O economista Roberto Fendt, diretor-executivo do Cebri – Centro Brasileiro de Relações Internacionais, analisa estas questões e diz que tanto o FMI quanto o Banco Mundial precisam se conscientizar de que “a fila andou”. Ou seja, os tempos são outros e o que era líquido e certo no século passado mudou de figura neste século, por uma série de razões.
Sputnik: Instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas estão sendo apontadas como alternativas ao Banco Mundial e ao FMI – Fundo Monetário Internacional. Qual sua opinião sobre a comparação que está sendo feita entre o antigo e o novo?
Roberto Fendt: O Brasil é membro fundador tanto do Fundo Monetário Internacional como do Banco Mundial. Estávamos presentes na criação dessas duas instituições. Além disso, o Brasil é credor do FMI, nossa situação hoje é de grande folga, estamos a cavaleiro, eles devem dinheiro para nós e não nós a eles. Com relação ao Novo Banco de Desenvolvimento, ele é muito bem-visto. Qualquer iniciativa que possa carrear recursos para financiar o investimento e daí promover o desenvolvimento econômico e social é bem-vista e muito bem-vinda. É de enorme importância perceber que nós agora temos três bancos destes situados no Oriente. Isso permitirá investimentos que impulsionarão as economias daquela região e será muito bom para a economia mundial como um todo. O Novo Banco de Desenvolvimento atua de forma complementar ao FMI e ao Banco Mundial, e estas duas instituições, cada uma na sua esfera de atuação, têm como membros um grande número de países. É desejável que estas instituições possam carrear recursos para promover o desenvolvimento desses países.
O FMI, por seu lado, é uma instituição voltada primordialmente à manutenção da estabilidade dos balanços de pagamentos dos diversos países, e nessa condição, como aconteceu conosco quando, em 1987, nos vimos impossibilitados de arcar com o pagamento de todos os encargos sobre nossa dívida externa, o FMI foi uma das instituições, junto com o Departamento do Tesouro dos EUA e outras instituições multilaterais, que permitiram que o Brasil reestruturasse seu endividamento com os bancos privados. De lá para cá esse programa foi bem-sucedido, o Brasil voltou a crescer, honrou seus compromissos e deixou de estar inadimplente com as instituições. Mais que isso, o Brasil se tornou credor do FMI.
É claro que as políticas de investimento desses bancos podem não ser idênticas, mas é desejável que os recursos desses bancos, que pertencem aos países-membros, sejam aplicados em projetos sólidos, que tenham rentabilidade econômica e social, que não sejam desperdiçados. Acho que essa determinação deve valer para qualquer banco de investimento, inclusive bancos situados no interior dos países, como é o caso do nosso Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que é um banco muito grande, tem mais recursos que o Banco Mundial. É desejável que as políticas de investimento do nosso BNDES sejam todas elas voltadas a promover investimentos produtivos, de alta rentabilidade, porque são esses investimentos que permitem que os recursos retornem ao Banco e sejam emprestados de novo para outros investimentos rentáveis, e aí se cria um círculo virtuoso que termina no desenvolvimento.
S: O sistema Bretton Woods – formado pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC) – se não se atualizar pode correr o risco de ser superado por essas novas instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas?
RF: Qualquer organização sofre o desgaste do tempo. Portanto, é natural que haja críticas ao FMI, ao Banco Mundial e à OMC, e é natural que estas instituições acompanhem o desenvolvimento do mercado. À medida que o mundo gira e a fila anda, as instituições não podem permanecer engessadas na mesma forma com que começaram – na ocasião eram estruturas adequadas para as necessidades da época. Por outro lado, o mundo carece de recursos para investimento. É bom que haja várias instituições multilaterais, é de ser saudada como grande felicidade a constituição do Banco dos BRICS, dos bancos asiáticos, tudo isso são mecanismos de direcionamento de poupanças para investimentos em várias partes do mundo, não só nos países BRICS. O próprio Banco dos BRICS não está obrigado a não emprestar para terceiros países, pode fazê-lo caso haja projetos rentáveis e de interesse dos países BRICS. Permanentemente todas as instituições precisam acompanhar o tempo, as necessidades vão mudando, as fontes de recursos são trocadas, as políticas de investimento devem seguir as necessidades do tempo.
Isso não se aplica aos novos bancos, que já estão estruturados para atender as necessidades do nosso tempo, mas no futuro também deverão ser permanentemente atualizados. O FMI e o Banco Mundial, com mais razão ainda, são instituições antigas, que emergiram da Conferência de Bretton Woods, no final da Segunda Guerra Mundial. Muita água já passou debaixo desta ponte. A atualização de seus procedimentos, de seus critérios de análise, das suas exigências com relação aos seus devedores, tudo requer uma permanente atenção e uma permanente adequação aos novos tempos.