De autoria dos jornalistas James Kynge e Jonathan Wheatley, a matéria do “FT” atribui aos países BRICS a responsabilidade por uma nova crise econômica mundial.
Contrariada com o teor do artigo, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, utilizou seu site oficial e sua conta no Twitter para rebater os argumentos dos jornalistas e ainda advertir que a questão atual não é econômica, mas, sim, geopolítica.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista Theotonio dos Santos, professor da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, afirmou que Cristina Kirchner está correta e que os argumentos dos jornalistas ingleses não procedem.
Segundo Kynge e Wheatley, a China está fortemente dependente dos investimentos que realiza no exterior; o Brasil privilegiou o consumo interno e, atualmente, não tem mais como sustentá-lo; a Índia é vítima de sua própria burocracia; e a Rússia vê as cotações do petróleo, sua maior commodity, despencar. Sobre a África do Sul, nenhuma palavra.
Já o Professor Theotonio dos Santos afirma que a líder argentina está correta ao rejeitar as acusações de que os BRICS devem ser responsabilizados pela atual crise econômica mundial: “Os BRICS têm dinheiro e têm recursos. Portanto, em quê eles contribuíram para a crise?”.
A seguir, a entrevista do Professor Theotonio dos Santos.
Sputnik: O que lhe pareceu o artigo do jornal britânico “Financial Times” afirmando que os BRICS estão adotando um modelo econômico errôneo, o que provocou a reação da Presidente Cristina Kirchner, dizendo que na crise de 2008 os BRICS souberam se manter à margem e não se sentiram afetados pela queda mundial?
Theotonio dos Santos: Acho que o artigo está bem apresentado, porque a Presidente Cristina Kirchner demonstrou uma capacidade polêmica extremamente séria. Há uma tendência, pelos que ocupam posição de direção política nacional, de tentarem se colocar acima do debate e da polêmica. Cristina soube muito bem localizar onde estão realmente os problemas. Primeiro ela mostra que este não é um artigo qualquer, isolado, é parte de uma ofensiva que já vem nos últimos dois, três anos, uma ofensiva muito forte para tentar mudar a situação política dos nossos países. Daí essa insistência de que os problemas de funcionamento da economia vividos por esses países nesse momento seriam resultados da situação política e do modelo de política econômica que os países estão seguindo. A verdade é que se trata de tendências da economia mundial que estão em marcha, e não somente de política econômica. Cristina Kirchner mostra muito bem isso, e mostra como a intenção do estrangeiro é de que nossos países se ajustem a certas tendências que eles estão esperando da economia mundial, e que, por sinal, não estão funcionando ainda. Eles esperam a recuperação dos EUA, que até agora não se deu senão de maneira muito modesta, e também esperam uma queda de crescimento generalizada que se deu, sim, em parte.
S: A Presidente Cristina Kirchner, ao reagir aos articulistas do “Financial Times”, começa sua resposta com muito vigor. Ela diz: “Isso não é economia, é geopolítica”.
TS: Com razão. Isso é um fenômeno político. Eles estão armando uma forte tentativa de mudar a política dos países em desenvolvimento e particularmente dos BRICS. Porque a política dos BRICS está fortalecendo muito os seus membros dentro da economia mundial. E criando mecanismos de investimentos próprios, mecanismos financeiros próprios. Os dois grandes bancos – o asiático e o dos BRICS – já vão começar o ano que vem seguramente com efeitos muito importantes. Essas pressões conseguem fazer com que os dirigentes políticos comecem a ficar confusos, até por interesses pessoais, em não se confrontar com grandes potências, como os EUA, e eles vão cedendo e começam a fazer a política deles, e a política deles, sim, é desfavorável à nossa população porque é uma política de concentração de rendas colossal. Dizem que o Brasil tem um problema fiscal grave. Qual o problema fiscal de um país que tem superavit fiscal? Eles todos têm deficit fiscal colossal, dívidas colossais. Só os EUA giraram 5 trilhões de dólares de dívida para proteger o sistema financeiro. E dizer que um país como o nosso tem problema fiscal e que tem que cortar gastos? Tem que cortar gastos porque o setor financeiro está exigindo. Isto não é economia. É um problema de política econômica a serviço dos interesses de um grupo extremamente minoritário, 1% da população do país, e que concentra a renda toda do país. Portanto é um problema político, é uma questão política. Cristina Kirchner tem toda a razão ao chamar a atenção para isso.