Segundo o ACNUR, “4 milhões de refugiados sírios vivem atualmente em países vizinhos, mas nos últimos meses houve um aumento acentuado no número de pessoas que procuram refúgio ainda mais longe, principalmente na Europa”.
É naquele continente, principalmente em alguns países do Leste Europeu, que os sírios têm encontrado grandes dificuldades para ingressar. No Brasil, no entanto, a situação é bem diferente: conforme a Presidenta Dilma Rousseff tem acentuado em diversas ocasiões, inclusive em seu pronunciamento na cerimônia de instalação da 70.ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, “o Brasil está de portas abertas para receber os sírios”.
O porta-voz do ACNUR no Brasil, jornalista Luiz Fernando Godinho, concedeu entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, explicando como se dá todo o processo de deslocamento dos sírios para o Brasil e o apoio e a assistência que recebem de ONGs e de entidades ligadas à Igreja Católica no país.
Sputnik: O que levou o ACNUR a emitir este comunicado sobre as razões de os sírios deixarem seu país e buscar refúgio na Europa nas condições em que todos sabemos como são difíceis?
Luiz Fernando Godinho: O importante neste comunicado é ressaltar as razões que estão levando milhares de pessoas, especialmente sírios, que se encontram hoje ou deslocadas internamente em seu país ou refugiadas nos países vizinhos, a buscar uma proteção fora da região, especialmente na Europa. Já foram cerca de 430 mil pedidos de refúgios apresentados por sírios na Europa desde 2011, e isso tem uma explicação muito clara quando se faz essa avaliação a partir do contato direto com os refugiados nesses países que os abrigam. Essa avaliação mostra que as condições de vida estão se deteriorando muito rapidamente na Síria e nos países vizinhos. Isto torna a sobrevivência destas pessoas cada vez mais difícil e, associado a um conflito que não dá demonstração de solução, força estas pessoas para fora da região, e agora estamos vendo essa crise na Europa.
S: Quando o senhor fala de países vizinhos se refere à Jordânia e ao Líbano?
LFG: Jordânia, Líbano, Egito e Iraque. São os 4 principais países que abrigam hoje os refugiados sírios. É importante lembrar que estes 4 países já abrigam mais de 4 milhões de refugiados. É um número muito maior do que o daqueles que estão cruzando o Mediterrâneo em direção à Europa, e que nos dá uma dimensão do quão grande é esta crise e do peso da fuga de refugiados para os países vizinhos.
S: Uma importante rede de televisão mostrou uma longa matéria sobre as condições de vida em que se encontram os refugiados sírios em países como Líbano e Jordânia. Essas pessoas dispõem de acomodações próprias, são áreas específicas ou aquilo é mais uma concentração de seres humanos, uma concentração provisória para estes refugiados?
LFG: No caso da Jordânia, foram estabelecidos em acordo com o Governo dois campos que abrigam quase exclusivamente refugiados vindos da Síria. O campo de Zaatari hoje já é uma das maiores cidades da Jordânia, e está tão lotado, tão cheio que levou à necessidade de construir um segundo campo, há cerca de um ano, que também tem recebido um fluxo de pessoas muito grande. A ajuda humanitária que é prestada a estas pessoas é feita dentro das condições que o ACNUR e outras agências humanitárias, seja das Nações Unidas ou da sociedade civil, recebem a partir dos recursos doados pela comunidade internacional. O que fica claro, hoje, é que esta ajuda não tem sido suficiente, ela está aquém das demandas e das necessidades dos refugiados, que, por sua vez, precisam adotar mecanismos não muito dignos de sobrevivência. Os refugiados têm que se valer, muitas vezes, do que chamamos de “estratégias negativas de sobrevivência” como o trabalho infantil, evasão escolar, mendicância e até alguns casos de prostituição, infelizmente. Isso só reforça a necessidade de aumentar o apoio da comunidade internacional a esta resposta humanitária para que as necessidades dos refugiados possam ser adequadamente cobertas.
S: A ajuda atual prestada aos refugiados é suficiente? É solução para a grave situação vivida por eles?
LFG: É uma situação bastante preocupante do ponto de vista do ACNUR. Isto nos faz lembrar que a solução para essa situação é uma solução política. Não se pode esperar que a resposta humanitária, por mais financiada que esteja, irá conseguir resolver a situação destas pessoas. Elas querem voltar para casa, elas não querem continuar no exílio, não querem continuar no refúgio, ninguém gosta nem quer ser um refugiado. As pessoas estão ali em busca da sobrevivência, fogem de uma situação insustentável em seu país de origem. Se não houver uma solução política que dê fim ao conflito e que permita o retorno dessas pessoas, a ajuda será sempre insuficiente.