A seguir, a entrevista com o especialista.
Sputnik: Um dos pontos de maior destaque na nota final da Cúpula de Ufá é a disposição dos cinco países BRICS de utilizar as moedas nacionais nas transações comerciais recíprocas. Como o senhor vê esta intenção?
Roberto Fendt: Esta resolução tem um caráter prático – o fato de que não há nenhum impedimento de que os países usem suas próprias moedas, uma vez que, havendo comércio, o país que tenha um saldo credor pode usar este saldo na moeda do outro país-membro do BRICS para fazer compras naquele outro país.
S: Existem obstáculos a essas operações?
RF: O que vejo como um limitador importante é o fato de que, no âmbito dos países BRICS, o volume de comércio é muito expressivo entre Brasil e China, e acredito que em pouco tempo haverá também um fluxo muito grande de comércio entre Rússia e China. Mas, por exemplo, entre Brasil e África do Sul, o volume ainda é pequeno. Onde houver saldos, será um complicador para o país credor acumular reservas da moeda do devedor. Isso já aconteceu com o Brasil na época em que nosso país tinha comércio com os países da Europa Oriental (não a Rússia) e esses países tinham grandes dificuldades de obter moeda estrangeira conversível – o dólar, a libra, o marco, o franco francês e o franco suíço –, e o Brasil foi acumulando saldos. No caso dos países BRICS, eu não creio que isso seja um problema. Porque, se de fato todos os países do bloco aceitarem formalmente o sistema, num saldo, por exemplo, da Rússia com a África do Sul, o rand sul-africano poderá ser usado para pagar importações da Rússia com o Brasil e o Brasil poderá usar estes rands para pagar alguma compra feita à China. Se isso acontecer, penso que será realmente um mecanismo interessante e que permitirá que as reservas em moedas conversíveis desses países sejam utilizadas para assegurar tranquilidade nos balanços de pagamentos de todos eles.
S: O uso de moedas nacionais dos BRICS substitui o dólar. Os países do bloco ganham ou perdem com esse processo?
RF: Não perdem nada. Não há nada a perder. Pelo contrário. Ao guardar nas suas reservas internacionais o dólar, o euro e outras moedas conversíveis, elas ficam congeladas nas reservas internacionais do país, para fazer face a qualquer necessidade de financiamento da balança de pagamentos.