Análise: fragmentação na América Latina impede união em defesa da Venezuela ante ameaças dos EUA
18:50, 10 de novembro 2025
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam o teor cauteloso de Lula ao criticar veladamente os ataques dos EUA a embarcações venezuelanas no Caribe.
SputnikO presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que a segurança é um dever do Estado e um direito humano fundamental, e que o combate à criminalidade não pode ser feito violando o direito internacional.
A fala foi feita neste fim de semana, em Santa Marta, Colômbia, durante discurso na 4ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC).
Apesar de não ter citado diretamente os EUA, a declaração de Lula foi uma crítica velada aos
ataques norte-americanos contra embarcações venezuelanas no Caribe,
sob o argumento de combate ao tráfico de drogas, embora ainda não tenham sido apresentadas provas de que os alvos de fato transportavam entorpecentes.
"Não existe solução mágica para acabar com a criminalidade. É preciso reprimir o crime organizado e suas lideranças, estrangulando seu financiamento e rastreando e eliminando o tráfico de armas."
Era esperado na cúpula que Lula enviasse uma mensagem de
"solidariedade regional" à Venezuela, demonstrando coesão regional entre os países da região. No entanto, a
expectativa de defesa da Venezuela é apontada como um dos motivos que levaram a um esvaziamento da cúpula da CELAC.
O breve aceno, contudo, não se deu sem um balanço dos prós e contras internos e externos, afirmam especialistas à Sputnik Brasil.
Segundo Williams Gonçalves, professor de relações internacionais aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o Brasil, por seu tamanho na região e por Lula ser um grande entusiasta da integração regional, não poderia deixar de se posicionar.
"O Brasil não pode se omitir diante disso, e muito menos aprovar uma invasão militar, tanto do ponto de vista doutrinário como do ponto de vista prático", explica o analista.
Segundo Gonçalves, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), as demonstrações de apoio não foram a principal questão a resultar no esvaziamento da cúpula da CELAC, realizada em parceria com a União Europeia, mas:
a
perda de influência da União Europeia a partir do governo do presidente estadunidense, Donald Trump;
e a
fragmentação na América Latina, com líderes da região buscando uma relação mais próxima com os EUA, em detrimento da integração regional.
Segundo ele, governos como o de Javier Milei e o de Santiago Peña estão voltados para fora do continente, sempre buscando "relações privilegiadas com as grandes potências, especialmente os Estados Unidos".
Nessa mentalidade — uma herança colonial, aponta Gonçalves —, os países se veem mutualmente como "concorrentes", e não como parceiros que podem contribuir mutuamente para o seu desenvolvimento.
"Não há a menor condição hoje de pensar seriamente a integração regional, muito menos a inclusão da Venezuela. Isso é uma ideia que ficará arquivada, aguardando melhor oportunidade. O tema integração hoje é meramente retórico, sem qualquer possibilidade de produzir resultados práticos, de sofrer qualquer avanço, qualquer progresso."
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), lembra que, no Brasil, a Venezuela é tratada como assunto doméstico. "O tema Venezuela é um tema que mobiliza a direita contra o governo."
Somada a isso, há a questão da
segurança pública, sobretudo após a
controversa operação policial que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro, realizada contra o narcotráfico carioca. Na esteira da ação do Estado, o governador Cláudio Castro (PL-RJ) vem articulando a designação das facções brasileiras como narcoterroristas.
O rótulo é o mesmo utilizado pelos Estados Unidos para atacar embarcações venezuelanas no mar do Caribe, utilizado também como justificativa para pressionar o governo de Nicolás Maduro.
"Mas é importante ressaltar que o governo tinha que fazer uma posição. Ele viu a necessidade de ir para a reunião para se colocar como líder nessa discussão e não deixar que a Colômbia assumisse esse papel de liderança regional de forma tão explícita."
Por outro lado, ela afirma que o governo brasileiro precisa ter cautela ao confrontar os EUA em função de interesses que Brasília tem, como a negociação em torno do tarifaço. Nesse contexto, ela aponta que o discurso feito por Lula, do ponto de vista diplomático, "não cria nenhum tipo de possibilidade de haver uma posição mais dura dos EUA".
Brasil é o parceiro certo para mediar a crise EUA-Venezuela?
Para Gonçalves, "não há dúvida" de que cabe ao Brasil o papel de mediador da crise entre Caracas e Washington, para manter acesa a ideia de liderança regional, que ele aponta "que não pode ser exercida por outro país a não ser o próprio Brasil".
"Também porque qualquer conflito militar dos EUA com a Venezuela, inevitavelmente, transbordará para o nosso território, atingindo, portanto, os interesses nacionais brasileiros, comprometendo de alguma forma a nossa soberania."
Ele acrescenta que a mediação brasileira é bem vista tanto pelos EUA, que buscam fortalecer sua influência na América Latina e precisam de aliados, quanto pela Venezuela, já que a Colômbia "não tem a força diplomática que o Brasil tem para defendê-la".
Holzhacker afirma que, de todas as crises que o governo brasileiro vem tentando participar ativamente, a venezuelana "é a que mais temos chance de negociar e sermos relevantes nesse processo".
"Vai depender da nossa capacidade de convencer os americanos de que uma solução pacífica é a melhor solução e de que é possível construir um caminho de maior estabilidade do que uma intervenção direta. Mas, mesmo assim, as chances de o Brasil ter um papel relevante são maiores quando comparado com outros conflitos que nós temos."
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