Os resultados proclamados pela Justiça Eleitoral argentina indicaram 36,8% dos votos para o candidato da presidente, Daniel Scioli, governador da Província de Buenos Aires, e 34,3% para Mauricio Macri, prefeito da capital argentina.
Sobre eses resultados, Sputnik Brasil ouviu com exclusividade o jornalista argentino Fernando Cibeira, editor de Política do jornal “Página 12” e colunista do site El Destape.
Sputnik: Causou surpresa o resultado da eleição presidencial na Argentina?
Fernando Cibeira: Sim, evidentemente que sim. Nenhum órgão de pesquisa, nem mesmo os institutos que trabalham para os partidos de oposição, indicaram uma diferença tão pequena entre Daniel Scioli e Mauricio Macri. Sempre se falou numa diferença entre 6 e 11 pontos, e a diferença entre os dois acabou sendo de apenas 2,5 pontos. A maior surpresa das eleições foi o triunfo da opositora María Eugenia Vidal diante do candidato oficial Aníbal Fernández, para o governo da Província de Buenos Aires, a maior da Argentina, governada por Daniel Scioli há 8 anos. A Província de Buenos Aires é comandada pelo peronismo há 28 anos e sempre foi considerada como o maior reduto eleitoral do peronismo.
S: O que explica uma diferença tão pequena entre Daniel Scioli e Mauricio Macri?
FC: É algo que ainda está sob análise. Se compararmos as eleições deste domingo com as presidenciais primárias realizadas em agosto, um número muito maior de eleitores compareceu às urnas neste domingo, 25 de outubro. Tudo indica que as pessoas que não votaram nas eleições primárias de agosto foram às urnas neste domingo para votar em Mauricio Macri e impedir o triunfo de Daniel Scioli. Isto significa que a sensação de cansaço do eleitorado com o Governo e a determinação por mudanças que a oposição queria instalar no país são fatores que existiam na Argentina. Isto aconteceu no setor menos politizado da sociedade argentina, que demonstrou estar cansado do estilo brigador do kirchnerismo.
S: Sergio Massa, o terceiro colocado, desequilibrou o resultado destas eleições?
FC: Sergio Massa conservou muito bem seu potencial eleitoral e evitou ser vítima da polarização entre os dois principais candidatos, Macri e Scioli. No seu discurso de domingo à noite, após o pleito, Massa destacou que tem apenas 43 anos e que esta foi a sua primeira eleição presidencial. Por conseguinte, tem muito futuro. Sergio Massa obteve 21% dos votos e garante que 14% destes votos eram de eleitores peronistas.
S: Massa tirou votos de Scioli, de Macri, ou de ambos?
FC: Ao obter muitos votos peronistas, acredita-se que Massa tem muito mais possibilidades de transferir votos para Daniel Scioli, sobretudo na Província de Buenos Aires, onde Sergio Massa é muito forte. Porém, muitos analistas consideram que Massa foi o fator chave deste primeiro turno e que foi ele o principal responsável por Daniel Scioli não ter vencido a eleição neste domingo, o que dispensaria o segundo turno.
S: Encerrado o primeiro turno, começa agora uma disputa entre Daniel Scioli e Mauricio Macri em torno dos votos conferidos a Sergio Massa para o segundo turno?
FC: Sim. A grande interrogação para o segundo turno, de 22 de novembro, é para quem irão os 21% dos votos obtidos por Sergio Massa no primeiro turno. A dúvida é se vão prevalecer os peronistas, que poderiam ter eleito Scioli diretamente, ou os opositores, que poderiam ter dado a vitória a Mauricio Macri. Sergio Massa disse nesta segunda-feira, 26, que iria se reunir neste mesmo dia com os seus apoiadores para decidir quem ele deve apoiar no segundo turno. Desde antes das primárias ele já propunha um acordo em torno das políticas de Estado para os próximos anos, e tentou este acordo com Macri, que o rechaçou. Há que se ver agora o que poderá acontecer. Particularmente, considero possível um acordo em torno de alguns projetos. Mas precisamos ter em mente que Massa pode dizer uma coisa, e os seus eleitores, outra.
S: Scioli ou Macri, quem sai na frente neste segundo turno, que será realizado em 22 de novembro?
FC: O efeito surpresa de domingo, 25, deixou Macri mais bem preparado para o segundo turno. Embora tenha sido o segundo colocado, saiu deste primeiro turno com ares de ganhador, sobretudo pela sua vitória na Província de Buenos Aires, reduto de Scioli, e em lugares onde o peronismo era tido como invencível. Mas é prematuro considerar Scioli como “morto”, pois ele é o melhor candidato dentre todos os outros candidatos oficiais que o antecederam e sempre conseguiu bons resultados. Agora, Scioli tem pela frente o desafio de modificar o seu discurso e atrair os eleitores que, domingo, votaram num opositor. Provavelmente, terá de se afastar de Cristina Kirchner e até mesmo fazer algumas críticas ao seu governo.
S: Uma possível vitória de Mauricio Macri no segundo turno representará o fim do ciclo kirchnerista na Argentina?
FC: É prematuro dizer isso. Indubitavelmente, será um golpe muito grande, mas também é certo que Daniel Scioli nunca representou um candidato kirchnerista puro. Se Mauricio Macri vencer o segundo turno, será necessário esperar para ver que atitude a Presidente Cristina Kirchner tomará: se ela vai se afastar da política ou se vai comandar a oposição para tentar voltar à Presidência da Argentina em 2019. Todavia, ainda é cedo para saber se a possível vitória de Macri será o fim do kirchnerismo.
S: Para estes dois candidatos, o eleitorado argentino pode ter sinalizado que deseja outros rumos para as políticas interna e externa da Argentina?
FC: Mauricio Macri é um homem de ideias liberais que veio do meio empresarial. Nos últimos anos, mudou muito o seu discurso para evitar passar ao eleitorado a impressão de ser inimigo do peronismo e alguém que, se for eleito presidente da Argentina, acabará com os benefícios sociais concedidos pelos governos peronistas às pessoas mais humildes. De acordo com os resultados de domingo, Macri agiu corretamente. Também ficou claro que, se for ele o próximo presidente argentino, muita coisa vai mudar em relação ao kirchnerismo. Seguramente, a Argentina terá uma economia mais aberta, mais favorável aos setores empresariais e financeiros e mais próxima de países desenvolvidos como os Estados Unidos e os membros da União Europeia. Por conseguinte, deverá se afastar dos países da região latino-americana. Obviamente, governos como os da Venezuela, Bolívia e Equador, muito próximos do kirchnerismo, serão vistos como inimigos. Inclusive, Macri e seus apoiadores vêm trabalhando contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Já se o vencedor for Daniel Scioli, ele deverá privilegiar as atuais políticas e alianças, que impulsionaram o kirchnerismo. Daniel Scioli, porém, demonstra um comportamento mais moderado, o que o diferencia de Cristina Kirchner.