Ecos do patriarcado
“Gênero, dizem os analistas, não é a causa dos atuais problemas das líderes. Mas, acrescentam eles, o declínio coletivo das três mulheres aponta para uma persistência de atitudes machistas na região, especialmente dentro do establishment político”, afirma o NYT.
A conquista feminina de cargos públicos nos últimos cinco anos e, agora, seu aparente declínio nos “corredores do poder da América Latina” evidencia a atuação de “forças poderosas que resistem a estas mudanças”, segundo colocou Sergio Berensztein, um proeminente comentarista político argentino citado pelo jornal norte-americano.
“Mas e a corrupção?”
Mesmo levando em consideração que as causas dos recentes eventos em torno de Rousseff, Kirchner e Bachelet envolvem insatisfações populares contra escândalos de corrupção e crises econômicas, "é como se as líderes mulheres estivessem recebendo toda a repercussão pela corrupção dos homens", segundo afirma Farida Jalalzai, professora de política de gênero na Universidade Estadual de Oklahoma.
"Seria surpreendente se não houvesse a dinâmica do gênero por trás disso", disse ela ao jornal.
Neste sentido, o NYT destaca que, de fato, “vários funcionários do governo de Cristina Kirchner, incluindo o ex-vice-presidente Amado Boudou, foram marcados por casos de corrupção. Mas foi ela quem recebeu o impacto da ira do público na sexta-feira, depois que um juiz a indiciou por acusações relacionadas a um escândalo financeiro que ela nega”.
Juiz processa Cristina Kirchner por prejuízos ao Estado https://t.co/vgeil03QtV
— EL PAIS Brasil (@elpais_brasil) 14 мая 2016 г.
Além disso, diz o jornal, “no Brasil, a indignação pública sobre um escândalo de propinas na companhia nacional de petróleo se aglutinou em torno de Dilma e ajudou a impulsionar o processo de impeachment, mesmo que ela não esteja diretamente nomeada na investigação”.
Haveria um homem por trás de toda grande mulher na América Latina?
Antes de Kirchner assumir em 2007 após o mandato de seu marido, Nestor Kirchner, Eva Perón já havia ganhado destaque na história da Argentina na década de 1940, ao lado de seu marido, o ex-presidente Juan D. Perón.
#EvaPeron an example to all girls that need a role model of a strong patriotic woman that fought for Truth & Justice pic.twitter.com/RRtAE3vxV8
— Falange Filadelfia (@Falange_Philly) 8 мая 2016 г.
Dilma, também, apesar de sua longa história de militância política, virou presidente após ser escolhida como sucessora por um homem, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao lado de Lula, Dilma diz que não é “mulher para aceitar chantagem” https://t.co/qzcP8lqL1U pic.twitter.com/LX3J7A98nL
— UOL Notícias (@UOLNoticias) 13 мая 2016 г.
María Eugenia Vidal:
— Pablo Fisher (@pablofisher) 5 апреля 2016 г.
Antes y después de los 120 días de gobierno…#MEV pic.twitter.com/HlONKNjMTx
Belas, recatadas e do lar
“Mesmo que o sistema de cotas venha impulsionando as carreiras de mulheres políticas na região, há uma sensação de que as atitudes tradicionais nunca realmente ficaram para trás”, diz o jornal. “A mais recente safra de esposas presidenciais, dizem os observadores, são modelos de feminilidade”.
O NYT cita particularmente o caso do presidente interino do Brasil, Michel Temer, “que nomeou um gabinete desprovido de mulheres” e “é casado com uma ex-participante de concurso de beleza”.
A imprensa segue usando a beleza da Marcela Temer para justificar e estimular a misoginia. Que horror pic.twitter.com/e3Takegq79
— Cacau (@claudiacb_) 16 мая 2016 г.
Juliana Awada, esposa do presidente Mauricio Macri na Argentina, é uma designer de moda, lembra o jornal.
#LoMásComentado El look de Juliana Awada. https://t.co/6BZgvsWRmK pic.twitter.com/Zn3ma2BkGg
— Quién (@Quien) 6 мая 2016 г.
“Isabel Macedo, a nova noiva de Juan Manuel Urtubey, um proeminente governador argentino com ambições presidenciais, foi uma atriz de telenovelas, como tem Angélica Rivera, a primeira-dama do México”, observa o NYT. "É uma manifestação de atitudes machistas residuais", opina Berensztein, fechando o artigo.
Peña Nieto y Angélica Rivera dedican mensajes por el Día de las Madres. https://t.co/Qm4oC6GxkF pic.twitter.com/4A4mhhkqBS
— Quién (@Quien) 10 мая 2016 г.
Para além do establishment masculino: a voz das ruas
Apesar do ataque às figuras femininas empoderadas da América Latina, é visível também o crescimento paulatino da pauta feminista na formação de base dos movimentos sociais de esquerda na região. No âmbito das manifestações populares contra um projeto neoliberal de direita para o continente, as feministas têm ocupado uma das principais frentes, lembrando que o combate ao patriarcado sempre foi e ainda é um dos pilares fundamentais na luta anticapitalista.
“Se cuida, se cuida, se cuida seu machista: América Latina vai ser toda feminista!”, avisaram as mulheres reunidas em coro durante o protesto.
#1deMayo #Trabajoras…aquí se respira lucha. pic.twitter.com/kfwMCf6eFU
— CDM (@CDMHonduras) 1 мая 2016 г.