A seguir, a entrevista com o Ministro Mauro Vieira.
Sputnik: Em junho, a Presidenta Dilma Rousseff foi aos Estados Unidos; agora, está na Rússia, para a Cúpula do BRICS. Quais são as prioridades da política exterior brasileira?
Mauro Vieira: A política externa é um instrumento para a promoção do desenvolvimento do Brasil. No plano regional, buscamos promover a paz e a cooperação. Temos avançado muito nesse campo e contamos hoje com importantes foros de diálogo. Hoje os países de nossa região convergem na defesa da democracia, no combate às desigualdades e na busca de maior integração física e de infraestrutura. Construímos também um importante espaço de integração econômico-comercial.
O fato de promovermos a paz em nossa região reforça as credenciais de nossa atuação global. O Brasil defende uma ordem internacional menos assimétrica, em que os países em desenvolvimento tenham maior participação nos processos decisórios. Essa meta é compartilhada pelos parceiros do BRICS, com os quais temos trabalhado para promover uma reforma efetiva das estruturas de governança global. Sustentamos também ser imperativa uma revalorização da diplomacia como meio de solução de conflitos. O recurso frequente à força e a sanções têm contribuído muitas vezes para agravar conflitos e fragilizar o multilateralismo.
Desejamos que o tema do desenvolvimento – em seus pilares econômico, social e ambiental – ocupe posição central na agenda internacional. A erradicação da pobreza em escala global ainda é o grande desafio que temos de enfrentar, e para isso devemos buscar um comércio mais justo e equilibrado e um financiamento adequado para as necessidades dos países em desenvolvimento. Não é aceitável que milhões de pessoas ainda sofram com a exclusão e a falta de oportunidades. Não é por acaso que o Brasil prioriza a educação e a ciência, tecnologia e inovação: queremos preparar as novas gerações para o futuro, e a diversificação de nossas parcerias com países desenvolvidos e em desenvolvimento é um importante instrumento para atingirmos essa meta.
S: Desde o Governo do Presidente Lula o Brasil postula seu ingresso como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Este pleito permanece no Governo Dilma Rousseff?
MV: A defesa de uma reforma efetiva do CSNU é um traço constante da política externa do Brasil e não está associado a um governo específico. O Brasil almeja uma reforma que contemple a criação de novos assentos permanentes e não permanentes e um aprimoramento nos métodos de trabalho do órgão, entre outros aspectos de seu funcionamento.
No momento em que celebramos o aniversário de 70 anos das Nações Unidas, a reforma do Conselho se apresenta como uma necessidade ineludível para adequar a composição do órgão à realidade contemporânea e para preservar a credibilidade e a capacidade de funcionamento da Organização no campo da paz e da segurança internacional.
Cabe lembrar que, quando de sua criação, a ONU contava com 51 Estados-membros. Hoje 193 países a integram. A despeito disso, o CSNU ainda reflete o cenário geopolítico e econômico de 1945, e regiões inteiras, como a América Latina e a África, não contam com nenhum assento permanente.
O Brasil é um candidato natural a ocupar um dos novos assentos permanentes num Conselho reformado. Somos, ao lado do Japão, o país que foi eleito mais vezes (10) para um assento não permanente. Continuamos, com os nossos parceiros do G-4 (Alemanha, Índia e Japão), plenamente engajados nas negociações intergovernamentais em curso no âmbito da Assembleia Geral.
S: Ainda sobre o Conselho de Segurança: Há mais de 20 anos está na pauta da Assembleia-Geral das Nações Unidas o tema da reforma do CSNU, incluindo o número de seus membros. O que o Sr. Ministro pensa da necessidade de reforma da ONU e particularmente do aumento do número de membros do Conselho? Seu colega russo Sergei Lavrov pensa que este número deve ser em torno de 20 membros.
MV: Como já assinalei, é cada vez mais clara a necessidade de se proceder a uma reforma do CSNU, inclusive no tocante à ampliação de sua composição. Creio que não se deve avaliar a eficiência de um CSNU reformado com base exclusivamente no número de membros que venham a integrá-lo; afinal, o órgão sofre hoje de inegável paralisia e imobilismo e se demonstra incapaz de dar encaminhamento aos principais problemas da agenda internacional de paz e segurança, apesar de sua composição restrita. Esta combinação de falta de representatividade, transparência e eficácia corrói a própria legitimidade do CSNU, com danos sensíveis ao multilateralismo.
