Sputnik: Como o senhor decidiu fazer esta operação e como conheceu o doutor Sergio Canavero?
Valery Spiridonov: Muito provavelmente, muitos dos que cruzaram as fronteiras do desconhecido, se sentiam um pouco desconfortáveis. Eu dou muito valor à minha vida, porque ela é brilhante e cheia de acontecimentos. Eu trabalho naquilo que gosto, tenho um monte de trabalho, viagens, atividades sociais. Mas ainda assim eu sou apaixonado por ciência e tecnologia e estou convencido de que, com a sua ajuda, a humanidade será capaz de resolver problemas com os quais hoje não consegue lidar, nomeadamente vencer doenças incuráveis.
Quando eu percebi que poderia participar de algo realmente grande e importante, não me restaram dúvidas e eu comecei a trabalhar nesse sentido. Desde cerca de dez anos, eu conheci o trabalho do cientista russo Vladimir Demikhov e do cirurgião americano Robert White na área da transplantologia. Para mim sempre me pareceu lógico ter a oportunidade de transplantar não apenas um ou dois órgãos, como acontece hoje — mas todo um conjunto — no futuro próximo. Portanto, a entrevista do Dr. Canavero que vi um par de anos atrás foi para mim um evento agradável mas já esperado.
S.: O senhor já se encontrou e conversou com o Dr. Sergio Canavero. Como decorreu o vosso encontro e com que impressões ficou dele?
V.S.: O nosso encontro foi muito amigável. Embora eu estivesse cansado depois do voo, a presença de Sergio inspirava o desejo de ser tão ativo e entusiasmado como ele na coletiva de imprensa. Naturalmente, toda a atenção estava voltada para ele, mas eu estou feliz por ter estado junto a ele naquele momento. As pessoas puderam ver para quê e para quem o trabalho é realizado. Puderam imaginar quantas pessoas podem ser ajudadas. Canavero é muito confiante naquilo que faz e isso é o mais importante. A tarefa dos outros é ajudá-lo a fazer o que ele anunciou, porque isso vai ser um verdadeiro avanço na ciência.
S.: Quando poderá ser realizada a operação e em que país?
Valery Spiridonov: Ninguém coloca o objetivo de indicar uma data específica. Isto não é uma competição de velocidade. No entanto, de acordo com os cálculos do Dr. Sergio Canavero, se tudo correr conforme o planejado, dois anos é o período necessário para a verificação técnica de todos os cálculos científicos e detalhes de planejamento do procedimento. Claro que a operação em uma pessoa viva só será feita quando o próprio médico e os especialistas estiverem confiantes no sucesso em 99%. Fazer a operação para obter belas fotos de uma eutanásia muito cara não está em nossos planos. Tanto quanto sei, o local ainda não está determinado.
S.: Foi precisamente um médico soviético que, há tempos, realizou o primeiro transplante de cabeça em um cachorro (Dr. Demikhov — Ed). O romance "A Cabeça de Dr. Dowell" também foi escrito por um escritor russo. Você não sente que há uma ligação entre estas histórias e seu destino?
Valery Spiridonov: Eu não sou muito sentimental nem inclinado a associações a este respeito. Este projeto não tem nada a ver com a política ou países específicos (até agora). É fruto da colaboração entre cientistas de todo o mundo, eu espero. A única coisa que eu sinto é uma espécie de agradável sentimento de antecipação e a compreensão de que estive me preparando para algo realmente importante toda a vida, e que isso está começando a acontecer. Quero dizer, não que eu esteja sentado à espera de algo importante (riso). Mas a verdade é que eu sempre quis participar ou iniciar qualquer empreendimento invulgar ou promissor (na minha opinião) e nunca tive medo da complexidade das tarefas que viria a encontrar.
S.: Em caso de êxito da operação, não tem medo de ser o centro das atenções de jornalistas e do mundo, que não vão deixar você em paz?
V.S.: Eu já estou no centro das atenções (sorriso). Desde março, quase todos os dias eu tenho que dar entrevistas, falar na TV ou participar em filmagens de documentários. Para já não falar de outras reuniões, não relacionadas com a imprensa. É difícil, claro, e isso mudou a minha vida. Não digo que tenha mudado para melhor, mas eu entendo que importa que as pessoas saibam como são importantes as pesquisas ousadas, fora do comum. Como é importante para nos ajudarmos uns aos outros todos os dias, se o seu ente querido teve o destino de ser deficiente. Então, eu não recuso o diálogo e estou aberto para novas reuniões antes e após a cirurgia. Claro, eu tenho consciência que durante muito tempo terei que fornecer ao mundo os dados científicos sobre o que está acontecendo comigo, para que esta operação se torne mais rápida, mais fácil e mais acessível para os que vierem a seguir.
S.: O senhor já pensou o que gostaria de fazer em primeiro lugar com um novo corpo? O que o senhor mais quer?
V.S.: Ir de férias! Por enquanto eu tenho um monte de trabalho e já há muitos anos que não tenho umas férias como deve ser. Mas, na verdade, toda a finalidade deste procedimento é fazer com que pessoas gravemente doentes possam vir a ter auto-suficiência, independência. Quando eu as tiver, vou tentar saber como é bom viver uma vida perfeitamente normal de uma pessoa um pouco mais saudável do que eu sou agora.
S.: Já esteve na Itália? Gostaria de lá ir?
V.S.: Ainda não estive, claro que teria todo o interesse em lá ir quando houver essa oportunidade ou necessidade. Sou apaixonado pela história deste país.
S.: Quer acrescentar alguma coisa?
V.S.: Eu quero transmitir às pessoas uma coisa simples. Não importa o quão bem sucedida venha a ser a operação, nunca desistam. Olhem para mim ou para outras pessoas com deficiência — com perseverança, esforço, sede de conhecimento, a vida será sempre brilhante, interessante, cheia de amigos e de momentos inesquecíveis!