Arábia Saudita e Irã anunciaram o rompimento de suas relações diplomáticas no primeiro final de semana de 2016. Uma sequência de fatos levou a esta situação. No sábado, 2, a Arábia Saudita anunciou a execução de 47 pessoas ligadas ao Irã, identificadas como integrantes de organizações extremistas e determinadas a derrubar o regime saudita. Entre os executados estava o clérigo xiita Nimr al-Nimr, muito respeitado pelos iranianos. À noite do sábado, centenas de iranianos se concentraram diante da Embaixada da Arábia Saudita em Teerã e incendiaram o prédio. No domingo, 3, houve o anúncio do rompimento das relações e na segunda-feira, 4, a Arábia Saudita ganhou a solidariedade do Bahrein e do Sudão, países que também romperam relações com o Irã.
Ao comentar esta sequência de fatos para Sputnik Brasil, ainda na segunda-feira, 4, Jonuel Gonçalves, especialista em assuntos da África e do Oriente Médio, declarou que a evolução das tensões entre Irã e Arábia Saudita estava diretamente ligada ao que poderia suceder na Síria e no Iêmen, países que dividem as posições de sauditas e iranianos. Na quinta-feira, 7, em nova entrevista à Sputnik, o Professor Gonçalves confirmou o que havia previsto com antecedência de três dias.
De acordo com Jonuel Gonçalves, o Iêmen representa muito tanto para a Arábia Saudita quanto para o Irã.
“Para a Arábia Saudita, o Iêmen representa segurança imediata, porque se trata de uma longa fronteira, no deserto, muito difícil de controlar. Para o Irã, representa a possibilidade de a revolução iraniana estender sua influência até um grupo que pode vir a ser Governo em Sanaa [a capital iemenita].”
O especialista em Oriente Médio destaca que há mais de uma rebelião em andamento no Iêmen, “mas a principal é uma rebelião que opõe forças xiitas ao Governo, que é, a princípio, de influência sunita e mais ligado à Arábia Saudita. Desde que esse conflito começou e desde que as forças xiitas avançaram e tomaram Sanaa, a Força Aérea saudita passou a intervir com muita intensidade no território iemenita e, mais do que isso, mobilizou outros países muçulmanos para fazerem parte de uma força internacional para intervir diretamente. Houve um cessar fogo, mas ele terminou há alguns dias, mais ou menos ao mesmo tempo que as relações diplomáticas entre Riad e Teerã entraram em colapso. Se esta acusação do Irã é verdadeira, a questão agora é saber o que a Arábia Saudita vai fazer, se vai pedir desculpas dizendo que foi um acidente ou se não vai dizer nada. Se não disser nada, significa que visou a Embaixada. A cidade de Sanaa tem uma configuração urbana que é de casas muito juntas, de ruas estreitas, exceto o centro da cidade. Digamos que um ataque que seja voltado para a Embaixada do Irã provavelmente faria também estragos à volta – essa é uma outra questão que queremos saber”.
“Foi um ataque aéreo ou foi um ataque terrestre de forças pró-sauditas?”, questiona Jonuel Gonçalves. “São várias interrogações, mas o fato é que há uma escalada militar muito cautelosa, mas é uma escalada militar. Ela pode se agravar se o Irã tiver uma forma de responder diretamente em território iemenita, ou seja, se os rebeldes houthis, que são apoiados pelo Irã, puderem fazer algo contra as forças dirigidas pela Arábia Saudita, Aí, vamos assistir a uma escalada no Iêmen, que vai ser o palco da batalha e vai pagar muito caro essa fatura, e depois não se sabe se as coisas vão resvalar de outra forma. O que significa isso de resvalar de outra forma: é que a Arábia Saudita e o Irã não têm fronteira terrestre comum, mas têm uma fronteira marítima comum. No Golfo Pérsico eles têm posição frontal um em relação ao outro, e portanto as águas territoriais de um e de outro se tocam. É uma zona de produção petrolífera, de passagem intensa de navios mercantes e de muita patrulha de navios de guerra. Ao mesmo tempo a força aérea dos dois lados tem alcance para o outro lado do Golfo Pérsico, e se as coisas ficarem muito ruins no Iêmen e, eventualmente, na Síria, a questão é saber se os dois países estão em condições de se enfrentar nessa área marítima.”
Segundo o Professor Jonuel Gonçalves, “o Ocidente acredita que sim, e por isso as forças norte-americanas já estão tomando posição nas proximidades do Golfo de Ormuz. Porque, se houver um confronto no Golfo Pérsico, logicamente o Estreito de Ormuz pode até ser fechado. Imagine a sequência, a escalada de eventos e acontecimentos que podem ocorrer a partir do fato de se confirmar, ou não se confirmar, que a Embaixada iraniana em Sanaa foi deliberadamente atingida pelos sauditas.”