Panorama internacional

Mercosul 'aproveita fragmentação comercial' para entrar em novos mercados, dizem analistas

Sob a liderança temporária do Brasil, o Mercosul iniciou oficialmente o acordo de livre comércio com a EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e retomou as tratativas com o Canadá. Para especialistas, momento é de aproveitar o afastamento de aliados históricos dos Estados Unidos como reação às tarifas de importação do governo Donald Trump.
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De um lado, o acordo de livre comércio permite aos países do Mercosul acessar um mercado com mais de 290 milhões de consumidores, formado pelos quatro países que compõem a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA, na sigla em inglês), e um PIB conjunto de US$ 4,39 trilhões (R$ 23,6 trilhões) em 2024.
Do outro, a retomada das negociações para firmar um acordo semelhante com o Canadá, paralisadas desde 2021, permitirão o acesso do grupo à oitava maior economia do mundo, caso sejam concretizadas.
Assim tem caminhado o Mercosul nos últimos meses, que, diante das dificuldades em fechar o acordo discutido há mais de duas décadas com a União Europeia, e para reagir à nova política tarifária e protecionista dos Estados Unidos, busca cada vez mais diversificar seus parceiros comerciais.
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Para a professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Fernanda Nanci Gonçalves, o Brasil tem desempenhado um papel central nessa atual "reorientação do grupo".

"O aumento de barreiras comerciais nos EUA estimulou que o governo brasileiro diversificasse ainda mais os seus mercados, com vistas a reduzir a dependência de parceiros tradicionais. No caso do Canadá, as negociações estão em curso há alguns anos, e há um interesse mútuo em fortalecer cadeias de valor em mineração, energia e agricultura sustentável — áreas nas quais o Brasil tem grande vantagem comparativa. Neste momento de tarifaço, a conclusão do acordo é benéfica para ambos os lados", resume.

A especialista cita ainda a tentativa de aproximação do grupo do Japão e da Coreia do Sul, também reflexo da nova política norte-americana de medidas unilaterais sob a justificativa de atuar em defesa da "segurança nacional" ou contra "práticas desleais de comércio".
"O Mercosul tem buscado aproveitar a fragmentação comercial global para fortalecer uma inserção mais competitiva e diversificada, voltada à sustentabilidade e à segurança econômica. O bloco tem apostado em parcerias com países que valorizam energia limpa, alimentos seguros e cadeias produtivas estáveis, posicionando-se como fornecedor estratégico de bens agrícolas, minerais e energéticos em um cenário em que a América do Sul ganha importância geopolítica", comenta.

Quem é o líder do Mercosul?

Atualmente, a presidência temporária do grupo está sob o comando brasileiro, cuja cúpula está prevista para ocorrer no fim deste ano no país. Para a professora da UERJ, há uma aposta do Brasil em reposicionar o Mercosul como potência na segurança alimentar e energética global, temas cada vez mais urgentes em meio às mudanças climáticas.
"Essas iniciativas integram uma estratégia de diversificação econômica e tecnológica, buscando reduzir a dependência do eixo EUA-UE e aproximar o bloco de mercados abertos e sustentáveis, em sintonia com as novas dinâmicas do comércio internacional", destaca.
Matheus Pereira, professor de relações internacionais na Universidade Federal de Uberlândia, destaca à Sputnik Brasil que há uma tentativa do governo brasileiro em dar musculatura ao Mercosul diante da "crescente pressão e hostilidade da Argentina ao Mercosul".
"De fato, há um esforço de diversificação de parcerias através de acordos com outros blocos e países, que visa fortalecer a posição do Mercosul no comércio global. Essa é uma tendência que de fato é reforçada pelo cenário de aumento de barreiras tarifárias e esvaziamento da OMC, ambos os movimentos liderados pelos Estados Unidos, que, a meu ver, não necessariamente reagiria de forma contrária a acordos que não o afetam diretamente", destaca.
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Já o professor visitante no curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Marcelo Balloti Monteiro, lembrou à Sputnik Brasil que também há um empenho do país em fechar um acordo de livre comércio com a Indonésia.

"Acredito que o tarifaço acelera essa busca de diversificação de parceiros, o que se traduz para o Brasil e, obviamente, para o Mercosul. Porém o grupo ainda tem uma divisão bastante clara entre os países, com a Argentina mais alinhada aos EUA, o que de certa forma dificulta a unanimidade dentro do bloco. Também temos agora a Bolívia, que elegeu um presidente mais à direita, o que pode reforçar essa tendência", analisa.

Sobre uma possível reação dos Estados Unidos à tentativa do Mercosul de diversificar parcerias, o especialista acredita que há poucas chances de isso acontecer, exceto se houver uma aproximação ainda maior do grupo com a China — fator que já ocorre individualmente com alguns membros.
"De certa maneira, os Estados Unidos têm em mente que eles mesmos estão provocando isso: a partir do momento que colocam tarifas, o produto fica mais caro, e é natural que os parceiros comerciais busquem outros parceiros, outras alternativas", destaca.
Para o especialista, a América do Sul, historicamente, constrói parcerias internacionais pouco pragmáticas: as afinidades ideológicas costumam pesar mais nas decisões do que os benefícios concretos que os acordos poderiam gerar.

"Sofremos muito o efeito do governante do momento e da ideologia que ele carrega — o que, na minha visão, é um erro. Política externa e política comercial têm que ser pragmáticas, voltadas ao bem-estar da sociedade e do país, não a ganhos momentâneos de um governo de esquerda ou de direita", finaliza.

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