Com um histórico de altas tarifas direcionados tanto a seus aliados quanto a adversários em seu primeiro mandato, Trump insinua planos de repetir a política ao convocar seu ex-czar do comércio Robert Lighthizer para retornar ao trabalho em 20 de janeiro de 2025, quando assume a presidência.
"A ideia de que os países do BRICS estão tentando se afastar do dólar enquanto ficamos parados e assistimos ACABOU [sic]", escreveu Donald Trump em uma publicação em sua própria rede social, Truth Social, descrevendo seus planos para restabelecer a primazia econômica global dos EUA após assumir o cargo no mês que vem.
"Exigimos um compromisso desses países de que eles não criarão uma nova moeda BRICS, nem apoiarão nenhuma outra moeda para substituir o poderoso dólar americano, ou enfrentarão tarifas de 100% e dirão adeus às vendas para a maravilhosa economia dos EUA. Eles podem ir encontrar outro 'otário!' Não há chance de que o BRICS substitua o dólar americano no comércio internacional, e qualquer país que tente deve dar adeus à América", alertou Trump.
A ameaça de Trump de "tarifas de 100%" contra o BRICS é sua observação intimidadora mais abrangente relacionada ao comércio até agora, visando um bloco econômico que responde por cerca de 35% da atividade econômica global em termos de paridade de poder de compra e mais de 40% da população do planeta.
Segundo o senador russo Aleksei Pushkov, as ameaças do novo presidente estadunidense são bravatas políticas e não são viáveis na prática. O BRICS, lembra o senador, tampouco rejeita o uso do dólar no comércio com outros países.
"Donald Trump se caracteriza por fingir que tudo pode ser resolvido com um passo decisivo, uma conversa ou um ultimato. E neste caso ele pareceu superdecisivo: ele ameaça impor tarifas de 100% sobre mercadorias dos países do BRICS se eles rejeitarem o dólar. No entanto, esta medida é de natureza declarativa e na prática é irrealizável."
Os EUA são fortemente dependentes do BRICS economicamente e se Donald Trump pensa poder ameaçar e persuadir o bloco a se submeter, ele logo se deparará com a dura realidade, diz à Sputnik o renomado economista britânico e cofundador do Movimento pela Justiça Global, Rodney Shakespeare.
"Trump acha que pode mirar nos países BRICS individualmente, mas fazer isso fará com que os BRICS respondam coletivamente. Então a situação é sobre quem tem o maior comércio geral, população e recursos", explicou Shakespeare, que agora leciona como pesquisador visitante na Universidade Trisakti da Indonésia.
"O pensamento de Trump é fundamentalmente baseado em uma situação de hegemonia passada cujo tempo está passando rapidamente."
Como seria a guerra comercial EUA-BRICS?
Os Estados Unidos têm um déficit comercial de quase US$ 433,5 bilhões (R$ 2,589 trilhões) com os países membros do BRICS. Nenhum dos países parceiros do BRICS e candidatos à adesão —mais de 50 países no total — tem grandes déficits comerciais com os EUA, enquanto vários ostentam grandes superávits. O potencial parceiro Vietnã sozinho teve um superávit de US$ 109 bilhões (R$ 651 bilhões) em 2023.
Os EUA dependem do BRICS para uma ampla gama de produtos físicos, de produtos domésticos, máquinas e equipamentos elétricos a produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, energia, produtos químicos e minerais de terras raras, com o BRICS respondendo por entre 40% e 70% da produção desses bens e materiais.
Em comparação, as principais exportações físicas dos EUA (armas, petróleo, alimentos e automóveis) podem ser encontradas em diversos países, especialmente entre os membros do BRICS.
Já bens etéreos, como serviços e propriedade intelectual — que representaram US$ 1,1 trilhão (R$ 6,57 trilhão) em exportações dos EUA em 2023 — como franquias, design, gestão, consultoria, serviços financeiros e de assessoria, patentes, marcas registradas, software e arte, podem ser gradualmente substituídos por alternativas domésticas.
Como moeda de reserva mundial de fato, o dólar em si tem sido uma grande exportação americana há muito tempo, com países estrangeiros possuindo cerca de US$ 7,6 trilhões em títulos do Tesouro dos EUA, e dólares respondendo por cerca de 54% do comércio global.
Contudo, dentro do comércio intra-BRICS, 65% das trocas agora são liquidadas em moedas locais.
Tudo isso significa que se Trump der sinal verde para as tarifas de 100% no BRICS, "haveria enormes aumentos nos [preços dos] produtos de consumo importados nos EUA", disse Shakespeare.
"Trump espera que a indústria americana então se recupere o suficiente para produzir os mesmos produtos a um custo mais barato. Isso pode acontecer, exceto que as novas fábricas não produzirão um grande número de empregos: elas serão quase automatizadas."
"Já que o poder econômico está se afastando dos EUA", se os EUA prosseguirem com uma grande guerra comercial, contra os países BRICS coletivamente ou mesmo os principais membros do bloco individualmente, "pode ser uma guerra que os EUA perderão", alertou o economista.
Se Trump cumprisse suas ameaças, isso aceleraria a desdolarização, aceleraria os esforços globais para reduzir a dependência das principais exportações dos EUA e rapidamente levaria uma nação que passou décadas trocando moedas verdes por bens físicos reais à beira da ruína econômica.