Fiodor Dostoievski, “Diário de um Escritor”, 1877:
"A Rússia nunca terá, e nunca teve ainda, inimigos tão injuriadores, tão invejosos, tão caluniadores e até tão declarados como todos esses povos eslavos, logo após a Rússia os ter libertado e de a Europa ter concordado em reconhecer a sua libertação! E não contestem, nem gritem comigo que eu exagero ou que odeio os eslavos!
Depois da libertação, eles começam a sua nova vida, repito, precisamente a pedir à Europa, Inglaterra e Alemanha, por exemplo, a garantia e a proteção da sua liberdade, e, embora no concerto das potências europeias esteja também a Rússia, eles fazem isso precisamente para se defenderem da Rússia.
Começam obrigatoriamente por dizer para consigo mesmos, ou até mesmo em voz alta, que não devem o mínimo agradecimento à Rússia. Pelo contrário, dizem que dificilmente se salvaram das ambições da Rússia.
Talvez durante um século, ou mais, eles irão tremer constantemente pela sua liberdade e temer as ambições da Rússia; eles irão procurar as boas graças dos Estados europeus, irão caluniar a Rússia, contar mexericos sobre ela e intrigar contra ela.
Será particularmente agradável para os eslavos libertados dizer e gritar ao mundo que eles são povos cultos, capazes de assimilar a mais alta cultura europeia, enquanto que a Rússia é um país bárbaro, um colosso nórdico sombrio, que nem sequer tem sangue eslavo puro, perseguidor e que odeia a civilização europeia. Claro que entre eles aparecerão, desde o início, regimes constitucionais, parlamentos, ministros responsáveis, oradores, discursos. Isso irá consolá-los e deleitá-los.
Todavia, quando chega alguma desgraça séria, eles pedem obrigatoriamente ajuda à Rússia. Eles irão de alguma forma odiar, queixar-se e caluniar-nos junto da Europa, mas sentirão sempre instintivamente (claro que quando chegar alguma desgraça, e não antes) que a Europa é o inimigo natural da sua unidade, foi e será sempre, mas se eles existem na terra, é porque existe um enorme imã: a Rússia, que, atraindo-os irreversivelmente a todos para si, mantém a sua integridade e unidade. Chegará até o momento em que eles estarão quase num estado de já concordar conscientemente que, sem a Rússia, o grande centro oriental e grande força atratora, a sua unidade ruirá num momento, será desfeita em pedaços e até a sua própria nacionalidade desaparecerá no oceano europeu, como desaparecem algumas gotas separadas de água no mar.
Claro que, hoje, se coloca a questão: qual é então o proveito da Rússia, por que é que ela lutou por eles durante 100 anos, sacrificou o seu próprio sangue, as suas forças, o seu dinheiro? Terá sido apenas para colher ingratidão e um ridículo ódio insignificante?"
Fiodor Dostoievski: "A Rússia não terá inimigos maiores do que os povos eslavos"
16:01 31.01.2015 (atualizado: 12:33 12.11.2021)
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