De acordo com o projeto de lei, ficam autorizadas a produção, a importação, a prescrição, a posse ou o uso da substância fosfoetanolamina sintética independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos ao redor do produto.
A Anvisa critica a decisão do Senado e vê com preocupação a liberação de uma substância que não passou por testes que garantam a sua segurança e eficácia, como é exigido pelas Agências Reguladoras do Brasil e do mundo.
Quem também não concorda com a distribuição da fosfoetanolamina sem aprovação de um órgão regulador é o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Dr. Gustavo Fernandes.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o médico disse que, com a decisão no Senado, os parlamentares deixam de estimular que testes adequados aconteçam não só para esse produto mas para qualquer outra substância que tenha atividade em potencial anticâncer.
“Fazer um atalho para uma substância é abrir um precedente, é colocar a população sob o risco de receber uma droga que não foi testada”, afirma o Dr. Gustavo Fernandes. “É uma medida sem nenhum embasamento técnico, uma medida tomada por pressão social, de forma populista, e usando a emoção das pessoas como parâmetro para se tomar a decisão. Não há como ser a favor. Desmoraliza as instituições de pesquisa do país.”
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, a política está deixando de contribuir com o andamento da ciência:
“Eles [os políticos] podiam tentar facilitar os mecanismos de pesquisa no Brasil, mas é muito mais fácil um apelo popular de momento, pegar fenômeno de mídia como acontece com a fosfoetanolamina e jogar isso na frente de tudo, com uma promessa de salvação dos pacientes. E se isso der errado? Se os estudos mostrarem que não funciona? Como vão explicar para as famílias dos pacientes que eles tomaram uma substância que não tem efeito nenhum, que aquilo foi uma falsa esperança?”
O Dr. Gustavo Fernandes alerta para o fato de que a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica não recomenda a prescrição da substância pelos médicos, mas garante que eles não vão deixar de dar apoio os pacientes usuários. “Nós somos a favor do paciente. Eu acho que nenhum médico deve se negar a atender um paciente porque ele está tomando alguma coisa com que a medicina não concorda. Nós não recomendamos, mas não abandonamos.”
Ao ser questionado se a aprovação da Pílula do Câncer pelo Senado pode vir a levar à liberação de outras substâncias sem a aprovação adequada, o médico diz que pode, sim, ocorrer, e que isso vai dar um fim ao estudo clínico caso haja sanção por parte da Presidenta Dilma.
“Vai matar o estudo clínico. Ninguém faz estudo clínico de um remédio que já está à disposição. E vamos continuar sem a resposta se a substância funciona ou não. E sem essa resposta os médicos vão continuar não prescrevendo, os pacientes vão continuar tendo uma via de acesso não ideal, e vai se estar privando o mundo de um avanço.”
O médico informou ainda que deve apelar para que a Presidenta Dilma não aprove o projeto de lei.
“Nós já fizemos uma carta aberta na imprensa e nas mídias sociais com nosso posicionamento contra e muito claro. Para a próxima semana é possível enviarmos uma carta à Presidenta Dilma. Se ela sancionar, nós vamos estudar as medidas cabíveis, o que é possível ser feito.”
Enquanto isso, Gustavo Fernandes orienta os pacientes de câncer que, se forem tomar a fosfoetanolamina, que conversem com seus médicos. “Se optarem por tomar, conseguirem acesso, não escondam de seu médico. O oncologista é acostumado a lidar com situações difíceis e terapias alternativas, e nós vamos tentar apoiar os pacientes neste momento, porque a parte frágil disso é o paciente.”
Nesta quarta-feira, 30, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera, disse que o Governo vai buscar autorização para a venda e legalização da fosfoetanolamina como suplemento alimentar, para tirar a substância do mercado paralelo, até que se concluam as pesquisas que investigam sua eficácia contra o câncer.
“Se a substância vier a ser suplemento, ela não substitui nenhum tratamento médico nem medicamentos já com eficácia comprovada contra a doença”, disse o Ministro Pansera. “As pessoas estão consumindo essa pílula, não sei de onde, não sei como, e isso está mitificando a substância. Existem defesas apaixonadas contra e a favor. Existe lei aprovada. Veja a dimensão. O nosso objetivo é jogar a luz da ciência sobre o fato.”