Passos da França em direção a Cuba são realizados após consultas aos EUA

© AP Photo / Desmond BoylanFrançois Hollande durante discurso na Universidade de Havana, em Cuba
François Hollande durante discurso na Universidade de Havana, em Cuba - Sputnik Brasil
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O Presidente da França, François Hollande, realiza nesta segunda-feira (11) uma visita histórica a Cuba, a primeira de um chefe de Estado francês desde a independência da ilha. Na agenda oficial do líder francês, constavam reunião com o presidente de Cuba, Raúl Castro, e uma rápida visita ao ex-presidente Fidel Castro, entre outros eventos.

As agências internacionais de notícia definem a visita de François Hollande a Cuba da seguinte forma: “No momento em que as relações de Cuba com o mundo começam a se normalizar, após o início da reaproximação com os Estados Unidos em dezembro de 2014, e o levantamento do embargo comercial dos Estados Unidos contra a ilha está em perspectiva, a França quer se posicionar para aproveitar as oportunidades de negócios proporcionadas pelo mercado cubano.” 

Ainda de acordo com os analistas políticos internacionais, “entre os governos francês e cubano, há uma relação de simpatia, já que desde a década de 90 a França apoiou no Conselho de Segurança da ONU todas as resoluções pedindo o fim do embargo econômico contra Cuba. 

François Hollande chega a Havana, no domingo, 10. - Sputnik Brasil
François Hollande faz primeira visita de um chefe de Estado francês a Cuba em 55 anos

Já os analistas econômicos opinam que François Hollande aposta na lealdade cubana para conquistar espaço para empresas francesas em projetos de desenvolvimento da ilha, principalmente nos setores de construção civil, infraestrutura, turismo, hotelaria, telecomunicações, farmácia e biotecnologias. Cerca de trinta importantes empresários acompanham o presidente francês em Havana.

Oficialmente, François Hollande está em Cuba para acompanhar o processo de reabertura do país. Mas, embora não seja explícito, o principal objetivo do governo de Cuba é receber os investidores estrangeiros para aplicar seus recursos no país. Para os analistas, Cuba não quer ficar apenas nas mãos dos Estados Unidos e se dispõe a abrir espaço e mercado para os países da Europa e da América Latina.

Sobre a visita de François Hollande a Cuba, a Rádio Sputnik Brasil entrevista o sociólogo e jornalista Marco A. Gandásegui, Hijo, professor da Universidade do Panamá, pesquisador do CELA (Centro de Estudos Latinoamericanos Justo Arosemena) e diretor-editor da Revista "Tareas".  

A seguir, a íntegra da entrevista:

 

 O que representa para Cuba a visita do presidente da França, François Hollande?

– A França, como outros países capitalistas do mundo e, especialmente os da Europa, buscam novos mercados e oportunidades para investir os seus capitais. Cuba representa um mercado que, aparentemente, conseguiu romper, depois de 50 anos, o bloqueio econômico e político dos Estados Unidos. As novas circunstâncias podem representar, para Cuba, estreitar relações com a França em áreas tão importantes como a indústria espacial, as indústrias de transporte aéreo e terrestre, assim como o intercâmbio no setor farmacêutico e em outras áreas nas quais os dois países registraram avanços significativos.

– Depois dos Estados Unidos, a Europa também parece buscar uma aproximação maior com Cuba. O que isto significa para a ilha?

– A Europa e o sistema capitalista que construiu sua classe industrial e financeira – em aliança com a classe operária organizada pela social democracia – durante os últimos 50 anos, estão em meio a uma crise da qual só sairão se lograrem dar saltos qualitativos adiante. Por um lado, a Europa vê o espaço oriental que passa pela Rússia e chega à China. Por outro lado, a América Latina — e Cuba incluída – representam um mundo que os europeus vêem com muito entusiasmo. Obviamente, qualquer solução que aponte em direção a estas coordenadas globais terá de passar, primeiramente, por um pacto pelo interior da chamada “comunidade europeia”.

