Panorama internacional

Uruguai deve 'continuar pressionando o Mercosul' para fortalecer laços com a China, diz especialista

O presidente uruguaio, Yamandú Orsi, anunciou uma viagem à China e a intenção de relançar as relações com o país, que se baseiam em um acordo de livre comércio. Especialistas consultados pela Sputnik detalharam a importância do país sul-americano para o gigante asiático.
Sputnik
Desde que o então presidente uruguaio, Tabaré Vázquez (2005-2010 e 2015-2020), anunciou a possibilidade de assinatura de um acordo de livre comércio entre o Uruguai e a China em 2016, o pequeno país sul-americano busca se posicionar como porta de entrada para que o gigante asiático finalize tal acordo com o Mercosul.
A relutância da Argentina e do Brasil, com uma longa tradição de proteger as respectivas indústrias, impediu que o desejo do Uruguai prosperasse, embora as intenções de Vázquez tenham sido continuadas pelo sucessor Luis Lacalle Pou (2020-2025), de orientação política diferente.
A falta de vontade dos principais países sul-americanos em firmar um acordo de livre comércio não apenas paralisou o acordo do Mercosul, como também inviabilizou a possibilidade de um tratado bilateral entre Montevidéu e Pequim, visto que os estatutos do bloco sul-americano só permitem acordos com a autorização de todos os membros.
Mas, quando as possibilidades de estreitamento dos laços entre a China e o Uruguai pareciam congeladas, o presidente Orsi recebeu o vice-primeiro-ministro chinês, Ding Xuexiang, em 4 de novembro, e anunciou uma visita oficial ao gigante asiático "antes de março de 2026".
Em uma coletiva de imprensa após o encontro, o ministro das Relações Exteriores, Mario Lubetkin, afirmou que "as autoridades chinesas têm grandes expectativas quanto ao papel que o Uruguai poderá desempenhar ao assumir a presidência do Mercosul em julho do próximo ano".
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A porta de entrada para o Mercosul

Em entrevista à Sputnik, o especialista uruguaio em negócios internacionais Marcos Soto saudou o compromisso contínuo do governo Orsi com a cooperação com a China. No entanto, expressou cautela quanto à possibilidade de um acordo comercial ser finalizado.
"Os obstáculos que impediram o Uruguai de avançar (em um acordo de livre comércio entre a China e o Mercosul) no passado permanecem, e pensar que esses obstáculos desapareceram não parece refletir a realidade", alertou o especialista, figura de destaque na Escola de Negócios da Universidade Católica do Uruguai.
A esse respeito, Soto observou que ainda não há consenso dentro do Mercosul "que permita que essa questão seja abordada de forma clara e decisiva". Embora reconheça que a China e o Brasil parecem estar atualmente em ótimas relações, insistiu que "as condições ainda não são adequadas" para que o bloco avance com tal acordo, apesar da insistência do Uruguai.
Por sua vez, o analista internacional uruguaio Ignacio Bartesaghi declarou a esta publicação que, apesar das dificuldades, o Uruguai deve garantir que a possibilidade de um acordo com Pequim "se mantenha viva" e "continuar pressionando o Mercosul para que reaja e finalmente dê o passo com a potência asiática, que é seu principal parceiro comercial".
Bartesaghi insistiu que "o Uruguai deve liderar essa reaproximação", em um contexto no qual o Paraguai mantém laços com Taiwan, a Argentina parece "próxima dos EUA" e o Brasil permanece hesitante. "Espero que a visita oficial anunciada coloque o assunto de volta na mesa, porque é fundamental para o desenvolvimento econômico do Uruguai", observou.
Mas o interesse na relação Montevidéu-Pequim não é exclusivo do Uruguai. Bartesaghi enfatizou que o gigante asiático "sempre valorizou o Uruguai", algo que "é frequentemente mal interpretado porque se diz que o país é pequeno demais para atrair a atenção da potência asiática".

"O Uruguai é um parceiro estratégico para a China porque sabe que é o único membro do Mercosul que deseja um acordo comercial com Pequim, o que seria o primeiro passo para que os outros membros do Mercosul seguissem o exemplo", explicou o analista.

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Pequeno, mas estratégico

Segundo Bartesaghi, o governo chinês está ciente de que a relação com o Uruguai “ainda tem grande potencial”, mas parece estar esperando que o país sul-americano promova avanços concretos além da assinatura de memorandos de entendimento, da Parceria Estratégica Abrangente existente entre os dois países ou da participação na Iniciativa Cinturão e Rota.

"Para a China, é importante que o Uruguai proponha o que fazer dentro dessa estrutura, e às vezes ficamos aquém porque não temos uma estratégia nacional claramente definida e acordada para a integração internacional", acrescentou.

Na opinião de Soto, o Uruguai pode alavancar seus "sistemas de produção para atrair investimentos estrangeiros e se tornar uma porta de entrada para a região", tanto em termos de programas de incentivo e importação de matérias-primas, quanto em zonas de livre comércio autorizadas a exportar, por exemplo, para o Brasil.
O especialista acrescentou outro elemento que poderia destacar o país como parceiro preferencial da China na região: o fato de o Uruguai ter permanecido "fora" da grande guerra comercial entre os EUA e o gigante asiático.
"O tamanho do Uruguai muitas vezes é um problema, mas às vezes é uma vantagem, dando ao país a capacidade de operar discretamente, evitar alarde e obter vantagem competitiva na concorrência direta."
Isso "tem sido parte da estratégia recorrente do país", explicou.
O especialista destacou que o Uruguai tem a vantagem de o gigante asiático "seguir a lógica de construir seus laços ao longo do tempo e ser consistente", buscando, portanto, "não olhar para quatro ou cinco anos à frente, mas para centenas de anos". Nesse cenário, resumiu, a China considera o Uruguai "um país amigo, cooperativo e complementar".

Celac: mais um espaço para impulsionar a China

Bartesaghi, por sua vez, considerou que o Uruguai pode aproveitar a oportunidade que a presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em 2026 representará, uma área também valorizada pela China no relacionamento com toda a região latino-americana.
Portanto, ele enfatizou a importância de o Uruguai liderar o Grupo China-Celac e ser capaz de conduzir, a partir daí, "alguns debates importantes", como "a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC), a importância do multilateralismo, as mudanças climáticas e a paz internacional", entre outros.
"Essas são todas questões em que a China e a Celac têm pontos em comum."
"Neste momento, há convergências que permitem ao Uruguai desempenhar um papel relevante", afirmou Bartesaghi, reconhecendo, no entanto, os desafios impostos pela falta de consenso interno no bloco latino-americano.
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