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Cúpula do Mercosul reforçou governos progressistas do bloco contra ameaças externas

© Roberto Stuckert Filho/ PRPresidentes dos países membros do Mercosul
Presidentes dos países membros do Mercosul - Sputnik Brasil
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O especialista João Cláudio Pitillo, da UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, comenta os temas abordados na 48.ª Conferência de Cúpula dos Países do Mercosul, realizada em Brasília, na última semana.

Com exclusividade para a Sputnik Brasil, ele destaca, em particular, os riscos que correm os governos progressistas de países como Equador, Brasil, Venezuela, Uruguai, Argentina e Bolívia, e lembra as ações da famigerada Operação Condor.

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S: Quais os aspectos que o senhor destaca deste encontro dos países do Mercosul?

João Cláudio Pitillo: Contra tudo e contra todos, o Mercosul tem se desenvolvido. O início do Mercosul foi nebuloso, ele patinou, mas nos últimos 10 anos tomou um vigor muito grande. O Mercosul foi o grande contraponto àquela história da ALCA – Associação de Livre Comércio das Américas, daquele grande monstro, daquele grande pacto que os Estados Unidos tentaram enfiar goela abaixo da América Latina. Era um pacto em que a gente entrava com o pescoço e os EUA com a corda. Esta Cúpula do Mercosul teve um valor estratégico. Primeiro, porque o Brasil está sofrendo uma crise econômica e percebe que estreitando os laços como nossos vizinhos, com nossos hermanos, essa crise pode ser atenuada. A necessidade de que economias como Bolívia, Paraguai e Venezuela se desenvolvam e cheguem a um patamar bem próximo da economia brasileira, num processo de industrialização semelhante ao de Brasil e Argentina, também foi discutido nesse encontro. Isso aumenta o nosso poder de troca e faz com que as balanças comerciais desses países fiquem mais positivas para o Sul e menos negativas para o Norte. Outro detalhe importante do encontro foi terem apontado os 40 anos da Operação Condor. Essa referência no encontro do Mercosul marca uma posição muito importante porque diz que os países da América do Sul não vão aceitar mais esse tipo de ação planejada a partir de Washington para intervir aqui na nossa política. A Operação Condor teve seu artífice, seu arcabouço vindo dos EUA, e quando hoje os países do Mercosul reconhecem que ela existiu, os países do Cone Sul reconhecem que ela de fato foi uma operação clandestina, de sequestro, morte e assassinato de opositores políticos das ditaduras, isso tem um peso muito grande porque aponta para uma possível punição. Nós sabemos que o Brasil é o país que está mais atrasado nesta discussão, porém só em ter reconhecido e discutido, isso foi muito importante. É uma coisa que os governos se negaram a fazer durante muito tempo. O período da redemocratização foi cheio de muito tato, e os governos que entraram em voga após o fim da ditadura não queriam tocar no assunto. Isso ser discutido no Mercosul foi muito importante.

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S: Os governos progressistas de Rafael Correa, no Equador, Dilma Rousseff, no Brasil, Nicolás Maduro, na Venezuela, Tabaré Vázquez, no Uruguai, Cristina Kirchner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, têm por que se sentir ameaçados por ações desestabilizadoras vindas do exterior?

