O Brasil poderia se beneficiar enormemente do embargo adotado por Moscou contra produtos alimentícios da Europa. No entanto, a exportação de produtos agrícolas do país latino-americano para a Rússia não sofreu alterações consideráveis. Por outro lado, o Brasil, que aplica uma forte política protecionista, possui interesse em tecnologia militar russa, como helicópteros, bem como em titânio, para a indústria aérea e programas espaciais conjuntos.
Ria Novosti: Podemos dizer que o Brasil se beneficiou das sanções russas aos produtos alimentícios europeus? Os produtores brasileiros têm procurado a Representação Comercial com intenção de aumentar o fornecimento de produtos agrícolas, carne e laticínios para a Rússia?
Sergey Loginov: O Brasil poderia se beneficiar enormemente das sanções adotadas. Acontece que nós não estávamos prontos para absorver as propostas formuladas pelos brasileiros no sentido de aumento brusco de exportações. Não é segredo que o gabinete do vice-ministro da Agricultura do Brasil estava repleto de produtores querendo vender queijos, manteiga e todo o espectro de produtos lácteos. Infelizmente tudo acabou em barulho, como em um navio, quando a fumaça vai para o apito, em vez de funcionar na qualidade de força de tração para as rodas de pás. Foi assim que tudo aconteceu. A Rosselkhoznadzor (Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Fitossanitária da Rússia) começou a avaliar os pedidos de exportação enviados. Até o presente momento, de uma grande quantidade de propostas por parte de empresas produtoras de queijo (tivemos problemas com importação de queijos logo após a adoção das nossas sanções), somente doze empresas entraram para a lista de certificação para exportar o seu produto.
Os mesmo problemas aconteceram com o fornecimento de frutas e carne suína. Antes da adoção das sanções, algumas empresas tiveram suas licenças de exportação suspensas por motivos sanitários. Desse modo, ficaram somente 2-3 empresas a exportar para a Rússia. Acontece que as empresas que atuam no mercado interno brasileiro possuem permissão para utilizar ractopamina, um hormônio de crescimento proibido na Rússia. Ainda bem que está proibido, aliás. Ou seja, para as empresas brasileiras exportarem carne suína para a Rússia, serão necessários oito meses só para criar um animal sem ractopamina. Aconteceu um desencontro. Podemos avaliar isso como uma triste combinação de vários fatores. Por isso, naturalmente, a exportação de produtos agrícolas do Brasil para a Rússia aumentou, mas não no nível que seria possível e que nós desejávamos.
RN: E quando falamos de exportações russas para o Brasil, quais produtos são os mais requisitados?
SG: O Brasil é um país muito complicado para exportações diretas. Eles preferem fazer tudo sozinhos. Quando você entra em um supermercado brasileiro e observa os mesmo produtos presentes nos nossos supermercados, como geladeiras, fogões, máquinas de lavar, existe uma diferença. Em todos os produtos no mercado brasileiro estará escrito que eles foram feitos no Brasil. As exportações diretas para lá são complicadas em função de grandes taxas alfandegárias e medidas protecionistas, adotadas há muito tempo. Por isso somente é possível negociar o fornecimento de produtos de alto valor agregado, com suporte de empresas mistas, com a condição de que 51% do produto final será feito no Brasil.
O Brasil está interessado em muitos produtos nossos. Por exemplo, em comprar tornos para a produção de telas de arame ou cercados gradeados, em função do crescimento da criação de gado nos estados do Sul do Brasil. Nós tentamos vender os nossos tornos, que são de altíssima qualidade, produzidos nas fábricas de Cheliabinsk e que não perdem em nada para os equivalentes alemães. Os tornos custavam US$ 9 mil. No entanto, após os procedimentos alfandegários, o valor deles no Brasil era de US$ 40 mil. O preço aumentou em quatro vezes e não era competitivo. Todavia, os brasileiros estão interessados em mercadorias que eles não produzem, o que, do ponto de vista deles, pode ser competitivo. Helicópteros, por exemplo. No momento, observamos bons avanços nas negociações para a venda de helicópteros. Seria muito positivo se conseguíssemos organizar a produção segundo o modelo da Índia. Estamos desenvolvendo, em conjunto com companhias da Índia, uma aeronave de quinta geração. Do mesmo modo, poderíamos nos unir com algumas empresas brasileiras, que estão demonstrando entusiasmo em desenvolver helicópteros de nova geração, ou um helicóptero adaptado para as necessidades brasileiras.
