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Eleições 2024: esquerda está 'perdendo a batalha geracional' por falta de 'criatividade política'

Às vésperas das eleições municipais, um observador atento notará que os debates, as propagandas e as declarações citam cada vez menos projetos de cidade e mais temas inesperados, como acusações e escândalos para gerar likes.
Sputnik
No episódio do Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, desta sexta-feira (20), a espetacularização agressiva da política no país foi destacada nas entrevistas com os analistas Guilherme Simões Reis, professor da Escola de Ciência Política e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CCJP/Unirio), e Paulo Henrique Cassimiro, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).
Com o avanço da tecnologia e dos meios de difusão de notícias, as campanhas eleitorais se tornaram um show midiático desregulado, em que o que menos importa é a proposta do candidato, frisou Cassimiro.

"A performance central da política hoje é de chamar atenção para si a qualquer custo. […] Espetacularização agressiva, muitas vezes fugindo completamente do esperado, do ponto de vista do desempenho de um debate ou de uma campanha política, porque isso chama atenção. […] Isso vai ser a tônica da política nos próximos anos", opinou o professor da UERJ.

Reis foi nessa mesma linha de raciocínio ao acrescentar que as estratégias para debates, antes norteadas pela ciência política e pelos marqueteiros, já não funcionam mais.

"Os eleitores estão vendo com bons olhos um candidato autêntico, que fala o que pensa, que não é mais do mesmo, quando adota uma postura hiperagressiva e debochada. […] A extrema-direita tem adotado essa estratégia no mundo todo."

Neste novo contexto, comentou Reis, a estratégia que tem funcionado para muitos é apresentar soluções simples de forma muito midiática, com imagens fortes. As redes sociais, por sua vez, tornaram-se o palco dessas ações, principalmente para alcançar o eleitorado mais jovem e despolitizado, que vem crescendo em números.
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Pesquisa aponta que influência de Bolsonaro supera a de Lula em 9 capitais nas eleições municipais
A mudança na política, segundo o professor da Unirio, foi iniciada nacionalmente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e incrementada por Pablo Marçal (PRTB), em São Paulo, um candidato "completamente sem parâmetros".
Trechos editados de um debate para construir determinada narrativa chega de modo direto, não mediado a públicos específicos, ressaltou Cassimiro, criando bolhas informacionais que reforçam crenças e, até, inverdades.
Como exemplo, ele citou o caso ocorrido no debate em São Paulo, no último domingo (15), em que o candidato a prefeito Pablo Marçal levou uma cadeirada do adversário José Luiz Datena (PSDB). Logo após o incidente, Marçal divulgou vídeos usando máscara de oxigênio em uma ambulância.

"Uma cadeirada em uma pessoa da idade dele não tem grandes consequências. Quer dizer, a cadeirada vai quebrar um braço, não vai te deixar no oxigênio. Só que isso não importa, porque não é um discurso de habilidade racional, de convencimento do razoável. É um discurso que simplesmente reforça a narrativa que essas pessoas estão procurando."

O pesquisador reconheceu que a mídia tradicional também tenta produzir viés e manipular polêmicas, tendo casos emblemáticos, como o debate entre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva em 1989. Entretanto, ponderou que, diferentemente de agora, essas ações são passíveis de responsabilização legal, institucional, como direito de resposta, multas, processos etc.
"Hoje, nada disso tem consequência nenhuma para ninguém. O mundo virou um conjunto isolado de bolhas que se alimentam de narrativas para reforçar sua visão de mundo".
Muito desse novo panorama, pontuou, vem da "descrença" crônica do eleitor brasileiro com a política e da demonização da política por parte de candidatos que se apresentam como solução milagrosa para os problemas da sociedade.
Reis mencionou a operação Lava Jato e seus desdobramentos como um dos fatores que fortaleceram o movimento da antipolítica, "uma visão da população de que política é roubo" e de votar em pessoas de fora da política.

"Cada vez tem menos partidos com o nome de partido. Até brinco. Os partidos do Brasil, a maioria agora tem nome de autoajuda: União, Agir, Podemos", ironizou o professor da Unirio. "Celebridades da Internet, influenciadores etc. começaram a realmente despontar. Vários foram eleitos deputados federais, com muitos votos."

Não é à toa, frisou Cassimiro, que a esquerda tem perdido espaço em muitos municípios.
"É fato que a direita tem franca e considerável vantagem para ganhar em boa parte das capitais do Brasil. Isso mostra que existe uma lógica nas eleições municipais, que pode não ser a mesma lógica nacional, mas que está funcionando bem para a direita, sim."
A falta de "criatividade política" e conservadorismo da esquerda, na opinião de Cassimiro, explica o motivo da esquerda estar perdendo a batalha geracional do eleitorado brasileiro, como revelam as pesquisas de opinião:

"É capaz de chegar aos jovens com alguns discursos de identidades políticas, mas não está sendo capaz de abrir uma perspectiva de futuro que seduz esses jovens. Porque promete coisas que as pessoas têm dificuldade de acreditar hoje em dia. […] As pessoas sabem que não há mais trabalho estável para todos, que viver em grandes cidades é uma coisa complexa, confusa, caótica, cara."

Já Reis destacou também a escassez de novos protagonistas na ala da esquerda no cenário nacional. "Acho que existe uma carência de lideranças da esquerda para substituir Lula. Pessoalmente, não acredito que o [Fernando] Haddad esteja bem posicionado e seja um herdeiro natural do Lula. Acho que é um cenário complexo", comentou.

"A gente está vivendo uma época que não é de conservação; é de revolução, de mudança, de ruptura. […] O que é tradicional à esquerda e à direita está comprometido neste momento", concluiu Cassimiro.

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