Brexit: o medo e os jogos de poder contra as populações

© REUTERS / Neil HallHomem carrega uma bandeira da União Europeia depois do referendo britânico, Londres. Reino Unido, 24 de junho de 2016
Homem carrega uma bandeira da União Europeia depois do referendo britânico, Londres. Reino Unido, 24 de junho de 2016 - Sputnik Brasil
Nos siga no
Foi um acordar difícil, o de sexta-feira, para a realidade dos números do referendo realizado no Reino Unido.

Manifestantes protestam contra privatização de empresa em Portugal - Sputnik Brasil
Portugal: Bloco de Esquerda pedirá referendo se Bruxelas impuser sanções
A vitória do "sair" expôs toda a população a uma ideia de crítica à União Europeia que raramente consegue aparecer no espaço midiático e a primeira reação foi a imposição do medo como tabela de leitura sobre o que estava acontecendo. No entanto, aquilo que sai deste referendo é, em várias formas, mais complexo e precisa de análises mais profundas para o seu entendimento. Estarão os países da União Europeia, tal como Portugal, preparados para o enfrentar?

As várias maneiras de "sair"

Existem diferentes razões que levaram ao voto no "sair". Aquelas que são mais vezes exacerbadas na comunicação social são o populismo, a xenofobia, o racismo, o atentado ao multiculturalismo representado pela União Europeia. Esses foram, realmente, os temas que tiveram mais espaço nos debates e na campanha eleitoral, bem como a manipulação de dados financeiros que colocavam o Reino Unido como um país que sairia a perder da sua integração na União Europeia.

I vote Remain because I'm more in favor of love, peace and harmony than just splitting things up and not being very nice. Simple! - a voter in Edinburgh, Scotland. - Sputnik Brasil
Mais de 500 mil pessoas pedem para realizar um segundo referendo na Grã-Bretanha
No entanto, há uma verdade escondida por debaixo do barulho da mídia. A degradação dos direitos sociais no país, a perda de soberania sentida pelas populações que foram deixadas ao abandono daqueles seus representantes que mais os deveriam defender e, em última análise, a possibilidade de exercerem o seu poder de voto para dar face a um descontentamento que as eleições parlamentares acabam por esconder nas margens, sobretudo por estarmos perante círculos uninominais. 

É desta mescla de razões que o aviso à Europa se transforma em oportunidade para discutir a realidade da União Europeia e da sua ingerência constante na política e nas finanças dos Estados-membros, buscando uma nova realidade para a relação entre os povos europeus. Mas, há um pouco da imagem do que o poeta português, Alexandre O’Neill, escreveu um dia, "penso no que o medo vai ter e tenho medo, que é justamente o que o medo quer".

O discurso do medo, focado nas questões sociais, no racismo e na reação dos mercados, com novas ameaças de crise a atingir, como sempre, as classes sociais mais baixas, cria um nível de alarme que impede qualquer discussão.

Jogos de poder

A bandeira de Portugal durante manifestações de 25 de abril, 2016 - Sputnik Brasil
Brexit: partido português quer referendo no país
Não podemos ler os resultados do referendo como, apenas, uma nota divergente de um apoio incondicional à União Europeia, nem, muito menos, como uma reação descontrolada saída de uma consulta popular que é atingida por diferentes situações do eleitorado, encabeçadas pela idade, pela educação, pela morada ou pelo nível de riqueza dos votantes. Porque se as políticas do governo inglês, ao longo das últimas décadas, criaram uma diferença ainda maior entre os mais ricos e os mais pobres, as políticas de intervenção militar no quadro internacional, patrocinadas pelos ingleses e pelos países da União Europeia através da sua integração na OTAN, são as principais causadoras das ondas de refugiados que fazem crescer os casos de xenofobia na Europa.

Mas há mais. As políticas da União Europeia mantêm, como os próprios dados do Eurostat confirmam, um território europeu a diferentes velocidades. Mantemos realidades muito diferentes para cidadãos portugueses, búlgaros, croatas, franceses ou ingleses. A mobilidade de cidadãos no espaço europeu tem sido um poderoso instrumento de precarização laboral dos países mais ricos, porque conseguem ter mão-de-obra especializada através de poupanças na educação (são formados nos países mais pobres) e de baixas de salários (chegam dispostos a receber menos ou a trabalhar mais horas pelo mesmo preço). Enquanto essa realidade é profundamente favorável para as economias dos países mais desenvolvidos, deixam vítimas pelo caminho. Para os cidadãos ingleses, a baixa de condições de trabalho é uma realidade a que vêm assistindo ao longo dos tempos. A forma de votar neste referendo foi uma possibilidade de tentar castigar aqueles que deram origem a esta situação. 

Mas os jogos de poder não ficam por aqui. A reação acelerada de Alemanha e França a exigir que o Governo do Reino Unido seguisse o resultado do referendo acionando o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, deixa cair outro dado sobre toda esta história. A de que, afinal, há interesse dos restantes países poderosos na União de que o Reino Unido saia de cena. No mesmo dia de hoje, a Comissão Europeia volta a alimentar a ideia de que as sanções sobre Portugal e Espanha são possíveis. Em que ficamos, então? Será que o Brexit é mesmo o início do fim da União Europeia como a conhecemos ou apenas mais um episódio do aumento da espoliação dos mais pobres dentro de um quadro de integração europeia total?

Quem se foca apenas nas consequências poderá nunca vir a entender as causas.

A opinião do autor pode não coincidir com a opinião da redação da Sputnik Brasil

Feed de notícias
0
Para participar da discussão
inicie sessão ou cadastre-se
loader
Bate-papos
Заголовок открываемого материала