— Como o senhor costuma comemorar o Dia do Diplomata, celebrado na Rússia em 10 de fevereiro?
— Estou muito feliz por ter sido um dos integrantes da equipe das pessoas que estiveram na origem da instituição deste feriado em nosso país. Com certeza, a sua história ainda não é muito longa, mas os diplomatas, ao nos aproximarmos cada ano desta data, analisamos o que temos feito no período anterior. Para nós, o Dia é importante do ponto de vista da aprovação do nosso trabalho pela liderança do país.
No que diz respeito à celebração, no sentido próprio da palavra, para nós este feriado é, mais bem, digamos, intimamente gremial. Isso é mais importante do que organizar alguns eventos pomposos, tanto mais que hoje em dia, quiçá, não seja uma altura para gastar dinheiro em quaisquer shows de gala especiais. O principal é que as pessoas estejam em boa forma e ativas. E em Dias como este, é claro, recebemos para tal uma nova carga de entusiasmo.
— Diplomatas estrangeiros, imagino, têm inveja, já que tal feriado não existe quase em nenhum país do mundo.
— Têm, sim. Os colegas com quem tenho falado nas recepções diplomáticas que organizámos nos últimos anos no exterior para os nossos colegas estrangeiros, não percebem este Dia como um feriado dos diplomatas russos, mas sim como de todos os diplomatas em geral. E até certo ponto, realmente, têm inveja de nós.
— Qual é, na sua opinião, a principal "arma" do diplomata russo?
— A principal arma do diplomata russo sempre tem sido e continua sendo o conhecimento. Se o diplomata tem um domínio real da matéria, domina os dados reais, a situação real e a informação real, é muito difícil fazer-lhe frente recorrendo aos clichês puramente ideológicos, usados, infelizmente, com tanta frequência no último período por nossos parceiros ocidentais.
— A UE quer colaborar com a Rússia no âmbito de alguns temas, como o antiterrorismo, por exemplo, e no âmbito de outros não quer, sendo suspendido um número de programas de cooperação. Como a Rússia vê tal política seletiva de Bruxelas?
— Na minha opinião, a UE quer trabalhar conosco em todas as questões, mas muitas vezes tem medo de ficar à margem da corrente geral quando se trata de certas atitudes antirrussas.
Somos pragmáticos. Eu não posso imaginar por que razões não devemos cooperar com a UE, os EUA e com outros países para combater o terrorismo. Para mim, o principal consiste em contribuirmos para evitar a morte de nossos cidadãos, para que o terrorismo se transforme em uma tendência marginal nos assuntos mundiais.
Por isso, não consideramos necessário fechar quaisquer áreas de cooperação com a União Europeia por razões puramente reputacionais ou ideológicas. Se estas áreas são de interesse para nós, estamos prontos para trabalhar nelas.
Se alguém tenta nos impor seletivamente os temas em que não estamos interessados e, ao mesmo tempo, congela na prática as áreas que representam um valor real, naturalmente, não vamos trabalhar em tal área.
— Quer dizer, a União Europeia mostra tal seletividade?
— Eu não iria colocar todo o peso da culpa nos ombros da UE, este é um comportamento comum do Ocidente. Queremos isso de sua parte, estamos prontos para isso e o tema que é de menor interesse deve ser congelado.
— Como Moscou avalia passos semelhantes do Ocidente?
— Nós somos realistas. Ao contrário de alguns dos nossos parceiros, conhecemos bastante bem a história, passámos por um período — que não foi nada fácil — dos anos 1980 e 1990, de modo que estamos acostumados a ver as coisas de maneira prática e sensata. Cada um dos nossos enfoques é alicerçado, claro, no nosso interesse nacional. Ficamos surpresos quando alguns dos nossos parceiros atuam em detrimento dos seus interesses nacionais. No nosso caso, nada de semelhante é observado.
— Eles procedem assim seguindo os ditames dos EUA?
— Eu não diria que tudo se resuma aos ditames dos Estados Unidos. Às vezes, isso tem a ver com as atitudes explicitamente russófobas da certas elites políticas na nova Europa.
— A chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, disse que a UE está totalmente solidária no que diz respeito às relações com a Rússia. É realmente assim? Será patente no seio da UE o consenso em matéria de sanções contra a Rússia?
— Devemos olhar o assunto binocularmente. O resultado é sempre, como se costuma dizer, evidente e palpável, pois a União Europeia sabe encontrar decisões consensuais. Outra coisa são os procedimentos usados para produzir essas decisões consensuais. Se fosse uma decisão expressa de forma consciente e independente através do voto a favor de cada um dos Estados, então se poderia dizer que a posição sobre tal decisão seria solidária. Mas quando sabemos da enorme pressão exercida sobre os Estados que consideram essa decisão como errada, mediante uma variedade de métodos de pressão, cujo uso só se pode lamentar, é um assunto bem diferente.
