Execução de líderes do Hamas e Hezbollah por Israel eleva a popularidade dos grupos, notam analistas
16:00, 22 de outubro 2024
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que, embora cause impacto inicial, a tática de Israel de aniquilar lideranças reforça a solidariedade entre islâmicos em torno dos grupos, uma vez que o martírio é visto como símbolo de resistência.
SputnikApós passar meses engajado em uma campanha de bombardeios a civis na Faixa de Gaza, Israel agora tem voltado suas ações para a execução de lideranças no Oriente Médio.
Entre os líderes assassinados está
Ismail Haniya, ex-chefe do gabinete político do movimento palestino Hamas;
Yahya Sinwar, ex-líder do grupo; e Hassan Nasrallah, ex-líder do movimento libanês Hezbollah.
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam os impactos da nova abordagem e qual a possibilidade de ela ter efeito contrário, resultando no fortalecimento dos grupos atacados.
Issam Rabih Menem, doutorando em estudos estratégicos internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa sobre as Relações Internacionais do Mundo Árabe (Nuprima), afirma que as baixas de lideranças colocaram o Hamas e o Hezbollah no "pior momento desde suas constituições".
"Essas 'operações de decapitação' [metáfora para o assassinato de chefes dos grupos] empregadas por Israel causaram uma desorganização imediata, uma vez que a ausência de líderes experientes gerou confusão, paralisia nas comunicações e dificuldades de coordenação, reduzindo a capacidade de resposta do inimigo", afirma.
Segundo Menem, o duro golpe no Hezbollah envolvendo os pagers e os rádios comunicadores e, posteriormente, a rápida baixa de seus comandantes mais experientes perturbou cognitivamente o grupo.
"O Hezbollah expôs uma série de vulnerabilidades, assemelhando-se à figura de um 'queijo suíço', suscetível a infiltrações de delatores e a vazamentos de informações sensíveis. Qualquer outro grupo não estatal teria sua estrutura pulverizada após esses ataques."
Por outro lado, ele frisa que o assassinato dos líderes e a mobilização dos movimentos demonstra estar reforçando ainda mais a popularidade e a solidariedade intra-islâmica com esses atores. Ademais, em relação ao Hezbollah, ele afirma que não foi observada uma reação violenta descontrolada, como muitos imaginavam, mas sim um comportamento prudente e racional, em que o grupo eleva gradualmente seus ataques conforme o conflito.
"Ao elevar o nível de resposta, o Hezbollah registra importantes e inéditos feitos contra o território israelense, por meio do emprego de munição vagante [drones], ao atingir a casa de Netanyahu em Cesareia, no norte de Israel, e ao infligir importantes baixas militares ao atingir um campo de treinamento."
Por sua vez, Gabriel Mathias Soares, doutor em história social, mestre em estudos árabes pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-monitor de direitos humanos na Cisjordânia, avalia que "é evidente que há um impacto com o assassinato de lideranças, mas não são tão óbvios e diretos quanto se pode imaginar em primeira instância".
Ele argumenta que, no campo de batalha, essa estratégia até o momento não se mostrou decisiva, além de ser uma tática há muito já usada contra o Hamas e o Hezbollah, que, em grande medida, adaptaram-se a ela "utilizando uma estratégia descentralizada nos confrontos", com várias unidades com alto grau de autonomia e capacidade de operação.
"Em termos de efeito moral, [a tática] é uma faca de dois gumes, pois o martírio, particularmente do modo como vimos com Yahya Sinwar, enfrentando o Exército israelense diretamente em batalha, pode servir como símbolo de resistência, seja imediato ou no futuro, como é o caso do mártir que dá nome às brigadas do Hamas, Al-Qassam", explica.
Ele acrescenta ainda que,
embora Israel tenha tido sucesso em localizar e identificar seus alvos fora de Gaza,
esse "não parece ter sido o caso de Yahya Sinwar, encontrado mais ao acaso por um esquadrão em treinamento".
"Isso implica que há pouca inteligência de Israel em Gaza, tanto a dificuldade enorme de encontrar os cativos israelenses ali, exceto até agora uma meia dúzia, com apenas uma operação de resgate que se pode confirmar como efetiva."
Ademais, ele aponta que há alguns meses Israel alegou ter assassinado também Mohammed Deif, comandante-chefe das Brigadas Al-Qassam.
Porém, não houve nenhuma confirmação da parte do Hamas, como houve no caso de Yahya Sinwar, nem de nenhum outro grupo político.
"A carência de inteligência israelense na Faixa de Gaza é demonstrada pelos espetáculos de alegações contra hospitais e escolas como centros do Hamas que nunca se confirmam com evidência alguma, mesmo depois de forças israelenses ocuparem esses locais e/ou destruírem parcialmente ou por completo."
Questionado se a intenção de Israel ao adotar a estratégia seria justamente provocar uma reação, Soares afirma que "a reação violenta é, sem dúvida, algo que Israel espera como resultado de suas ações".
Ele afirma que essa reação é definitivamente calculada por Tel Aviv, embora muitas vezes de forma errônea, "visto a determinação e a efetividade de mísseis e drones do Hezbollah e do Irã em penetrar o território israelense sem serem detidos pelo sistema antimísseis".
"A questão é que parece haver algum cálculo em que os assassinatos reduziram a capacidade de reação, o que não tem se mostrado de fato, visto a escalada dos bombardeios e das operações também da parte de Israel. Há quem alegue que o jogo político das lideranças israelenses seja um grande fator na continuidade das hostilidades, de modo a perpetuarem sua posição. Mas há desgastes que talvez não possam ser remediados com toda a vasta ajuda estadunidense."
Questionado sobre a forma como a estratégia israelense afeta uma possível negociação para o resgate dos reféns levados para Gaza, Menem afirma que o diálogo nunca foi uma opção para o governo de Benjamin Netanyahu.
"O líder político de extrema-direita vem instrumentalizando o conflito para aumentar sua popularidade política interna, visto as diferentes denúncias que miram seu mandato."
A opinião é compartilhada por Soares, que afirma que se em algum momento o resgate dos reféns foi prioridade do governo Netanyahu, "certamente não é agora". Ele enfatiza que, como dito por outros analistas, a estratégia adotada é uma versão da doutrina Dahiya, utilizada em 2006, durante a última guerra no Líbano, elevada à décima potência — ou seja, a destruição completa de qualquer instituição e infraestrutura civil que possa servir direta ou indiretamente a qualquer um desses grupos; o que, segundo ele, pode ser chamado "doutrina de Gaza".
"[…] no modo como está sendo executada essa estratégia na Faixa de Gaza, especialmente nesse momento na região norte [Beit Lahiya, Beit Hanun e Jabalia], parece se tratar de uma estratégia de terra arrasada e limpeza étnica. Ou seja, cria-se um cordão de isolamento maior com a remoção forçada de populações inteiras de regiões adjacentes ao território israelense, com a destruição da maior parte das construções nesse perímetro", afirma.
Para Soares, não há nada que demonstre que a situação atual possa ser solucionada por meio de uma solução diplomática, visto que há questões em completa oposição. Ele aponta que no Irã há possibilidade de envolvimento de outros atores, enquanto na Faixa de Gaza a situação tende a se deteriorar, mesmo diante da redução das operações de Israel ou de um cessar-fogo.
"Enquanto o governo israelense permanecer diplomática e criminalmente blindado, como subsidiado militarmente pela maior potência do planeta, os EUA, há poucas chances de que a situação dos palestinos sequer pare de piorar."
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