É um país que praticou e pratica o protecionismo, mas, por outro lado, está aberto para investimentos internos com ajuda das nossas tecnologias, das nossas soluções de engenharia, inclusive das com alto valor agregado. Não estou falando, nesse caso, de produtos que o Brasil já adquire de nós. Em geral, se trata de fertilizantes e produtos químicos.
Agora o Brasil começou a comprar titânio para sua indústria aeronáutica. Uma das maiores empresas brasileiras, a Embraer, que produz aeronaves, utiliza, como todas as outras do ramo, ligas de titânio. Essas ligas eram exportadas para os EUA, antes de chegar ao Brasil. Agora foi tomada a decisão de comprar esse produto na fonte.
RN: Até que ponto as empresas brasileiras estão prontas para participar de joint ventures em território dos nossos países?
SG: Não há muitos movimentos nesse sentido. Ainda mais quando existem indústrias no mundo que pagam US$3 por funcionário e estão dispostas a fornecer produtos por preços muito competitivos, independentemente da qualidade. É normal que muitos corram atrás de preços como esses. Mas, em geral, as empresas simplesmente esperam pela melhor oferta.
RN: As empresas brasileiras estão prontas para realizar operações de exportação e importação com empresas russas usando as moedas nacionais?
SG: Sim. E as conversas sobre isso são realizadas há muito tempo. Para realizar operações em moedas nacionais, o Brasil precisa alterar a legislação. Segundo a legislação brasileira, uma empresa não residente não pode possuir conta em moeda nacional no território do país. Quando esse tema foi levantado em 2003, o Banco Central da Rússia participou dessa discussão e houve avanços. Porém, o tema sempre esbarrou na necessidade de alterar a legislação. As boas intenções encontravam a burocracia, que, infelizmente, atrapalha.
RN: Que produtos industriais e de alta tecnologia as empresas russas podem fornecer para o Brasil?
SG: Em primeiro lugar, negociações na área de cooperação técnico-militar estão em curso. Alguns armamentos já estão sendo avaliados de modo concreto para importação. Algumas tecnologias da área de TI já tiveram sucesso, por exemplo, no setor de serviços municipalizados. Também temos o sistema Glonass, que está entrando em uma nova fase, e a Representação Comercial poderá ajudar a promover o sistema no mercado brasileiro. Há interesse por parte do Brasil. E também tem o espaço. O programa espacial brasileiro está encalhado. Eles tentaram avançar o programa com a participação da Ucrânia, mas a situação agora não está favorável. Será que conseguiremos ocupar esse nicho? Posso dizer que, ao menos da parte do Brasil, sempre houve vontade e abertura para isso. O acordo principal a ser celebrado, sobre proteção à transferência de tecnologias, foi assinado. Por isso, afinal de contas, penso que as portas estão abertas.
RN: Estariam as empresas brasileiras dispostas a investir na economia russa?
SG: A frase “investidor brasileiro” não existe. Brasileiros não fazem investimentos nunca em lugar algum, pois estão desenvolvendo a economia do país. Eu conheço projetos pontuais em conjunto com empreiteiras russas — por exemplo, a construção de hidroelétricas em Angola. De qualquer modo, é difícil chamar a isso de investimento. É um investimento rápido, para ter lucros em breve. Também temos duas companhias de processamento de carne na Rússia, que se chamam Marucia. As fábricas produzem hambúrgueres com carne brasileira. Seria difícil chamar isso de investimento.