Calexit: o que acontecerá com os EUA se a Califórnia consolidar a separação do país?
18:17, 12 de fevereiro 2025
Movimento californiano busca o chamado "divórcio nacional" dos Estados Unidos como forma de evitar uma nova "guerra civil" no país. Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam como a medida impactaria Washington, caso consolidada.
SputnikMais rico estado dos EUA, a Califórnia quer se separar do país e está coletando assinaturas para a votação da proposta.
O movimento separatista, intitulado Yes California (Sim, Califórnia, em tradução livre), também chamado de Calexit em referência ao britânico Brexit, foi iniciado em 2015 pelo ativista conservador e atual presidente do movimento, Louis Marinelli, e pelo também ativista conservador Marcus Ruiz Evans.
Em
entrevista à revista Newsweek, Marinelli afirmou que a busca pelo que ele classifica como
"divórcio nacional" visa impedir a escalada para uma nova
"guerra civil" nos EUA.
"Estamos trabalhando mais no conceito de divórcio nacional como uma alternativa à potencial violência civil e guerra civil no país. Acreditamos que há muita violência política crescente e problemas políticos no país que podem levar a brigas nas ruas, guerra civil também. Algumas pessoas estão pedindo [a separação]", afirmou.
O principal argumento usado para defender a separação é a grande população e o poder econômico do estado, que, segundo dados da consultora Investopedia, seria a quinta maior economia do mundo se fosse um país independente.
Para qualificar o projeto para as eleições de 2028 são necessárias 546.651 assinaturas. Em janeiro, a secretária de Estado da Califórnia, Shirley Weber, afirmou que a expectativa era que a proposta recebesse mais de 500 mil assinaturas até o final de julho.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Rafael Ioris, professor de história e política da Universidade de Denver, afirma que a Califórnia não é o único estado dos EUA a buscar a separação e lembra que o Texas é o mais engajado nessa empreitada.
"Não é o único estado que tem um pouco esse discurso de uma identidade regional própria. Eu diria que o Texas é um dos mais conhecidos por isso. Até faz parte, mais ou menos, do folclore nacional. Então não é uma coisa única da Califórnia", explica.
Ele afirma que, embora a questão da identidade regional seja apontada pelos que defendem a separação, o principal motivo é político.
"O que você tem aqui, na verdade, é uma descentralização do poder. E, portanto, uma tentativa de manter posições políticas e legislativas diferentes a uma tentativa muito conservadora no poder federal."
Entretanto, ele frisa que a Califórnia não é homogeneamente progressista e há muitos bastiões conservadores no estado.
"Há muita diversidade dentro da Califórnia. Há cidades muito progressistas, [como] São Francisco […]. Mas há também bastiões republicanos muito fortes, muito conservadores, na região mais ao sul — não exatamente Los Angeles, mas ao sul de Los Angeles, San Diego. Lembremos que a Califórnia nos deu o Reagan, nos deu o Nixon. […] Nos anos 1990, havia uma discussão muito forte de tirar o espanhol como segunda língua nas escolas. Então não há essa coisa romântica de que eles são muito mais acolhedores com os imigrantes."
Ioris destaca que
o discurso político é reforçado pela incapacidade apontada do governo dos EUA de responder aos
desastres causados por eventos climáticos extremos nos estados, que são muito constantes na Califórnia.
"O governo federal não tem uma boa tradição de atender a esses desastres. Lembremos claramente do [furacão] Katrina, em 2005, lá em Nova Orleans [Louisiana], onde foi um desastre a agência federal de apoio nessas situações", afirma.
Para ele, o estado de fato seria a quinta economia mundial caso fosse um país e abriga ainda o Vale do Silício, polo da tecnologia dos EUA, onde estão sediadas big techs como o Google e a Meta (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas).
"O Vale do Silício está […] na região de Stanford, norte da Califórnia. […] Agora, o Vale do Silício está muito acoplado ao governo Trump hoje em dia, não é? Não só o [Elon] Musk, como outras personalidades do Vale do Silício. Então eu acho que vai haver uma reação interna no estado de pessoas muito poderosas tentando também bloquear ou não encaminhar esse processo. Mas seria claramente um choque muito duro [a separação]."
Ao
Mundioka, Ana Carolina Marson, professora de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), afirma que
os incêndios florestais inclinaram a Califórnia ao movimento de separação, o que foi agravado pela fala de
Donald Trump, ainda em seu primeiro mandato (2017–2021), quando culpou a gestão local da água pelos danos causados pelo incêndio.
"Trump afirmou que os esforços de conservação dos peixes no norte do estado eram os responsáveis pelo fato de os hidrantes estarem secos. Então uma fala dessa leva um peso para uma população que já estava sofrendo. […] muitas pessoas perderam muitas posses, e nós vimos que pessoas famosas também, o que levou ainda mais visibilidade para a situação", afirma.
Ela afirma que
os californianos se sentem diferentes do resto do país e que de fato houve muitos
protestos contra as deportações no primeiro governo Trump, e mais no governo de Joe Biden (2021–2024). Ela acrescenta que
o estado é responsável por cerca de 15% do PIB dos EUA, o que é um percentual expressivo.
"É bastante coisa. A gente pode pensar 'Não, só 15% não é nada', mas […] é significativo, então perderia a população. População significa imposto, então parte da arrecadação perderia 15% do valor do seu PIB. Já para a Califórnia, ela perderia principalmente com o comércio entre estados, ela faz muito comércio com outros estados. Então se ela se tornasse independente, se tornaria um outro país, o que significaria barreiras tarifárias, barreiras fitossanitárias e assim por diante, que os Estados Unidos impõem a todo e qualquer país."
Para Marson, há ainda a questão da identidade nacional, pois, embora os californianos se considerem diferentes do resto do país, ainda conservam sua identidade nacional.
"A Califórnia também perderia no sentido de identidade, porque, apesar de os californianos se enxergarem como diferentes do restante dos Estados Unidos, eles ainda possuem a identidade nacional estadunidense. Eles se entendem como estadunidenses. Então além da perda prática no sentido de comércio, aconteceria também essa perda da identidade nacional deles", explica.
Segundo a especialista, é justamente essa identidade nacional que torna improvável a eclosão de uma guerra civil pela separação, como apontada pelos idealizadores do movimento de secessão.
"Hoje nós já sabemos que existem outros meios, alguns estados se separaram, fizeram a sua divisão de forma amigável. Mas no caso dos Estados Unidos eu acredito que uma guerra civil, por mais que seja a primeira ideia que passe pela cabeça, não seja tão provável de acontecer, justamente porque a Califórnia e o resto dos Estados Unidos têm muita identidade compartilhada, assim como os outros estados", afirma.
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