— Aliás, a liderança da União Europeia exerce pressão sobre certos países?
— Não só a liderança da UE. Certos países da UE sofrem uma enorme pressão que, por vezes, se transforma mesmo em chantagem econômica, forçando os países a tomar esta ou aquela decisão. Estamos bem conscientes de que ninguém irá admitir publicamente que essa decisão tinha sido tomada sob pressão.
— Como irá responder a Rússia se os países membros da OTAN, em particular os Estados Unidos, começarem a fornecer armas letais à Ucrânia?
— Em primeiro lugar, todos os que dizem que vão enviar armas letais à Ucrânia, as armas, sublinho, tecnologicamente muito difíceis de manejar, todos eles devem pensar em duas questões. A primeira é: a quem eles vão dar treinamento? E como o vão fazer? A segunda: se eles não são capazes de preparar essas pessoas num abrir e fechar de olhos, haverá, portanto, mais instrutores estrangeiros justamente na linha de frente.
Se alguém sabendo que esse treinamento exige meses, então ele não é partidário de uma solução política. Ou seja, esse alguém aposta em uma continuação militar do conflito interno ucraniano e assume a responsabilidade pelo destino de seus próprios cidadãos enviados para a Ucrânia.
— Quer dizer, os países que admitem a possibilidade de envio de armas, na prática se opõem a uma solução política?
— Em primeiro lugar, eles se opõem a uma solução política diplomática. Em segundo lugar, eles partem do princípio que o conflito deve continuar, pois é perfeitamente compreensível que entre a tomada de decisão sobre o fornecimento de tais armas e o uso delas no campo de batalha vai passar certo tempo. Portanto, quem está prestes a dar tal passo não está interessado em que a paz se estabeleça na Ucrânia.
Além disso, nós estamos bem cientes das peculiaridades da vida política nacional ucraniana. Quem sabe onde poderão acabar essas armas? E por último, o que na realidade não é o último, mas sim o mais importante, em tal caso se tratará de uma violação de todos os compromissos que os nossos parceiros ocidentais assumiram no quadro da OSCE, assim como do tratado sobre o comércio internacional de armas.
— O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, falou em repetidas ocasiões na presença de tropas russas no leste da Ucrânia. A aliança terá provas da alegada presença militar russa?
— Eles não têm nenhumas provas. O fato de as tropas russas não estarem combatendo na Ucrânia já foi confirmado mesmo pelo chefe do Estado-Maior da Ucrânia. É triste que semelhantes declarações saiam da boca de quem não é qualquer politiqueiro de marca, mas sim o chefe do organismo que por definição deve proporcionar dados exatos e fidedignos em vez de divulgar propaganda. Quando as organizações político-militares se deixam envolver neste tipo de jogos, tudo se torna muito mais perigoso do que as declarações de alguns políticos ocidentais irresponsáveis.
— Então, isso é um jogo para o público?
— Com certeza, é uma guerra de informação que os nossos parceiros ocidentais estão promovendo ativamente.
— Espero que o ponto de não retorno não tenha sido ultrapassado, mas ainda é cedo para emitir quaisquer estimativas otimistas.
— Na sua opinião, há uma necessidade de reconsiderar o Ato Fundador do Conselho Rússia-OTAN? Ele não terá perdido por acaso a sua relevância? Moscou já tem anunciado a violação das cláusulas do Ato Fundador por parte da OTAN.
— A OTAN está violando o Ato Fundador. Mas estou convencido que a segurança europeia está interessada em que os nossos colegas da OTAN retornem ao âmbito político do Ato Fundador, o qual, embora não seja juridicamente vinculativo, é um documento que veio a ser, em geral, a base do nosso relacionamento com a OTAN nas últimas décadas.
— O senhor poderia nos contar uma história engraçada da prática diplomática?
— Na prática diplomática pode haver e há, realmente, muitas anedotas quotidianas. Na Conferência de Munique, que trabalhou em ritmo muito intenso, quase ninguém saía do hotel que era a sede do evento. A cada três minutos, vimos discursar os líderes de diferentes países, ministros dos Exteriores e outras personalidades. Quando a conferência já fechou, ao sair do meu quarto para ir para o aeroporto, deparei com um homem com vestido esportivo e sapatilhas que ia ao meu encontro. Eu pensei: como é possível que ele esteja vestido dessa maneira, quando nós estamos em uma conferência tão importante? Quando o homem se aproximou de mim, percebi que a nossa conferência realmente não era dele, porque ele era o Arnold Schwarzenegger.