Neste 1º de outubro, Claudia Sheinbaum assume a presidência do México como a primeira mulher a ocupar o cargo em toda a história do país. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, viajou à Cidade do México para participar da cerimônia de posse e se encontrar bilateralmente com Sheinbaum para discutir temas da relação dos dois países, que são as maiores lideranças da América Latina.
Eleita na esteira da grande popularidade de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) e seu partido, Movimento Regeneração Nacional (Morena), o caráter da presidência de Sheinbaum é tema do episódio desta terça-feira (1º) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
México: governo de continuidade ou transformação?
Eleita com quase 36 milhões de votos, um número não alcançado nem mesmo por seu predecessor, Sheinbaum contará não só com um grande apoio popular, mas um Legislativo muito favorável. Seu partido obteve a maioria tanto na Câmara dos Deputados (255 de 500 cadeiras) quanto no Senado da República (66 de 128).
Para melhorar ainda mais a situação política para a nova presidente, como um dos seus últimos atos, AMLO conseguiu promulgar uma reforma judicial que estabelece eleições para membros do Judiciário, seja juízes locais, seja membros da Suprema Corte de Justiça da Nação, maior autoridade judiciária do país.
Isso pode ampliar ainda mais o poder do partido da presidente, o Morena, caso Sheinbaum consiga eleger seus aliados, afirmou ao Mundioka o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV NPII) Leonardo Paz.
Ainda que tenha bastante espaço para exercer mudanças significativas na sociedade mexicana, a nova presidente não deve mudar muito o curso das políticas estabelecidas por López Obrador, diz Paz, detalhando que sua campanha teve como "espinha dorsal" a manutenção das políticas progressistas do ex-presidente, como os benefícios sociais e o reajuste do salário mínimo acima da inflação.
Segurança e combate ao narcotráfico
Outro ponto crítico na campanha de Sheinbaum foi a criminalidade, em especial aquela associada ao narcotráfico. Segundo Paz, esse será um dos principais desafios da nova presidente, que durante seu mandato como prefeita da capital, Cidade do México, não precisou lidar diretamente com os cartéis. Ainda assim, ela foi bem avaliada durante sua gestão da segurança pública municipal.
"A capital em si é relativamente segura, é muito policial na rua, é muito equipado. É uma dinâmica diferente do resto do país. Então ela vai lidar com um contexto completamente diferente nesse sentido."
Como parte de seu plano de governo, a nova presidente instituiu uma campanha de impunidade zero, algo que para Paz "tem zero probabilidade de realmente acontecer", uma vez que o narcotráfico conseguiu penetrar várias esferas do poder público, como o Judiciário, as forças policiais e as Forças Armadas.
Economia mexicana
Do ponto de vista econômico, Paz destacou que o México não anda tão bem das pernas. Com um crescimento médio de 0,8% nos últimos seis anos, o país perdeu uma oportunidade de ser recipiente dos investimentos estadunidenses, à medida que o país tirou seu dinheiro da China.
"O México seria um grande competidor desse investimento, porque ele é muito próximo e já está incluído no contexto de um acordo comercial, o NAFTA. Mas isso não aconteceu. Muitos desses investimentos americanos foram para Vietnã, Malásia e Taiwan."
Por outro lado, a economia mexicana tem dois aspectos promissores: uma relação dívida-PIB não muito alta e uma carta tributária moderada, sublinha Paz. Isso permite que o governo tenha opções para dinamizar a economia.
Já Marcio Sette Fortes, professor de relações internacionais do Ibmec e ex-diretor alterno do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ressaltou ao Mundioka que a economia mexicana é "altamente dinâmica em termos industriais".
No entanto a dependência das exportações para os Estados Unidos, principal parceiro comercial, a torna frágil. "Neste momento o ideal seria seguir o caminho da diversificação de parceiros comerciais."
Eleições dos EUA
Para ambos os entrevistados, Sheinbaum terá outra corda bamba para se equilibrar: quem será o próximo ocupante da Casa Branca.
A corrida presidencial norte-americana está apertada entre o republicano e ex-presidente Donald Trump e a sucessora do atual presidente, Joe Biden, a democrata Kamala Harris. Em ambos os casos, no entanto, há um molde de como o líder estadunidense deve agir com relação ao México.
Com Harris, é esperado que os diálogos continuem como eram entre as gestões de Biden e AMLO. Já com Trump, que também governou durante a presidência de López Obrador, a expectativa é que haja mais ruídos e embates.
Com os Estados Unidos em uma encruzilhada de como reorganizar sua economia internacional, um conflito diplomático entre Trump e Sheinbaum por um tema como imigração ilegal pode ressignificar a posição mexicana dentro desses investimentos norte-americanos, disse Paz.
"É um momento importante e que vai demandar bastante a habilidade política da nova presidente."