo de países emergentes que lideram a luta pelo multilateralismo.
O mesmo é ressaltado por Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA).
Além do Brasil, outros dois membros fundadores do BRICS, Rússia e Índia, estiveram presentes nesse encontro, revelando o caráter de diálogo Sul-Sul do evento e demonstrando, "sem dúvida nenhuma, o aumento no protagonismo desses países por meio do BRICS, que alcançou uma força muito grande", diz Pennaforte.
"Mostra também uma diversificação dos países do Golfo, em tentar fugir um pouco dessa dinâmica de ligação muito acentuada com o eixo Washington-Bruxelas."
De certa maneira, compara o coordenador do LabGRIMA, o Sul Global é uma versão do século XXI do movimento dos não alinhados durante a Guerra Fria. Nesse sentido, o Oriente Médio "tem essa percepção clara de apresentar uma política externa de modo independente que priorize o novo polo de poder que está se formando".