Estávamos na época de Brezhnev, e Moscou ainda era muito cinza e fechada para o mundo ocidental.
Meus pais resolveram emigrar da URSS e viemos para o Brasil nos idos de 1977 juntamente com a minha avó paterna e meu tio. À época, apesar de amarem a sua pátria, queriam ter mais liberdade e jamais poderiam ter imaginado o que viria a acontecer na década seguinte com a Perestroika e a evolução que a sucedeu.
Retornei a Moscou pela primeira vez em 1990, com 18 anos recém- completos. O Muro de Berlim, símbolo da Cortina de Ferro, recém acabara de ser derrubado. Redescobri a minha querida cidade natal e pude perceber que testemunhava o início de um processo de mudanças profundas. Nesta época havia ainda apenas um canal de TV, o estatal, e ele funcionava até a meia-noite apenas, o que me chamou bastante a atenção. O hotel em que fiquei era enorme, o famoso Cosmos, seu controle de entradas e saídas era feito em cada andar por senhoras sérias e opulentas mediante uma pequena caderneta escrita a mão que cada hóspede tinha que carregar sempre consigo como identificação, dentro e fora do hotel.
A cidade, timidamente, começava a acordar para o mundo. Era o início da abertura, praticamente ainda não existiam marcas e lojas estrangeiras, havia pouquíssima sofisticação, os produtos eram muito baratos, porém a qualidade e variedade deixavam muito a desejar. As crianças e jovens eram loucos por chicletes, tênis e jeans importados, artigos inacessíveis para eles na época. Os carros eram todos de estilo soviético, muito duros na direção e feios. Com o aumento da demanda, não acompanhado inicialmente pela oferta, começaram a surgir as famosas filas por produtos do início dos anos 90. Fui ao TSUM, grande e famosa loja na ulitza (rua) Petrovka em frente ao Teatro Bolshoi. Uma experiência surreal, estava lotado de gente, pouquíssimos produtos e variedade de fabricação local apenas, não tinha ar condicionado e o ambiente interno era muito simples e tosco. Pensei comigo mesmo e guardei na memória aquele momento, tinha a certeza de que nunca mais iria presenciar aquela cena, um dos locais mais nobres da cidade certamente iria mudar em breve (e mudou, hoje é um dos shoppings mais elegantes e caros da cidade, com todas as grifes europeias).
Havia também distorções curiosas e nichos de prosperidade nas lojas conhecidas como Beriozkas, onde se podia encontrar de quase tudo, porém elas eram poucas e somente acessíveis aos estrangeiros que pagavam em dólar. Também eram dignos de nota alguns restaurantes de hotéis, serviam de tudo e eram incrivelmente baratos para os padrões ocidentais. Lembro de um jantar para quatro pessoas que me custou apenas US$ 20, com direito a champagne russo. Naquele mesmo ano foi inaugurado o primeiro McDonald's de Moscou (à época o maior do mundo), tinha filas literalmente quilométricas. Importante lembrar que na época tudo ainda era estatal.
Do ponto de vista cultural, a cidade sempre foi e será fascinante e exuberante com os seus museus, teatros, galerias e estações de metrô. A Praça Vermelha, um espetáculo de história, força e beleza atemporal. Impossível de estar lá e não ser tocado pela sua magia e energia.
Entre 1995 e 1998 tive a oportunidade de voltar a Moscou várias vezes. Conforme pressentia, a evolução foi simplesmente inacreditável! Em poucos anos o cinza da cidade deu lugar a cores vivas e vibrantes, a cidade recebeu em muito pouco tempo gigantescos investimentos para aprimorar e evoluir a sua infraestrutura e seus serviços. As fachadas dos prédios antigos foram reformadas pela cidade inteira, lojas e marcas estrangeiras de todos os tipos e variedades avançavam a olhos vistos em substituição às antigas lojas de produtos locais standard, restaurantes afloravam pela cidade toda, não havia mais filas e podia-se comprar qualquer coisa, de uma calça jeans a um Rolls Royce. Na época o jogo era liberado em Moscou, que ganhou mais de 150 casinos que faziam o seu show à parte.
A sensação que se tinha na cidade em 95/96 era "that's the place to be!". Tudo estava acontecendo lá, sentia-se uma economia crescente e pulsante (após os anos de queda do PIB do final da década de 80), o mercado de ações efervescente após o maior programa de privatização da história (privatizou-se quase tudo, desde o cabeleireiro até a companhia telefônica), a confiança estava em alta com a reeleição do Presidente Yeltsin. Eu tinha consciência de que as mudanças viriam, mas mesmo assim me impressionei com a sua velocidade e qualidade!
