Foi há quase mil anos que, segundo conta o frade dominicano e escritor brasileiro Frei Betto, “houve o Grande Cisma da Cristandade, que adveio do fato de as comunidades cristãs do Oriente não aceitarem a supremacia absoluta do Bispo de Roma sobre as demais Igrejas”.
Falando à Sputnik Brasil sobre a retomada do diálogo entre as duas instituições, Frei Betto destaca:
“Essa ruptura, ou Cisma, como historicamente é conhecida, se deu no ano 1054, quando as Igrejas cristãs eram uma única instituição, chefiada por diversos Patriarcas, como os da Grécia, de Moscou, de Istambul, além de ser considerado como Patriarca também o Bispo de Roma, que nós, no Ocidente, sempre chamamos de Papa. Acontece que o Bispo de Roma, o Papa, quis impor sua autoridade sobre os demais Patriarcas do Oriente, e eles não aceitaram, argumentando que gostariam de viver na comunhão da fé cristã com o Bispo de Roma, porém preservando a autonomia de suas respectivas Igrejas. Então ocorreu a ruptura, que perdura até agora”.
Ainda de acordo com Frei Betto, “alguns Patriarcados têm tido uma relação mais estreita com o Papa católico, nas últimas décadas, mas a Igreja Ortodoxa Russa sempre se manteve alheia a este diálogo, e agora, felizmente, o Papa Francisco e o Patriarca Kirill conseguiram estabelecer um local, Havana, para este diálogo”.
“O Patriarca Kirill pediu um lugar neutro, e Cuba se adequa a essa solicitação porque não é propriamente um país católico, embora haja uma forte tradição cristã mesclada com o sincretismo de origem africana. Apenas 5% da população são considerados católicos. E, por outro lado, coincide com o fato de o Papa Francisco e o Patriarca Kirill iniciarem viagens pela América Latina. O Papa Francisco parte de Havana para uma viagem de seis dias ao México, e o Patriarca Kirill para uma visita ao Chile, ao Brasil e ao Paraguai”, diz o frade dominicano.
Sobre o sucesso do encontro e o prazo para que seja consolidada a reaproximação entre as duas Igrejas, Frei Betto lembra que ainda há questões pendentes, fatores que ainda dificultam uma maior aproximação.
“Primeiramente, as questões doutrinárias: a teologia que predomina na Igreja Ortodoxa Russa não é exatamente aquela que predomina na Igreja Católica. Por outro lado, há alguns fatores políticos: Roma é crítica à política que o Governo da Rússia exerce em relação à Ucrânia, enquanto a Igreja Ortodoxa Russa apoia a linha adotada pelo Governo russo. Há pequenas divergências, mas eu acredito que esta sexta-feira, 12 de fevereiro, é de fato um dia histórico. Temos que agradecer a Deus esse diálogo entre os Patriarcas e a reabertura das linhas de contatos entre as duas grandes Igrejas”, conclui Frei Betto.
O Padre Dionísio Kazantsev, expoente da Igreja Ortodoxa Russa em São Paulo e responsável pelos ofícios na Paróquia de Nossa Senhora da Anunciação, também vê com muito bons olhos este reinício de diálogo entre as duas instituições:
“Nós pensamos que este momento é muito importante. Havia desentendimentos na forma de conduzir a vida religiosa e nas tradições de cada instituição, mas o fato é que nós, ortodoxos russos e católicos apostólicos romanos, ficamos todo esse tempo mais próximos e irmãos em Cristo. E temos mesmo de nos aproximar mais e reunir várias ideias de como vamos continuar com a presença cristã neste mundo. Este encontro entre o Patriarca Kirill e o Papa Francisco vai reforçar as posições e a importância dos cristãos em todo o mundo”.
Sobre a retomada do diálogo entre as duas Igrejas, Sputnik também ouviu o Padre Aleksander Puskinov, da Igreja Ortodoxa Russa no Porto, em Portugal:
“Este encontro entre o Patriarca Kirill e o Papa Francisco me parece muito importante, feliz e agradável, exatamente da forma como nós vivemos aqui em Portugal, representando a Igreja Ortodoxa Russa num país majoritariamente católico. Temos, tradicionalmente, uma relação muito boa com a Igreja Católica. E é muito importante que essa relação seja apoiada no mais alto nível em encontros regulares dos líderes das duas Igrejas.”
Após o encontro, o Patriarca Kirill e o Papa Francisco seguem suas viagens pela América Latina. Francisco para o México, e Kirill com o Brasil como uma de suas etapas. O Patriarca desembarca em Brasília na sexta-feira, 19; no sábado, 20, estará no Rio de Janeiro, e uma de suas atividades será a celebração de atos religiosos junto ao Cristo Redentor; e, no domingo, 21, estará em São Paulo.
Sobre o significado da vinda do Patriarca Kirill ao Brasil, o Padre Dionísio Kazantsev ainda acentuou:
“Os contatos entre Brasil e Rússia estão se aproximando em vários níveis, como na participação no BRICS. E esta será mais uma oportunidade de estreitar laços da Rússia com o Brasil, e do Patriarca com a comunidade russa e de origem russa que vive neste país”.