– Europa e Estados Unidos estariam agindo de comum acordo em relação a Cuba?

– Os grupos financeiros dos Estados Unidos têm fortes interesses em todos os países da Europa. Estes interesses são econômicos, políticos e militares. Não há dúvida de que os passos que a França pretende dar em direção a Cuba são realizados através de conversações prévias com os Estados Unidos. A França e qualquer outro país europeu. Isto não exclui a possibilidade de que a correlação de forças mude em um futuro não muito distante. A aliança norte-atlântica (que se estendeu ao Mar Mediterrâneo e, depois, para a Europa) é frágil e o capital europeu tem de defender os seus interesses. Novamente, qualquer avanço em direção à América Latina e Cuba, por parte da Europa e dos Estados Unidos, dependerá da correlação de forças no interior destes blocos.

– O que a Europa tem hoje a oferecer para Cuba e o que espera receber desse país?

– Os interesses dos capitalistas europeus são heterogêneos. Há muitos setores que possuem coisas diferentes a oferecer. A França talvez seja o mais avançado país europeu neste aspecto. A Alemanha está olhando mais para o Leste. A Espanha parece ter perdido o Trem da História com a sua política neoliberal e resoluta, e o compromisso do Partido Popular com os setores mais retrógrados dos Estados Unidos. Os países europeus mais avançados pensarão em vender para Cuba a sua tecnologia de ponta em troca de obter da ilha os recursos provenientes dos novos e potenciais sócios mercantis como Estados Unidos e China.

– Cuba está dando adeus ao isolamento depois de cinco décadas?

– Cuba nunca se isolou. Ela foi bloqueada política e economicamente pelos Estados Unidos. O fim do bloqueio econômico – se, efetivamente, ele for alcançado – permitirá à Cuba ter relações normais com o resto do mundo, que era constantemente ameaçado pelos Estados Unidos. Cuba também terá de negociar com os Estados Unidos para evitar que este país use o poder de sua forte economia como arma para sufocá-la. Esta é, aparentemente, a nova estratégia presidida por Barack Obama, a Guerra Inteligente (em inglês, Smart War).

– Além da França, que outros países da Europa teriam ou têm interesse imediato em aprofundar as relações com Cuba?

– Obviamente, o primeiro país da lista é a Espanha. Da insigne nave da Marinha européia que pretendia reconquistar a América Latina (Cuba incluída) nos anos 1990, a Espanha regrediu, sem bússola, para um setor da classe política muito atrasado e sem imaginação. Esta pobreza política se complementa com a implosão do PSOE, o Partido Socialista Operário Espanhol. Uma nova força na Espanha, como o Partido Podemos, poderá criar novas possibilidades políticas? É preciso esperar para ver.

– A Rússia, como sucessora da União Soviética, é tradicional parceira de Cuba. Sob o seu ponto de vista, Sr. Marco A. Gandásegui, como a Rússia está vendo a reaproximação dos Estados Unidos e da Europa com Cuba?

– Como a China, que foi explícita em dar a conhecer a sua posição, as relações de Cuba com a Rússia darão um salto qualitativo quando os Estados Unidos puserem fim à todas as restrições financeiras e políticas que existem atualmente para terceiros países. Apesar do esfriamento das relações entre Moscou e Havana, com o fim da União Soviética, existe uma sincera amizade entre os povos russo e cubano, amizade esta forjada em quase 30 anos de colaboração mútua. Reconstruir as relações econômicas e políticas entre Rússia e Cuba, aparentemente, não será uma tarefa difícil. Devemos levar em conta que Cuba não estará negociando, na Rússia, com um governo dirigido por uma política estatal. Na atualidade, a Rússia é governada por um setor capitalista que pretende se consolidar interna e externamente. A Rússia também é pressionada pelos Estados Unidos e, em menor escala, pela Europa. A Rússia está num processo que passa por um projeto nacionalista (no âmbito interno) e internacionalista (no âmbito externo). Neste contexto, é provável que Havana e Moscou  possam se entender muito bem.
 

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