Sputnik: Como você vê essas reivindicações da Argentina pela soberania das Malvinas mesmo com a ONU tendo atribuído ao Reino Unido os direitos sobre as ilhas?
Fernando Cibeira: Em dezembro vão se completar 50 anos da Resolução 2.065 da Organização das Nações Unidas que determinou que existia uma disputa de soberania pelas Ilhas Malvinas que foi considerada um caso de colonialismo. Além disso, a Resolução conclamou as duas partes a iniciar uma negociação. Esta negociação começou em algum momento, mas tudo foi paralisado com a guerra de 1982. Desde então, os governos argentinos democráticos e, com ênfase especial, as gestões de Néstor e Cristina Kirchner, vêm reivindicando em todos os fóruns internacionais que o Reino Unido cumpra a Resolução 2.065 e se sente para dialogar.
S: A Argentina ganhou o apoio e a solidariedade dos países do Mercosul em seu protesto contra a exploração não autorizada de petróleo e gás, em águas que considera como suas, por parte de empresas do Reino Unido. Esta solidariedade sul-americana pode ser suficiente para conter os planos das empresas britânicas?
FC: O Governo argentino está levando adiante uma ofensiva em vários planos para evitar a explotação, por parte de empresas britânicas, dos recursos de hidrocarbonetos que existem ao redor das Ilhas Malvinas, que a Argentina considera como parte do seu território. Um destes planos é iniciar ações legais contra essas empresas ao declarar ilegal a explotação destes recursos. Além disso, de acordo com uma lei do Congresso argentino, essas empresas e quem quer que tenha algum tipo de contrato com elas estão impedidos de trabalhar na Argentina. A intenção do Governo argentino é de que outros países da região adotem medidas similares. Se aquelas empresas se virem impedidas de operar no continente, elas vão pensar seriamente se lhes interessa trabalhar nas Ilhas Malvinas. O preço atual do petróleo bruto está pouco rentável para exploração e explotação em águas profundas.
S: Por que o Reino Unido continua a operar na plataforma continental argentina, apesar da Resolução 31/49 da Assembleia-Geral das Nações Unidas e dos seguidos protestos do Mercosul, além das manifestações do Grupo dos 77, da China, da OLADE (Organização Latino-Americana de Desenvolvimento de Energia) e da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração)?
FC: O Reino Unido se considera como única autoridade válida para outorgar permissões para explotação dos recursos junto aos governantes das Ilhas, governantes designados pelo próprio Reino Unido. O Reino Unido não confere validade nem importância às resoluções das Nações Unidas e às dos demais organismos internacionais que apoiam as reivindicações argentinas. O Reino Unido defende o princípio da livre determinação dos povos para o caso das Malvinas, mas a ONU nunca aceitou este princípio porque se trata de uma população vinda de fora, não originária do local. Segundo o último censo, menos da metade dos habitantes das Ilhas Malvinas são nativos. Os demais são nascidos em outras partes, principalmente em outras colônias britânicas.
S: Existe ambiente para a realização de negociações entre a Argentina e o Reino Unido a respeito da soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas, as Sandwich do Sul e a Geórgia do Sul?
FC: O Reino Unido ignora todos os chamamentos ao diálogo realizados pela Organização das Nações Unidas e por organismos internacionais. Por isso, o Governo argentino insiste na necessidade de reformar a ONU, pelo fato de que um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (o Reino Unido), com poder de veto, nega-se a cumprir as resoluções deste organismo. Além disso, parece muito difícil o início de um diálogo quando todos os gestos do Reino Unido são em contrário. Pouco antes das últimas eleições na Grã-Bretanha, o Primeiro-Ministro David Cameron autorizou um orçamento para a defesa militar das Ilhas Malvinas, argumentando com uma suposta ameaça argentina que não é real. A Argentina vem denunciando que, em uma região livre de conflitos como a América do Sul, a Grã-Bretanha converteu as Ilhas Malvinas num dos lugares mais militarizados do mundo, inclusive com a presença de armas nucleares, conforme revelou o Chanceler Héctor Timermann durante a reunião extraordinária do Comitê de Descolonização das Nações Unidas, em junho passado.
S: Na quinta-feira, 23 de julho, o secretário de Assuntos Relativos às Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul, Sandwich do Sul e Espaços Marítimos Circundantes, Embaixador Daniel Fernando Filmus, foi recebido pelo Comitê de Representantes da ALADI. Segundo o informe oficial da entidade, “o novo presidente do Comitê de Representantes, o venezuelano José Félix Rivas Alvarado, e o secretário-geral da ALADI, Carlos Chacho Álvarez, deram as boas-vindas e respaldo único e solidário à República Argentina diante de sua justa reclamação na questão das Ilhas Malvinas”. A visita do Embaixador Filmus à ALADI realizou-se no âmbito da recente comemoração do Dia da Afirmação dos Direitos Argentinos sobre as Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwich do Sul e Espaços Marítimos circundantes e pelo 50.º aniversário da adoção da Resolução 2.065 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que insta a Argentina e o Reino Unido a dialogar para dar solução ao conflito. Mas, segundo o diplomata argentino, o Reino Unido não aceita dialogar sobre a questão. O que, na sua opinião, leva o Reino Unido a esta intransigência em relação à Argentina?
FC: O apoio da ALADI se soma à sustentação unânime que a Argentina vem conseguindo de todos os organismos da região e também de alguns organismos de fora da região, como é o caso dos 132 países que compõem o G77 mais a China. Dos 16 casos de colonialismo que sobrevivem no mundo em pleno século XXI, 9 são britânicos, e um deles é justamente o caso das Ilhas Malvinas. Por isso, a estratégia argentina continuará sendo a de reclamar por seus direitos em todos os fóruns internacionais de que participe, para conseguir novos apoios e obrigar o Reino Unido a se sentar para dialogar, sempre através de meios pacíficos e em cumprimento ao estabelecido por organismos internacionais. Ao Reino Unido custa muito dinheiro manter as Ilhas Malvinas, em especial, a base com 3 mil militares que ali possui e que, há tempos, vem tentando manter autossuficiente. O Reino Unido tentou isso primeiramente com os produtos da pesca, e agora tenta com os hidrocarbonetos que são recursos não renováveis. Nisso, também existe um interesse estratégico por parte do Governo britânico para controlar o Atlântico Sul, os recursos ali existentes e os acessos marítimos à Antártida.