Sobre a visita de François Hollande a Cuba, a Rádio Sputnik Brasil entrevista o sociólogo e jornalista Marco A. Gandásegui, Hijo, professor da Universidade do Panamá, pesquisador do CELA (Centro de Estudos Latinoamericanos Justo Arosemena) e diretor-editor da Revista "Tareas".
A seguir, a íntegra da entrevista:
– O que representa para Cuba a visita do presidente da França, François Hollande?
– A França, como outros países capitalistas do mundo e, especialmente os da Europa, buscam novos mercados e oportunidades para investir os seus capitais. Cuba representa um mercado que, aparentemente, conseguiu romper, depois de 50 anos, o bloqueio econômico e político dos Estados Unidos. As novas circunstâncias podem representar, para Cuba, estreitar relações com a França em áreas tão importantes como a indústria espacial, as indústrias de transporte aéreo e terrestre, assim como o intercâmbio no setor farmacêutico e em outras áreas nas quais os dois países registraram avanços significativos.
– Depois dos Estados Unidos, a Europa também parece buscar uma aproximação maior com Cuba. O que isto significa para a ilha?
– A Europa e o sistema capitalista que construiu sua classe industrial e financeira – em aliança com a classe operária organizada pela social democracia – durante os últimos 50 anos, estão em meio a uma crise da qual só sairão se lograrem dar saltos qualitativos adiante. Por um lado, a Europa vê o espaço oriental que passa pela Rússia e chega à China. Por outro lado, a América Latina — e Cuba incluída – representam um mundo que os europeus vêem com muito entusiasmo. Obviamente, qualquer solução que aponte em direção a estas coordenadas globais terá de passar, primeiramente, por um pacto pelo interior da chamada “comunidade europeia”.
– Europa e Estados Unidos estariam agindo de comum acordo em relação a Cuba?
– Os grupos financeiros dos Estados Unidos têm fortes interesses em todos os países da Europa. Estes interesses são econômicos, políticos e militares. Não há dúvida de que os passos que a França pretende dar em direção a Cuba são realizados através de conversações prévias com os Estados Unidos. A França e qualquer outro país europeu. Isto não exclui a possibilidade de que a correlação de forças mude em um futuro não muito distante. A aliança norte-atlântica (que se estendeu ao Mar Mediterrâneo e, depois, para a Europa) é frágil e o capital europeu tem de defender os seus interesses. Novamente, qualquer avanço em direção à América Latina e Cuba, por parte da Europa e dos Estados Unidos, dependerá da correlação de forças no interior destes blocos.
– O que a Europa tem hoje a oferecer para Cuba e o que espera receber desse país?
– Os interesses dos capitalistas europeus são heterogêneos. Há muitos setores que possuem coisas diferentes a oferecer. A França talvez seja o mais avançado país europeu neste aspecto. A Alemanha está olhando mais para o Leste. A Espanha parece ter perdido o Trem da História com a sua política neoliberal e resoluta, e o compromisso do Partido Popular com os setores mais retrógrados dos Estados Unidos. Os países europeus mais avançados pensarão em vender para Cuba a sua tecnologia de ponta em troca de obter da ilha os recursos provenientes dos novos e potenciais sócios mercantis como Estados Unidos e China.
– Cuba está dando adeus ao isolamento depois de cinco décadas?
– Cuba nunca se isolou. Ela foi bloqueada política e economicamente pelos Estados Unidos. O fim do bloqueio econômico – se, efetivamente, ele for alcançado – permitirá à Cuba ter relações normais com o resto do mundo, que era constantemente ameaçado pelos Estados Unidos. Cuba também terá de negociar com os Estados Unidos para evitar que este país use o poder de sua forte economia como arma para sufocá-la. Esta é, aparentemente, a nova estratégia presidida por Barack Obama, a Guerra Inteligente (em inglês, Smart War).
– Além da França, que outros países da Europa teriam ou têm interesse imediato em aprofundar as relações com Cuba?
– Obviamente, o primeiro país da lista é a Espanha. Da insigne nave da Marinha européia que pretendia reconquistar a América Latina (Cuba incluída) nos anos 1990, a Espanha regrediu, sem bússola, para um setor da classe política muito atrasado e sem imaginação. Esta pobreza política se complementa com a implosão do PSOE, o Partido Socialista Operário Espanhol. Uma nova força na Espanha, como o Partido Podemos, poderá criar novas possibilidades políticas? É preciso esperar para ver.
– A Rússia, como sucessora da União Soviética, é tradicional parceira de Cuba. Sob o seu ponto de vista, Sr. Marco A. Gandásegui, como a Rússia está vendo a reaproximação dos Estados Unidos e da Europa com Cuba?
– Como a China, que foi explícita em dar a conhecer a sua posição, as relações de Cuba com a Rússia darão um salto qualitativo quando os Estados Unidos puserem fim à todas as restrições financeiras e políticas que existem atualmente para terceiros países. Apesar do esfriamento das relações entre Moscou e Havana, com o fim da União Soviética, existe uma sincera amizade entre os povos russo e cubano, amizade esta forjada em quase 30 anos de colaboração mútua. Reconstruir as relações econômicas e políticas entre Rússia e Cuba, aparentemente, não será uma tarefa difícil. Devemos levar em conta que Cuba não estará negociando, na Rússia, com um governo dirigido por uma política estatal. Na atualidade, a Rússia é governada por um setor capitalista que pretende se consolidar interna e externamente. A Rússia também é pressionada pelos Estados Unidos e, em menor escala, pela Europa. A Rússia está num processo que passa por um projeto nacionalista (no âmbito interno) e internacionalista (no âmbito externo). Neste contexto, é provável que Havana e Moscou possam se entender muito bem.