Mês passado (junho/15) voltei de mais uma viagem a Moscou. Desta vez ela teve um sabor especial, levei meu filho Victor de 4 anos para conhecer a cidade em que seu pai nasceu. Nada melhor que coincidir este momento com a comemoração histórica dos 70 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial. Esta data tem uma importância ímpar para toda a humanidade e em particular para o povo russo. Meu pai comemora o 9 de Maio com seus amigos desde os seus tempos de faculdade!
A minha programação nesta viagem foi diferente, pois estava com o meu filho de 4 anos e tínhamos que buscar atividades que lhe fossem condizentes. Inicialmente estava preocupado, pois não sabia se a cidade seria "kids friendly". Qual foi a minha surpresa quando descobri uma nova e maravilhosa face da cidade, Moscou para crianças!
Logo no primeiro dia em que chegamos, fomos ao recém-reinaugurado Detskiy Mir (Mundo da Criança) bem no centro de Moscou. Trata-se de um suntuoso shopping numa construção de estilo clássico com pé-direito gigante dedicado 100% às crianças. Tem lojas de todos os tipos, brinquedos, roupas, atrações infantis, restaurantes e shows. Uma alegria só! Meu filho, quando entrou, ficou tão fascinado que não queria mais sair de lá.
Os parques públicos de Moscou são uma atração especial e sem igual entre todas as cidades que já visitei. Destaco 3 deles: o Parque Gorkiy, maravilhoso às margens do rio Moskva, com área verde fantástica, restaurantes bons, aluguel de bicicletas de todos os tipos. Você entra e fica absolutamente encantado, não dá vontade de sair mais, adultos e crianças caminhando, andando de patins, de patinete, de bicicleta… todo mundo sorridente, feliz, se comportando bem e em harmonia com a natureza e com a vida. Fizemos e repetimos com o Victor um passeio na bicicleta dupla pedalando mais de 5km pela margem do rio, paramos para comer em um dos restaurantes pedindo Kotlety com purê (bolinho de carne ótimo para crianças), depois tomamos sorvete Eskimo russo em um dos muitos pontos de venda, assistimos ao show de dança ao ar livre onde qualquer um pode entrar e dançar e finalmente atravessamos uma das pontes de pedestres (linda!) para voltar ao outro lado do rio Moskva. Um programa inesquecível!
O segundo parque que me chamou a atenção é o VDNKH, um lugar magnífico com vários chafarizes dignos dos melhores de Paris e Roma, e pavilhões de países da ex-URSS. O lugar é simplesmente fantástico para um passeio com crianças, o parque, apesar de gigantesco, tem música ambiente em todos os pontos e é limpíssimo. Além de contar com um parque de diversões anexo e um museu aeroespacial.
O terceiro parque, o menor e mais aconchegante de todos, chama-se Ermitage e fica bem no centro de Moscou, um lugar lindo também com música ambiente, restaurante ótimo, cinema ao ar livre e puffs "almofadões" espalhados para as pessoas sentarem, lerem e descansarem na grama. Meu filho adorou a parte dos brinquedos ao ar livre, todos muito originais, confortáveis e extremamente bem cuidados para que as crianças possam brincar com segurança e conforto (muito, mas muito superior ao que temos nas praças públicas e parques no Brasil, em sua maioria deteriorados e mal cuidados).
Os diversos shoppings espalhados por Moscou, como o Rio, Aeropark, Crocus City, entre outros, também são uma ótima atração para as crianças.
Um dos circos de Moscou, o Circo do Nikulin, é um show memorável e inesquecível para adultos e crianças, o ponto alto do espetáculo é a parte dos animais adestrados, nunca vimos tanta variedade e complexidade de apresentações. O cantinho do vovô Durov também oferece um espetáculo só com animais para o público infantil que é imperdível.
Ao final de tantas atrações e farras, o meu filho me disse "papai, podemos morar aqui?". Senti que o meu dever estava cumprido e fiquei feliz e orgulhoso com a minha cidade natal.
Moscou é a prova viva do que se pode fazer com uma cidade quando temos um povo consciente e educado e um governo capaz e diligente. Nestes últimos 15 anos as mudanças iniciadas nos anos 90 se sedimentaram com muito zelo, transformando Moscou numa cidade cosmopolita, linda, interessante, bem cuidada e com excelente qualidade de vida. Tenho muito orgulho de ter nascido lá!
Moscou, uma cidade fascinante!