Penso que o CSNU teria muito a ganhar, em especial, com a entrada de novos membros permanentes com real capacidade de contribuir positivamente para a busca de consensos no âmbito do Conselho de Segurança. O Brasil, que mantém diálogo denso e maduro com todos os P-5 e com outros países importantes para a agenda de paz e segurança internacional, estaria plenamente capacitado a contribuir para esses esforços. Temos experiência comprovada em temas relativos à paz e à segurança internacionais, haja vista nossa atuação como membro não permanente em 10 mandatos e nosso importante papel em operações de manutenção da paz.
S: Há mais de um ano a Rússia é obrigada a enfrentar uma guerra de informações imprecisas sobre seu país. Lamentavelmente, a grande mídia brasileira tem participação nesse processo. O importante Fórum Interparlamentar do BRICS, por exemplo, foi inteiramente ignorado pela mídia do Brasil. O que o Ministério das Relações Exteriores do Governo brasileiro poderia fazer para levar ao público opiniões alternativas e esclarecedoras?
MV: A margem de atuação do MRE para pautar e direcionar o conteúdo dos veículos de imprensa brasileiros é limitada por ser a imprensa brasileira majoritariamente privada e, portanto, autônoma na determinação de seus conteúdos. No entanto, o Governo brasileiro tem sido bastante ativo e claro em suas manifestações públicas em defesa do diálogo e da diplomacia e contra o recurso frequente a sanções, especialmente aquelas que fogem do quadro multilateral. Essas manifestações oficiais e as manifestações do BRICS têm repercussões públicas e costumam ser divulgadas pela imprensa pública e privada no Brasil.
S: Já há mais de um ano a Rússia é objeto de sanções. Qual a posição do Brasil a esse respeito?
MV: O Brasil não reconhece, por princípio, sanções adotadas fora do marco da Organização das Nações Unidas. Esse é um corolário de nossa tradicional defesa do multilateralismo e de respeito ao Direito Internacional. Consideramos que as sanções unilaterais são instrumentos de legitimidade e eficácia discutíveis, por isso, não as reconhecemos, nem as apoiamos. Esse princípio aplica-se às sanções e contrassanções impostas unilateralmente por qualquer dos lados. As sanções não contribuem para a construção de confiança entre as partes para uma solução política e pacífica e impedem a retomada do crescimento econômico na região. Devemos sempre que possível privilegiar o diálogo político e a diplomacia como principais instrumentos para a superação de diferenças, pois é a maneira mais eficaz e menos custosa de solução dos conflitos.
S: O comércio bilateral Brasil-Rússia está em torno de US$ 7,5 a 8 bilhões. Que medidas o Brasil pretende tomar para que se atinja a meta dos US$ 10 bilhões ao ano?
MV: O Brasil atua em diversas frentes para ampliar o comércio bilateral com a Rússia e atingir a meta de US$ 10 bilhões ao ano, estabelecida pelos Governos dos dois países. Na área de Promoção Comercial, o Itamaraty atua, tradicionalmente, na organização de missões empresariais, na participação em feiras, na prospecção de mercados, na realização de estudos e no apoio a empresários brasileiros e russos que tencionam contribuir para o incremento do intercâmbio entre Brasil e Rússia.
Neste ano, apoiamos a participação brasileira nas principais feiras realizadas na Rússia, como a Prodexpo e a World Food. Participamos, também, da mostra MITT, importante feira do setor de turismo. Estamos elaborando um estudo sobre as condições de acesso a mercados de produtos brasileiros à Rússia, de modo a identificar eventuais óbices para o melhor fluxo comercial entre os dois países. Devem ser organizadas também missões empresariais no âmbito de visitas de autoridades brasileiras à Rússia ainda este ano.
Esperamos, ademais, que evoluam as discussões ora em curso entre o Mercosul e a União Eurasiática, o que poderia nos levar a um futuro acordo que amplie os fluxos comerciais entre os dois blocos.
