Sputnik: A Presidenta Dilma vai se reunir com os principais líderes empresariais do país e ser recebida pelo Governo do Presidente Obama. Esta viagem deveria ter sido feita no ano passado, mas a presidente a cancelou, devido às revelações feitas por Edward Snowden, de que a chefe de Estado brasileira era espionada pela inteligência norte-americana. Qual a sua expectativa em relação à viagem da próxima semana?
Roberto Fendt: Esta visita é da maior importância. Ela, a rigor, deveria ter sido realizada por ocasião daquele evento que você mencionou, da NSA, a Agência Nacional de Segurança dos EUA, que provocou, e não poderia ser de outra forma, o cancelamento da visita. Naquela ocasião ela teria sido absolutamente improdutiva, porque haveria o pano de fundo da espionagem. Naquela ocasião também se descobriu que os americanos haviam espionado não só a nossa presidente mas também a primeira-ministra da Alemanha e diversas outras personalidades. Descobrimos agora que vários presidentes da França – os três últimos – foram objeto de espionagem. É um pouco curioso reclamar-se disso porque quem pode espiona e coleta informações. O que sempre causa um enorme mal-estar é a espionagem sobre um aliado. Isso incomoda muito. A Alemanha, particularmente, é um aliado preferencial dos EUA, e não escapou, foi espionada do mesmo jeito. Essas agências têm muita autonomia, elas não se reportam a ninguém, têm uma agenda própria, é muito difícil controlar este tipo de coisa. Mas isso são águas passadas. O que importa é que a viagem está sendo realizada agora.
S: Em termos políticos e econômicos, qual poderá ser o resultado desta viagem?
RF: Eu sinto, do lado americano, um enorme interesse na realização dessa visita. O vice-presidente dos EUA esteve aqui duas vezes, o Presidente Barack Obama esteve anteriormente aqui no Brasil, os americanos estão cada vez mais interessados em que haja este diálogo. E a nossa presidente também está percebendo a importância dessa visita. A grande dúvida é sobre os resultados concretos. Não sei que agenda poderá resultar. Geralmente, neste tipo de visita, já há um comunicado final rascunhado. Os americanos deram uma guinada importante no que diz respeito à sua posição relativamente ao meio ambiente. O Brasil é um dos grandes líderes do mundo nessa questão da defesa do meio ambiente, porque nós temos uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta. Mais da metade da nossa energia vem de fontes hídricas, uma parte delas vem do álcool, que é renovável, uma parte vem do gás da Bolívia, que é muito pouco poluente. Então, neste aspecto, o Brasil está a cavaleiro. Nos diversos fóruns internacionais, como a COP 21, que vai se realizar em Paris, o Brasil é um líder. E é um campo em que agora os EUA e o Brasil têm afinidades. Os assuntos de defesa também. Nós fazemos parte do mesmo continente, e então a defesa mútua continental é um tema permanente das nossas relações. E há muito espaço a explorar.
S: Além do meio ambiente e da defesa, que outros temas estarão na pauta?
RF: No que diz respeito aos outros temas, seria bom que nós tratássemos do marco regulatório para proteção de investimentos. Nós estamos precisando muito de recursos externos, principalmente para infraestrutura. Estamos passando por um aperto de natureza fiscal para corrigir as consequências malignas da nova matriz econômica dos últimos quatro anos. Então, é de enorme importância buscar no exterior recursos para investimentos, numa hora em que a gente não tem, e o que tem vai cortar. Na minha opinião, a coisa mais importante de tudo é que a visita vai se realizar. Esse é o grande feito. O partido da presidente é muito hostil a um relacionamento mais estreito com os EUA. Acho uma prova de coragem da presidente, a despeito da posição de seu partido, levar adiante esta visita, que para o país é da maior importância. Ela dá um primeiro passo para que mais adiante nós possamos pôr em prática algumas etapas mais concretas que aprofundem nosso relacionamento. A despeito do grande crescimento da China, os EUA continuam a ser a maior potência econômica e militar do mundo. É claro que nós devemos estar de frente com eles, com lealdade e franqueza, respeitando os interesses brasileiros.