Perseguição na Armênia ganha novos capítulos com prisão de arcebispo: 'Governo está encurralado'
Redação
Equipe da Sputnik Brasil
Em mais um episódio de perseguição a dissidentes e críticos, o governo armênio prendeu, nesta quarta-feira (25), o arcebispo Bagrat Galstanyan, da Igreja Apostólica Armênia, sob acusações de terrorismo, motins e usurpação de poder; e outras sete pessoas, entre empresários e políticos.
SputnikAlém disso, segundo a mídia local, o serviço de segurança da Armênia também fez uma busca na casa do presidente do parlamento de Karabakh, Ashot Danielyan.
Mais cedo, o Comitê de Investigação da Armênia afirmou que Galstanyan, que liderou protestos em 2024 exigindo a renúncia de Nikol Pashinyan, primeiro-ministro do país, estava preparando
atos terroristas e um golpe de Estado.
As prisões ocorrem há menos de uma semana da detenção do
empresário russo de origem armênia Samvel Karapetyan, na última quinta-feira (19),
acusado e preso por "fazer apelos públicos para tomar o poder ilegalmente", após ele ter defendido a Igreja Apostólica Armênia em meio a uma repressão governamental.
A Sputnik Brasil ouviu o analista internacional e historiador João Cláudio Pitillo sobre os últimos eventos na Armênia, que, segundo ele, sugerem que "o primeiro-ministro Pashinyan está encurralado".
As pressões sobre seu governo devem-se, sobretudo, à falta de benefícios efetivos para a Armênia após a abdicação da região de Nagorno-Karabakh no conflito com o Azerbaijão, e a aproximação com a Europa Ocidental, avaliou:
"Prender um empresário, um grande líder religioso, apresentar uma suspeita de golpe de Estado, é uma cartada um tanto delicada. Pashinyan vai ter que mostrar provas vigorosas disso, porque, se ele não conseguir, a governança dele vai ficar em xeque", opinou o analista.
Eden Pereira, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e Relações Sul-Sul (NIEAAS), também ressaltou à Sputnik Brasil a derrota no conflito com o Azerbaijão como fator relevante de fragilização do atual governo armênio, cuja popularidade está abaixo dos 15%, restando ao primeiro-ministro poucas opções.
A eliminação dos seus rivais por meio da prisão é uma delas, afirma.
"O respaldo político dos setores da Armênia já não existe mais, inclusive os próprios setores da diáspora armênia, que apoiaram no passado o Pashinyan, hoje se encontram em posição de completo rechaço ao atual primeiro-ministro, o que o coloca em uma posição muito difícil."
Os analistas avaliaram que a perda do território de Nagorno-Kabarakh é vista por boa parcela da população como um "ato entreguista", sobretudo pela tentativa do primeiro-ministro de tornar constitucional a renúncia por parte do Estado armênio de qualquer pretensão sobre a região, que, segundo Pereira, é extremamente relevante para a Igreja Apostólica Armênia do ponto de vista político, cultural e religioso.
Logo, a prisão de Galstanyan é consequência desse fracasso, tendo a igreja como principal contestadora no país.
"A igreja muitas vezes cumpre o papel que o Estado armênio não cumpre, está em locais onde o Estado praticamente não existe, porque o modelo neoliberal adotado privilegiou alguns em detrimento de muitos", comentou Pitillo. "Ela é uma instituição importante, representativa, vigorosa, e um ataque a ela, sem a devida comprovação, vai gerar ônus enormes para o Pashinyan e para o seu governo."
As prisões violam, segundo ele, princípios sagrados democráticos, que são o da liberdade de expressão e o da liberdade religiosa, e devem escalar a impopularidade do governo.
Eden Pereira lembra que o arcebispo preso participou das manifestações contra o governo no ano passado e se colocou como candidato nas próximas eleições, em 2026, como concorrente de Pashinyan. Sendo assim, é um rival político com grande capacidade de derrotar o atual primeiro-ministro.
Pereira também recorda que, ironicamente, a carreira política do próprio Pashinyan foi catapultada por sua alegação de perseguição política, quando era membro do parlamento armênio, algo que ele está fazendo agora como líder do país:
"Inclusive na chamada Revolução de Veludo, em 2018, na qual ele liderou manifestações em massa contra o governo armênio de então, ele não só forçou a renúncia do então primeiro-ministro, Serj Sargsyan, mas, na prática, sitiou o parlamento armênio e obrigou o parlamento a elegê-lo, mesmo que o
movimento de Pashinyan na época não fosse majoritário", recapitula.
"E a religião não está desassociada da sua sociedade, então é comum que um líder religioso também faça críticas ao governo do seu país", acrescentou Pitillo.
Armênia e Rússia
Ventilada pela imprensa ocidental, a suposta tentativa russa de interferir na Armênia é descabida, diz Pitillo.
"A Rússia trabalhou muito para ter a Armênia próxima de si, com relações fraternas e prósperas. Esse movimento da Armênia de se conectar diretamente com a União Europeia nunca foi um problema […], vários outros Estados têm essa relação e não há nenhum problema."
Já a União Europeia busca a
proximidade com esses países a fim de expandir o território da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para as fronteiras russas. Entretanto, em meio a uma crise sem precedentes, o bloco tem pouco a oferecer em troca da "adesão subordinada e de uma exploração do povo e de recursos" desses países eslavos, que são
vítimas históricas de xenofobia e racismo na Europa ocidental, afirmou.
"Boa parte dos países que se uniram à Europa continuam com sua economia deficitária e se tornaram apenas bases militares da OTAN", ponderou Pitillo. "Você tem um êxodo muito grande da juventude armênia, falta de perspectiva, e o Pashinyan apostou que poderia melhorar essa situação a partir da sua proximidade com o Ocidente."
O caso armênio
não é isolado,
é um movimento de guerra híbrida que se tornou muito comum na última década e
avançou no espaço pós-soviético. A igreja, no caso, que mantém um ritual e uma prática religiosa oriundos da Rússia, torna-se uma inimiga:
"Todo esse setor da sociedade civil organizada que não se alinha à ordem liberal, que não vê o Ocidente como paradigma, está sob alvo de ataque […]. Isso vem acontecendo na Armênia há muito tempo."
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