'União islâmica': quais os principais desafios à proposta do Irã de criar bloco nos moldes da UE?
16:27, 10 de outubro 2024
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que a criação de uma unidade islâmica visa conferir estabilidade ao Oriente Médio, mas é problemática porque cada país da região segue uma vertente do islã e por conta da disputa pela influência regional.
SputnikO governo do Irã estuda a criação de uma união comum entre países islâmicos nos moldes da União Europeia (UE). O tema foi tratado em uma reunião do presidente iraniano,
Masoud Pezeshkian, com seu homólogo iraquiano, Abdul Latif Rashid.
No encontro, Pezeshkian propôs ainda criar comissões especializadas entre Teerã e Bagdá para desenvolver laços políticos, econômicos, culturais e sociais entre os dois países, que já estiveram no front de batalha em lados opostos.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas avaliam os impactos que a criação de uma união comum teria sobre o Oriente Médio, a probabilidade de a proposta ser acatada por países islâmicos da região e como ela seria recebida pelo Ocidente.
João Gabriel Fischer Morais Rego, doutorando em ciências militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), pesquisador do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC) e membro do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (Nerint), explica que a proposta seria boa para países islâmicos, pois conferiria a eles uma interconexão para a solução de seus problemas regionais, sejam guerras ou rivalidades, sem depender de potências externas da região.
"Isso seria um benefício do lado da segurança e economicamente também seria algo interessante para os países, essa escolha de tentar formar uma união dos países islâmicos, principalmente ter uma força unida contra qualquer problema adversário", afirma.
Rego avalia que a estabilidade regional seria a principal agenda dessa aliança, porque é a questão que mais tem afetado os países do Oriente Médio, apesar de suas diferenças políticas e econômicas. Ele acrescenta que outro fator importante será a forma como esses países vão lidar com grupos armados, que têm suas próprias agendas, como as milícias houthis, no Iêmen, "que no passado realizaram operações contra a Arábia Saudita".
Ademais, Rego aponta que o projeto será um desafio em especial para Pezeshkian, que
é um governo recente, sobretudo na negociação com a Arábia Saudita, que disputa com o Irã o posto de potência mais influente do Oriente Médio. Segundo ele, uma união de países islâmicos necessita da Arábia Saudita,
"que é uma grande força na península Arábica".
Quais são os principais problemas enfrentados pela comunidade islâmica?
Rego afirma que um dos principais problemas em torno da criação de uma união islâmica é como ela seria vista externamente do Oriente Médio.
"Como os países vão lidar com este aumento de capacidade de poder dos países islâmicos? […] Como eles vão negociar, como eles vão interpretar ou como eles vão observar essa ação dos países islâmicos se ocorresse uma organização parecida com a União Europeia?", questiona.
Ele afirma que um dos pontos que ajudam a unir os países islâmicos é ter um inimigo em comum,
no caso Israel, que
não veria com bons olhos a união islâmica, assim como os EUA, que nesse caso apoiariam a iniciativa a depender de quem seria o líder do bloco.
"Se você botar ali uma aliança com a Arábia Saudita [como líder], seria interessante para os EUA. Mas se uma liderança dessa futura possível organização for um país rival dos EUA, não é interessante [para Washington]."
Qual será a diferença entre a união islâmica e a UE?
Ao propor a criação de uma união islâmica, o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, retomou o princípio do islã chamado "Ummah", termo árabe que significa "nação" e que no islã se refere à união de todos os muçulmanos no mundo.
É o que afirma Muna Omran, doutora em teoria e história literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora convidada de geopolítica da Ásia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Ela ressalta que a proposta de bloco do Irã é diferente da UE.
"Tanto na estrutura jurídica e institucional, o mundo islâmico precisa de uma organização supranacional que possa servir como base para uma integração política ou até mesmo econômica, desde que elas sejam significativas", explica.
Ela afirma que já existe a Organização para a Cooperação Islâmica (OCI), mas que esse é um ente com objetivos mais diplomáticos e limitados, sem "um poder executivo ou legislativo para poder unificar esses países islâmicos em termos de políticas comuns".
Ela frisa, no entanto, que embora a ideia de Pezeshkian seja boa, ela é utópica e problemática, por conta da pluralidade do islã.
"Quando a gente fala em islã, as pessoas tendem a pensar em uma coisa única, em um monobloco. E o islã, ele não é um monobloco, ele é plural, cada país vai ter uma interpretação diferente dos ditos do profeta, do Alcorão, […] algumas mais flexíveis, outras mais místicas, outras mais literalistas. E poderia […] dificultar essa unidade. Porque o islã do Irã difere do islã da Síria, do islã da Arábia Saudita. Com isso você já vê uma certa dificuldade de atitudes. Por exemplo, na Síria as mulheres muçulmanas não são obrigadas a usar o hijab, o véu. Muita gente usa, outras não usam; não é lei, não é obrigatório. No Irã, na Arábia Saudita, é."
Ela acrescenta que um dos objetivos do Irã ao propor a união islâmica é contornar os problemas econômicos causados ao país por conta das sanções ocidentais.
"O Irã sofre um embargo, então, tendo essa união islâmica, pegando a ideia da União Europeia, ele não teria problemas nas questões comerciais. Por exemplo, a própria Arábia Saudita, que é um inimigo histórico do Irã, poderia negociar com eles, vender qualquer coisa que eles estejam precisando, menos o petróleo, porque também são produtores de petróleo. Então o presidente do Irã vê nessa possibilidade não só uma unidade ideológica, mas também que se resolva um problema do Irã que ele vive hoje, que são as consequências do embargo."
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