Pela primeira vez em sete anos, o primeiro-ministro indiano desembarcou na China. No fim de agosto,
Narendra Modi foi a Tianjin para participar da cúpula da
Organização de Cooperação de Xangai, entidade que reúne as principais economias da
Ásia Central, Sudeste Asiático e Oriente Médio.
A viagem ocorreu cinco dias após as tarifas norte-americanas de importação de 50%, que juntamente com o Brasil, foram a maior alíquota anunciada até então. Conforme o governo Donald Trump, a medida é justificada pelo aumento da compra de petróleo russo.
Em uma rara reunião bilateral, Modi se encontrou com o líder chinês Xi Jinping e reforçou o comprometimento "em progredir em nossas relações com base no respeito mútuo, na confiança e na sensibilidade". Segundo o governo indiano, é necessário reforçar os laços políticos e econômicos com a China.
Sobre a rivalidade histórica causada por disputas territoriais ao longo dos mais de 3,8 mil quilômetros de
fronteira compartilhada entre China e Índia, Modi também ressaltou que o momento é de "paz e estabilidade", situação que contrasta com a de 2020, quando tropas dos dois países chegaram a entrar em confronto.
O professor de economia política da Unilasalle,
Marcello Simões Freitas, classificou ao podcast
Mundioka, da
Sputnik Brasil, como um "tiro no pé" o uso das tarifas como pelo governo Trump instrumento de pressão inclusive contra países parceiros dos Estados Unidos, como é o caso da Índia.
Segundo o especialista, inclusive a cultura pragmática da Índia quanto à política externa tem facilitado essa aproximação sobre o antigo rival depois que a aliança com Washington passou a se mostrar "não tão confiável".
O professor visitante do King's College London,
João Nicolini Gabriel, concorda e acrescenta ao podcast que, apesar das tensões que até outrora dominavam as relações Índia-China, os dois países sempre tiveram posicionamentos parecidos na
Organização das Nações Unidas (ONU).
Outro ponto que chamou a atenção de todo o mundo foi a participação de Modi na parada militar em Pequim que comemorou os 80 anos da vitória chinesa sobre o imperialismo japonês durante a Segunda Guerra Mundial. Conforme Nicolini, o primeiro-ministro indiano sempre evitou marcar presença em eventos como esse para evitar "ruídos" com países parceiros, a exemplo do Japão.
"O que se observa nesse contexto é que Modi tem se aproximado sobretudo da Rússia e, em certa medida, da China. Essa movimentação reflete a necessidade de reafirmar uma posição contrária às medidas adotadas pelos norte-americanos. No cenário político interno, Modi busca reforçar sua imagem de líder nacionalista. Antes, sua proximidade com Donald Trump e com os Estados Unidos era apresentada como prova de sua capacidade de negociação; hoje, porém, essa associação passou a ser vista, em termos populares, como um mico", destacou o especialista.
Diante disso, o primeiro-ministro passou a sofrer pressão interna de partidos da oposição, que usaram esse "fracasso" na política externa para atacar o governo.
Por fim, o professor visitante do King's College cita uma situação que tem sido pouco abordada pela imprensa mundial: a aproximação do governo Trump do Paquistão, em processo que, segundo ele, pode ser caracterizado como "diplomacia das cripto".
Isso porque o governo paquistanês fez uma série de acordos para criar um fundo soberano lastreado em criptomoedas, sob a gerência de uma empresa norte-americana ligada à família de Donald Trump — 60% do capital é vinculado ao clã do presidente.