Panorama internacional

O que China e Venezuela têm a ver com a crise diplomática entre EUA e Honduras?

A crise diplomática entre Honduras e os EUA envolvendo a atual presidente de Honduras, Xiomara Castro, ganhou novos capítulos depois que ela anunciou o rompimento de um tratado de extradição entre os dois países que existe há mais de 120 anos.
Sputnik
Ela deu a declaração após denunciar, na última semana, que os Estados Unidos estão tentando influenciar o resultado das próximas eleições hondurenhas, previstas para novembro do ano que vem.
Semanas antes, a embaixadora dos Estados Unidos em Honduras, Laura Dogu, criticou uma aproximação ocorrida entre uma autoridade hondurenha e uma venezuelana, além de levantar a suspeita de que o governo de Castro estaria envolvido com o narcotráfico.
A diplomata afirmou que ambos os funcionários se reuniram em Caracas com "traficantes de drogas", referindo-se a um encontro de cortesia com o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López.
Em 30 de agosto, o chanceler hondurenho, Enrique Reina, afirmou que fontes da inteligência do país detectaram um plano articulado por Dogu para supostamente dividir as Forças Armadas e destituir o chefe militar Roosevelt Hernández.
Ao mesmo tempo, a oposição ao governo de Honduras alega que a atual presidente acabou com o tratado de extradição para evitar uma eventual extradição dela e de aliados, caso seja condenada por algum tipo de envolvimento com o narcotráfico.
Nas últimas décadas, o envolvimento político do país com o tráfico de drogas tem sido uma constante, assim como a extradição de cidadãos hondurenhos para serem julgados nos EUA — inclusive um ex-presidente, Juan Orlando Hernández.
Para debater o imbróglio e possíveis consequências para o país e a região, a Sputnik Brasil ouviu especialistas no assunto no podcast Mundioka.

"Esse tratado tem sido utilizado como instrumento, digamos, político, justamente para remover parte dessas autoridades locais […]. Também permitiu uma ingerência muito grande dos Estados Unidos sobre a política local, sob o argumento de que o sistema judiciário de Honduras não seria competente o suficiente ou estaria permeado por narcotraficantes", disse Beatriz Bandeira de Mello, cientista política, doutoranda em relações internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora no Observatório Político Sul-Americano (OPSA).

A proximidade com a Venezuela é um ponto desestabilizador das relações EUA-Honduras, de acordo com os entrevistados. Honduras foi um dos poucos países que reconheceram a vitória de Nicolás Maduro.
Ricardo Caichiolo, professor de relações Internacionais do Ibmec Brasília, frisou que "não é do interesse dos Estados Unidos que haja uma aproximação e uma confluência de países que apoiem abertamente a Venezuela".
O fato de Nicarágua e Cuba apoiarem a decisão da presidente hondurenha também engrossa o caldo da crise com os EUA, mencionou a cientista política.
Segundo ela, são países que "não estão alinhados à cartilha da política externa dos Estados Unidos".

"A Xiomara veio com essa proposta de concretizar o que seria um socialismo democrático, então a própria identificação do governo com essa vertente política, mais a participação em fóruns multilaterais regionais e essa aproximação com Venezuela, Cuba, provoca essa reação mais, digamos, incisiva do governo dos Estados Unidos."

A priorização das relações de Honduras com a China, nos últimos meses, representa outro ponto desestabilizador da relação com os EUA.

"Se olharmos para a conjuntura macro e para o posicionamento dos Estados Unidos na região, na verdade uma das grandes preocupações tem sido ultimamente o aumento da presença chinesa", disse ela, ao afirmar que os EUA vivem uma quebra de hegemonia na América Latina.

Caichiolo ponderou que, por outro lado, a aplicação de uma eventual sanção poderia aproximar ainda mais Honduras e China.

"Honduras pode se valer disso para poder dialogar com a China e conseguir tentar o melhor dos mundos, ter uma boa relação com os Estados Unidos. Vendo do panorama norte-americano, sem dúvida nenhuma não é do interesse norte-americano."

Ele observou ainda que nos últimos anos os Estados Unidos têm evitado contribuir para instabilidades na região, com receio de um aumento no nível da imigração para o seu território.

"Eles realmente têm essa tradição de interferência em assuntos internos de outros Estados […]. A própria deposição de um presidente causa instabilidade na região, impacta negativamente a política interna de um determinado Estado, e pensando em um país da América Central, a saída de cidadãos vai ser estimulada, porque procuram eventualmente ir para os Estados Unidos."

O analista ressaltou que também não interessa para Honduras uma crise diplomática com os EUA, que é seu maior parceiro comercial.

"É importante salientar que existe um acordo de livre comércio que envolve também os Estados Unidos, a América Central e a República Dominicana. É importante também para Honduras continuar esse processo de abertura comercial, por meio do qual Honduras conseguiu nos últimos anos, inclusive, um crescimento do PIB até razoável, em torno de 3%; deve ficar em torno de 3,5% ao longo deste ano."

A atual crise não terá grandes consequências e o tratado deve ser recolocado em vigor em breve, avaliou Caichiolo: "Há um estremecimento das relações, mas nada que impeça que no futuro próximo isso seja normalizado", opinou.
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Para a cientista política, no entanto, qualquer prognóstico é precipitado, pois apesar do apoio popular ao governo do país centro-americano, as últimas eleições têm mostrado que as forças opositoras e a pressão externa, sobretudo dos Estados Unidos, tendem a ser um instrumento ou um canal de desestabilização para essas conjunturas.

"A grande questão agora é observar se as instituições vão dar conta de conduzir o processo eleitoral e conter essa crise, mantendo o apoio popular e o legado do [Manuel] Zelaya [ex-presidente de Honduras] e da Xiomara Castro em Honduras", arremata ela.

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