O “FT” alerta para o fato de que “um possível impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, caso seja feito sem embasamento forte, poderá colocar em risco a reputação do Brasil, uma democracia jovem, de construir instituições fortes”.
Os redatores da matéria vão além, afirmando: “A questão para os políticos brasileiros é se eles deveriam prejudicar o país ao remover uma presidente eleita, simplesmente por ser impopular, ou mesmo incompetente, sem que exista prova de que ela cometeu algum crime.”
Para o cientista político Antônio Marcelo Jackson, professor de Ciência Política do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto, o jornal britânico está certo ao recomendar cautela na apreciação de um processo de impeachment da presidente da República. Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, Jackson declarou que “não se pode banalizar um processo de impeachment, porque ele envolve grandes responsabilidades. Um governante só é passível de responder a um processo desta natureza se for demonstrado, com provas robustas, que crimes foram cometidos no exercício do cargo. E aí entra uma combinação de fatores jurídicos e políticos que irão determinar o curso dos acontecimentos”.
Sputnik: Qual a sua avaliação sobre este editorial do jornal “Financial Times”, que reproduz a opinião de um dos mais conceituados juristas do Brasil, o Professor Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro?
Antônio Marcelo Jackson: O que nós percebemos nos dias de hoje – e é para isso que o artigo do “Financial Times” chama atenção – é que temos uma inversão de procedimentos, ou seja, na medida em que a eleição foi vencida por uma margem relativamente pequena de votos e, por outro lado, uma crise econômica se vislumbrou no cenário e se confirmou no ano seguinte, em 2015. O que acontece, então? Primeiro foi criada uma conjuntura política para produzir, para dar início ao processo de impeachment. É para essa inversão que o “FT” está chamando a atenção, e ela é perigosa. Um deputado chegou a dizer que basta que 10% das coisas sejam comprovadas porque em 90% o impeachment é meramente político. Na verdade, não é ou não deveria ser. Na medida em que esse deputado fala isso, veja o tamanho do problema que se configura.
S: Quais seriam esses elementos políticos?
AMJ: Os elementos políticos podem ser sustentados pelo desprestígio do presidente, pela construção de elementos ideológicos a partir da oposição, de inúmeras coisas que necessariamente não envolvem a necessidade do impedimento do presidente da República. No exercício puro e simples de oposição ao Governo, pode-se criar uma situação bastante crítica àquele que exerce a Presidência da República. Quando se diz que 90% de um impeachment são políticos, o “Financial Times”, eu e muita gente que conheço vamos dar um pulo gigantesco. Não é assim. A leitura que eu, como cientista político, faço é que parece que alguns grupos políticos de nosso país estão acreditando que o nosso sistema de governo é parlamentarista e não presidencialista. Eles estão querendo agir como se estivéssemos num modelo parlamentarista porque no parlamentarismo é que podemos derrubar o primeiro-ministro por razões políticas, não necessariamente identificando que esse primeiro-ministro tenha tido problemas de ordem administrativa, ou desmandos, ou tráfico de influência, etc.
S: Então, a advertência feita pelo “FT” procede?
AMJ: O problema para o qual o “Financial Times” chama a atenção e os jornais brasileiros reproduziram é que, se colocarmos o carro na frente dos bois, se invertermos a ordem do procedimento, estaremos querendo criar um caos político no país por interesses puramente e meramente políticos, só que com um preço muito grande na economia e na imagem do país no exterior. É para isso que o “FT” chama a atenção. Nenhum país do mundo é posto a perder por uma questão de oposição política. Não é assim que funciona.