JCP: Claro, sem dúvida. Enquanto os EUA e a Comunidade Europeia tiverem como princípio político econômico o imperialismo, todo cidadão do planeta tem que se sentir ameaçado, porque quando se contrariam interesses econômicos poderosos, se entra na mira desse canhão. Nós estamos vendo o que está acontecendo no Oriente Médio, vimos o que foi esse embuste, essa mentira criada pelos países imperialistas, o esquema Primavera Árabe, que só serviu para trazer guerra e desgraça. Eles têm um poder midiático muito grande – tachar tudo aquilo que não coaduna com eles de ditadores, estados ditatoriais, governos repressivos. Eles usam esse jogo de palavras e querem impor a democracia liberal como único projeto político viável. A democracia liberal, esse esquema liberal estadunidense. Isso parece ser um consenso, um padrão que foi adotado, qualquer um que fuja a essa regra está ameaçado. A América Latina, em particular, por suas riquezas naturais, está no foco número um. Na América Latina não podemos dizer que temos democracias consolidadas, longe disso. Nós vimos os golpes brancos em Honduras e no Paraguai, nós vemos em todo momento a direita reacionária na América Latina saudosista, clamando por golpes militares, por ditaduras, pedindo a presença dos militares torturadores de volta aos governos como se fosse uma antítese às crises econômicas geradas pelo capitalismo ocidental. É bom notar que o Brasil hoje está atravessando um momento de crise, mas o Brasil sempre esteve em crise, o Brasil tem 500 anos de crise. Desde a chegada do europeu nesta porção continental de terra existe crise, existe desigualdade. O que vem atrás dessa crise é a imposição de governos servis ao consenso de Washington. Os Presidentes Rafael Correa e Nicolás Maduro correm sério risco, e as Presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, que não estão em um grau de contradição tão grande quanto aqueles outros presidentes, também correm riscos, porque elas são difamadas e caluniadas 24 horas por dia. Não que não tenham que ser criticadas. Ambos os governos deixam muito a desejar no âmbito popular e classista, mas a crítica que sofrem, engendrada pelo imperialismo, é uma crítica voraz e mentirosa, com conteúdo não de resolver os problemas dos países, mas, sim, colocá-los de volta ao esquema servil (vou usar a palavra deles) full-time.

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S: O Mercosul poderá servir como plataforma, na América do Sul, para os negócios dos BRICS e também para a Organização para a Cooperação de Xangai?

JCP: Pode. Inclusive, um dos pontos da discussão do Mercosul foi uma aproximação maior com a CELAC – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, sobre a questão da segurança alimentar. Esse é um ponto importantíssimo nessa discussão de soberania, porque a América Latina produz boa parte da matéria-prima que alimenta os Estados Unidos, o Canadá e a Europa. Estes produtos, na condição de primários, têm que ser observados no âmbito da economia familiar: primeiro, têm que suprir o mercado interno, isso é muito positivo, diminui o poder do império porque um país que não tem segurança alimentar está fragilizado perante todos os outros que têm. Essa aproximação do BRICS com a Organização de Xangai vai trazer uma maior interação nesse âmbito alimentar. Desde que as sanções contra a Rússia foram estabelecidas, ela tem invertido o seu polo de importação e tem procurado mais o Brasil e a Argentina. A Rússia tem acordos particulares com a Argentina, muito interessantes, no fornecimento de carne, e a Argentina já aceita a moeda russa, o rublo, sem precisar converter para o dólar. Mercosul, CELAC, BRICS têm um poder de negociação, de barganha e de desenvolvimento autônomo muito grande, e isso preocupa a Europa. A Europa em crise fica em pânico. Os EUA ficam em pânico. O efeito colateral estadunidense é, por uma mão, tentar derrubar, atravancar isso, e por outra tentar negociar. O restabelecimento das relações com Cuba é de olho no mercado cubano de 6 milhões de consumidores. Os EUA estão sendo só pragmáticos nesse sentido. Claro que há os seus interesses políticos, ideológicos, mas eles não podem mais desperdiçar, a cerca de 180 km de sua fronteira sul, um mercado consumidor desse tamanho. O Brasil tem a oportunidade de transitar em vários blocos econômicos e, de uma vez por todas, capacitar-se, desenvolver-se, sem precisar da tutela de know-how da Europa e dos EUA. Mas isso tem que ser feito a partir de um ambiente progressista. Se nós quisermos integrar todos esses blocos somente no interesse econômico, isso vai ter uma vida útil muita curta, porque vamos sofrer dos mesmos efeitos colaterais das crises cíclicas do capital.

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