Além de Brasília, o Dia Nacional de Luta contra o Golpe levou milhares de pessoas às ruas em Recife, Fortaleza, Campina Grande e Salvador, onde foram armados telões para que os manifestantes pudessem acompanhar a fala da presidente afastada no Senado. No Rio de Janeiro, centrais sindicais e diversos movimentos sociais reuniram cerca de 10 mil manifestantes, segundo os organizadores, que saíram em passeata da Candelária até a Central do Brasil, no Centro do Rio, levando cartazes e faixas em defesa de Dilma e contra o governo interino.
A Sputnik Brasil foi buscar o sentimento dos grupos de esquerda em São Paulo e em Alagoas para saber quais as reações da fala da presidente e quais serão as estratégias em um eventual afastamento definitivo de Dilma da presidência. A palavra de ordem tanto entre o PSOL, em São Paulo, quanto na Via Campesina, em Alagoas é uma só: as manifestações contra o governo vão crescer para assegurar a manutenção de direitos trabalhistas e previdenciários ameaçados pela futura administração.
O presidente do diretório do PSOL em São Paulo, Joselício Jr., o Juninho, lembra que o partido sempre foi oposição ao governo Dilma, rebatendo a política econômica, o projeto de conciliação de classes, o diálogo com setores conservadores para governabilidade. Segundo ele, o partido sempre teve uma postura muito crítica, mas a partir do momento em que se viu a possibilidade do impeachment, a forma como foi arquitetado, o apoio foi dado, uma vez que não ficou comprovado no processo o crime de responsabilidade fiscal.
"Tudo que foi arquitetado foi um golpe institucional promovido pelos setores conservadores que criaram uma narrativa para justificar essa movimentação. O PT foi perdendo sua base de governo, mas nós nos posicionamos claramente contra o impeachment porque entendíamos que, do ponto de vista da democracia, era um grave erro a retirada da Dilma sem um crime de responsabilidade. Não consideramos as pedaladas fiscais uma justificativa para sua retirada."
Para Juninho, o processo de impeachment foi uma ação dos setores conservadores, que perderam nas eleições, para tentar retomar o poder.
"Se não é possível a Dilma retomar o governo, que a decisão seja tomada pelo povo e não a instalação de um governo golpista, que é uma caricatura do atraso, que não tem mulheres, não tem negros, representatividade e que representa o que há de mais retrógrado na política brasileira. Nossa estratégia vai ser a de continuar denunciando, encampando a bandeira do ‘Fora Temer’."
Para o presidente do PSOL em São Paulo, a saída seria uma consulta popular ou uma nova eleição presidencial, um plebiscito, uma nova eleição constituinte.
"Há várias propostas no campo da esquerda. A mais plausível seria uma nova eleição presidencial. Estamos bastante preocupados com o que pode vir e o pacote de maldades que está sendo articulado nessa política de congelamento na saúde, educação, revisar a CLT, a própria reforma da Previdência, questões que representam um profundo retrocesso para a classe trabalhadora."
No campo, a sensação e a preocupação são as mesmas. Débora Nunes, da coordenação nacional do Movimento do Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), diz que a discussão do impeachment vai trazer repercussões profundas nos próximos anos para a história do Brasil.
"Foi importante a ida da presidente ao Congresso para fazer sua própria defesa. Na fala aos senadores, ela traz o sentimento de milhões de brasileiros. A partir dos argumentos políticos ela consegue desmanchar o que tem sido o processo de impeachment, afirmando que não cometeu crime de responsabilidade, que não afrontou nem feriu a Constituição brasileira e colocando de forma muito clara para a sociedade o golpe parlamentar que está em curso e as consequências disso para toda a população."
Quanto às manifestações ocorridas nesta segunda-feira em várias cidades do país, Débora diz que elas são a forma legítima de reivindicar a decisão das urnas no que se refere ao mandato da presidenta Dilma.
"Há uma construção pela elite brasileira, da burguesia aliada ao capital internacional para concretização de todo esse processo e o afastamento da presidenta. Já que a decisão das urnas não tem sido respeitada pela classe política e pelo Congresso, são as ruas que vão levar essa voz e esse sentimento à população."
Apesar da confiança, e de que o quadro ainda esteja indefinido, Débora admite que é muito pouco provável a reversão.
"Isso foi muito bem articulado, apoiado pela grande mídia golpista, por isso talvez não haja uma mudança no desfecho. Isso não significa em nenhum momento que os movimentos sociais e a classe trabalhadora vão deixar de ocupar as ruas, até porque o afastamento definitivo da presidente não coloca um ponto final na crise que está instalada no Brasil. Uma crise econômica, social, política, de valores e moral. Com isso as manifestações vão ganhar ainda mais força porque o governo interino já tem sinalizado qual vai ser sua política e seu comportamento no que se refere ao que a classe trabalhadora conquistou ao longo dos anos."