S: Em que áreas os projetos entre Brasil e Rússia mais têm chance de prosperar?
MV: Brasil e Rússia mantêm, desde 2002, parceria estratégica de densidade crescente, como atestam as frequentes visitas recíprocas de alto nível. No campo político, a Comissão de Alto Nível Brasil-Rússia (CAN) e a Comissão Intergovernamental de Cooperação (CIC), que se realizarão em Moscou no próximo mês de setembro, estruturam o relacionamento bilateral. Debatemos, nessas instâncias, a elaboração e a implementação de projetos bilaterais em diferentes áreas, como comércio, investimentos, defesa, energia, cooperação espacial, educacional, cultural e esportiva.
O comércio bilateral cresceu 88,1% entre 2005 e 2014. Nosso desafio é continuar trabalhando para diversificar e ampliar nossa pauta comercial. Acreditamos que empresas russas possam participar ativamente do novo Programa de Investimentos em Logística, principalmente nos setores de portos e ferrovias, em que a Rússia é bastante competitiva. Nosso diálogo em defesa já resultou na aquisição brasileira de helicópteros MI-35, bem como nas negociações em curso para a compra de unidades do sistema de defesa antiaérea russo Pantsir S1, com transferência de tecnologia ao lado brasileiro.
A cooperação na área energética é muito promissora. Tanto a Gazprom quanto a Rosneft, que atua na exploração de hidrocarbonetos na Bacia do Rio Solimões, já operam no Brasil. Destaco a recente abertura de escritório da Rosatom no Brasil, o que abre perspectivas interessantes de maior cooperação bilateral em usos pacíficos de energia nuclear. Na área educacional, assinou-se, em 2013, acordo para a participação da Rússia no Programa Ciência sem Fronteiras. Destaco, na cooperação cultural, a bem-sucedida experiência de instalação, em Joinville, da única filial da Escola do Balé Bolshoi fora da Rússia, que completou 15 anos em março último.
Há uma interessante coincidência de megaeventos esportivos no Brasil e na Rússia, o que nos tem propiciado avançar no diálogo relativo à organização e ao legado das Copas do Mundo FIFA 2014 e 2018, assim como dos Jogos Olímpicos de Sochi e do Rio de Janeiro. Existem, portanto, múltiplas oportunidades de progresso em variados setores.
S: O Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo Contingente de Reservas do BRICS já foram aprovados pelo Congresso Nacional. O que se pode esperar do bloco BRICS a partir da Reunião de Cúpula de julho, em Ufá, na Rússia?
MV: Uma vez concluído o processo de ratificação do acordo de criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), caberá agora finalizar os trabalhos para sua operacionalização. Estamos empenhados para que as operações de empréstimo do NBD comecem a ser realizadas no início de 2016. O NBD, como se recorda, financiará projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, nos BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento, e será aberto, oportunamente, para adesão a todos os membros das Nações Unidas. Nessa fase inicial, espera-se que o NBD busque, em princípio, delinear sua forma de atuação, desenvolver expertise técnica e consolidar sua classificação de risco de crédito, bem como capitalizar-se adequadamente para assumir projetos de maior vulto.
O Arranjo Contingente de Reservas já foi ratificado por todos os países e entra em vigor em 30 de julho, quando já estará plenamente operacional.
Além da implementação desses dois mecanismos, o BRICS dará continuidade à sua coordenação em foros multilaterais, tais como no G20, e a seu diálogo sobre as principais questões da agenda econômica e política internacional.
O BRICS segue empenhado na promoção da reforma de instituições de governança internacional, como o FMI e o Banco Mundial, de forma a torná-las mais representativas e eficazes. A vertente de cooperação intra-BRICS também segue se aprofundando, como é exemplificado pelo documento "Estratégia para uma Parceria Econômica do BRICS", a ser adotado na Cúpula de Ufá. Trata-se de um roteiro ou "mapa do caminho" que compila atividades prioritárias em áreas diversas afeitas às relações econômicas intra-BRICS, com vistas a contribuir para elevar nossa cooperação a um novo patamar.