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Declaração de Ufá mostra expansão da agenda do bloco BRICS

© brics2015.ru / Divulgação / Acessar o banco de imagensSétima cúpula do BRICS, em Ufá, na Rússia
Sétima cúpula do BRICS, em Ufá, na Rússia - Sputnik Brasil
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A Declaração de Ufá, divulgada ao fim da reunião da Cúpula do BRICS, nesta semana, relaciona em seus 77 itens todos os temas tratados pelas delegações chefiadas pelos chefes de Estado e de Governo dos cinco países do bloco. O Professor Fabiano Mielniczuk analisa os pontos da declaração, com exclusividade para a Sputnik Brasil.

Logo da cúpula dos BRICS - Sputnik Brasil
Governo brasileiro divulga documento final da cúpula dos BRICS em Ufá
Fabiano Mielniczuk é diretor do Instituto Audiplo, de preparação para os candidatos ao curso formação da diplomacia brasileira, e ex-coordenador do BRICS Policy Center, da Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ele foi palestrante no evento BRICS Civil, realizado em Moscou às vésperas da Cúpula de Ufá.

A seguir, a entrevista com o Professor Mielniczuk.

 

Sputnik: Dos temas aprovados pelos chefes de Estado e Governo dos países BRICS reunidos na Cúpula de Ufá, quais os aspectos que devem ser salientados?

Fabiano Mielniczuk: Foi publicado o documento final, a Declaração de Ufá, que servirá como uma espécie de guia para as atividades a ser desenvolvidas por todos os partícipes deste processo em construção que é o agrupamento conhecido como BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O documento de Ufá tem 77 pontos. Isso representa um aumento de 5 pontos em comparação ao que foi lançado em Fortaleza no ano passado. No primeiro encontro do BRICS, em 2009, em Ekaterinburgo, o documento final tinha 16 pontos. Isso demonstra que nestes últimos sete anos – esta foi a 7.ª Cúpula do BRICS – eles aumentaram muito a quantidade de temas que tratam no encontro e mudaram bastante a visão, que era especificamente voltada para temas econômicos e atualmente já são incorporados temas de segurança, políticos, tecnológicos, de educação, de cultura e assim por diante. A primeira coisa que me chama a atenção no documento é que o processo de expansão da agenda do BRICS continua aumentando em comparação aos outros encontros.

Outro ponto bastante interessante foi a manutenção de uma referência explícita à crise da Ucrânia. Num dos pontos da Declaração de Ufá os BRICS se manifestam contrários à situação que está sendo construída, que está se vivendo na Ucrânia. Eles defendem a resolução pacífica do conflito, e não uma resolução que recorra à violência. Remetem aos Acordos de Minsk e pedem a implementação desses acordos que foram negociados na capital da Bielorrússia e que estabeleceram que a Ucrânia deveria ter um processo de negociação política e constituição de uma Federação Ucraniana dando mais autonomia às regiões do Leste do país que estão em guerra contra o governo central. Vários analistas que estavam avaliando o encontro de Ufá não acreditavam que um tema tão sensível poderia voltar à pauta, e ele volta com bastante clareza no sentido de que os países do BRICS, a Rússia inclusive, são países que querem que o que foi definido em Minsk seja levado a cabo pelas partes em conflito na Ucrânia.

Outro aspecto bastante interessante do documento: há uma condenação explícita à não ratificação, por parte do Governo dos EUA, das reformas do FMI – Fundo Monetário Internacional, que foram aprovadas em 2010 e até hoje o Congresso americano não aprovou. Essas reformas redistribuem o poder de voto dos países-membros do FMI e dão mais poder aos países em desenvolvimento em relação ao poder de voto dos países desenvolvidos. Quem ganha com essa reforma são Brasil, Rússia, Índia e China, principalmente, e até hoje ela não entrou em vigor porque vários países do Fundo não a ratificaram, inclusive os EUA, que são o maior cotista do FMI. Houve uma menção explícita aos EUA e à sua falta de vontade política em cumprir o que haviam combinado e se comprometido em 2010 quando o Board of Governors, órgão que administra o FMI, aprovou isso numa decisão que foi aceita por todos os membros do Fundo.

Outro aspecto na seara da economia política internacional vem mencionando explicitamente os EUA como não contribuindo para o desenvolvimento de maior poder de voto dos países no FMI. Esses são aspectos econômicos da cooperação dentro do bloco do BRICS. É feita menção ao funcionamento do Banco do BRICS, ao Arranjo Contingente de Reservas, que foi aprovado no encontro anterior, em Fortaleza, e que já começa a ser operacional porque já foi ratificado por todos os países BRICS. E, caso eles enfrentem problemas econômicos, podem recorrer a esse Fundo para garantir a estabilidade macroeconômica. É mais ou menos o que o FMI fazia, os BRICS estão fazendo entre si.

Há mais uma série de menções específicas ao funcionamento de toda estrutura que gira em torno do encontro de cúpulas que envolvem os encontros de acadêmicos, que eles chamam de encontro dos think tanks do BRICS, o encontro do conselho de negócios, o Business Council, que envolve também a sociedade civil, e assim por diante. Foi um encontro bastante proveitoso para os países BRICS.

S: O que foi tratado sobre segurança internacional?

FM: Com relação ao quesito segurança internacional, nós estamos no ano da celebração dos 70 anos das Nações Unidas. Além de reforçar a importância de se considerar a estrutura da ONU e principalmente o Conselho de Segurança das Nações Unidas como órgão máximo para estabelecer o que pode e o que não pode na seara da segurança internacional, existem vários pontos na Declaração de Ufá que mencionam a crise no Iraque, na Síria, na Líbia, o combate ao terrorismo, ao narcotráfico, à corrupção. Há até uma iniciativa dos países BRICS para combater a corrupção.

Como já mencionado, os BRICS estão crescendo muito em termos de abrangência dos temas tratados e também em termos da própria profundidade do tratamento conferido a esses temas. É importante ler o documento tendo em vista a perspectiva de um grupo em evolução e que cada vez mais tende à institucionalização e à tomada de posições comuns no cenário internacional, principalmente numa conjuntura de crise econômica internacional.

S: Esta é a melhor resposta que os cinco governantes deram àqueles que dizem que o BRICS não faz sentido porque os seus componentes têm interesses díspares, e no entanto são capazes de produzir um documento tão vasto e tão amplo quanto esta Declaração de Ufá.

FM: Temos que pensar nos interesses que estão por trás das leituras oferecidas sobre um agrupamento como o BRICS. Vários países ocidentais, inclusive órgãos de imprensa associados a países ocidentais, têm uma agenda de ver com uma certa negatividade e pessimismo a emergência de um grupo que em última instância, se não representa o confronto contra os países que até hoje ocupam os lugares mais proeminentes da política internacional, pelo menos representam uma alternativa.

Está muito claro para todos que o Banco do BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas são alternativas que os BRICS estão apresentando em função da falta de capacidade do FMI e do Banco Mundial de dar conta dos problemas relacionados ao desenvolvimento econômico e à concentração de renda no mundo e à pobreza que se espalhou por vários países nestes últimos 20 anos. A função do Banco do BRICS é privilegiar investimentos em infraestrutura, e quando falamos em desenvolvimento temos que lembrar que é desenvolvimento sustentável. O conceito que se trabalha nas relações internacionais é um conceito definido nas conferências sobre desenvolvimento sustentável das Nações Unidas – a última delas foi a Rio+20, em 2012 – e que tem três dimensões: econômica, social e ambiental. Se nós pensarmos apenas nas instituições econômicas internacionais tradicionais como o FMI e o Banco Mundial, a ênfase que eles dão é econômica, voltada para um ideário liberal, que beneficia interesses associados a essas economias industrializadas. Com o passar dos anos, tanto o FMI quanto o Banco Mundial foram adotando práticas e salvaguardas aos empréstimos que eles conferiam e que em alguns casos incluíram, inclusive, questões ambientais. Mas é diferente acrescentar uma salvaguarda do que conceder que desenvolvimento econômico só é possível se forem observadas questões ambientais e questões sociais. Não adianta mais, no mundo de hoje, e isso é uma concepção que os BRICS compartilham e que tentam promover no mundo, gerar riqueza para concentrar renda. Temos que gerar riqueza para distribuir renda para que todos ganhem com isso. E é nesse sentido que o Banco do BRICS se oferece como alternativa para financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável para os países BRICS e também para os países mais pobres que não queiram tomar empréstimos do FMI e do Banco Mundial, e não querem se submeter às condicionalidades que são impostas por esses países.

A situação da Grécia, que envolve um país-membro da União Europeia e que está em constante briga com essas instituições, demonstra que essas instituições falharam no propósito que elas tinham, e então os BRICS surgem como alternativa. Mesmo sem serem países que se colocam numa rota de colisão em confronto com as principais economias estabelecidas, existem muitos interesses em desqualificar a iniciativa do BRICS.

Há na imprensa brasileira uma série de notas bastante pejorativas em relação à organização da Cúpula do BRICS, à cidade de Ufá, ao modo como os russos estão vendo isso, quando na verdade, para os russos, isso está sendo muito bom, pois eles estão conseguindo demonstrar, numa conjuntura internacional negativa, uma conjuntura de sanções econômicas contra a Rússia e de condenação do Ocidente em relação à Rússia, que continua sendo um país importante e que conta com importantes aliados no cenário internacional. Nada mais, nada menos, que 43% da população mundial se nós considerarmos o BRICS em sua totalidade em termos de população.

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