Dos três países, a Venezuela foi a mais dura até agora, com o governo do presidente Nicolás Maduro anunciando o rompimento de relações políticas e diplomáticas com o Brasil e a retirada de seu embaixador. Rafael Correa, do Equador, classificou o afastamento de Dilma como "uma apologia ao abuso e à traição", enquanto Evo Morales confirmou a convocação do embaixador em Brasília. Cuba não convocou seu representante diplomático, mas em dura nota condenou o "golpe de estado parlamentar-judicial que se consumou contra a presidente Dilma". Do lado contrário, até agora, Temer só foi parabenizado pelos governos americano e argentino.
Em reação, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro divulgou nota em que lamenta e repudia os comunicados de Venezuela, Bolívia e Equador. "Os governos desses países reincidem em expressões equivocadas que ignoram os fundamentos de um Estado democrático de direito, como o que vige de maneira plena no Brasil. O governo brasileiro conclama as autoridades desses países a manterem a serenidade e a respeitarem os princípios e valores que regem as relações entre as nações latino-americanas", diz a nota.
Para Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), as reações dos três países não significarão um rompimento imediato a curto prazo, mas terão sérias consequências a médio prazo.
"A vitória do impeachment, desse golpe que derrubou a presidente Dilma, representa mais um elo do processo de enfraquecimento daquilo que eu chamava 'onda nacional estatista' que vinha caracterizando, a partir do final dos anos 90, vários países aqui da América do Sul. Tivemos primeiro a derrota eleitoral da Cristina Kirchner na Argentina e agora a substituição da Dilma pelo Temer."
Reis observa que Brasil e Argentina eram os governos mais moderados dessa onda, mas sempre representavam uma retaguarda importante para aqueles países mais decididos nesse processo que eram exatamente a Venezuela, a Bolívia e o Equador. Graças a isso, segundo ele, os atritos diplomáticos foram evitados.
"Não penso que isso vá levar a rompimento de relações diplomáticas. Nem em termos imediatos se deva esperar um aprofundamento das contradições. A médio prazo, porém, é possível esperar que as relações vão passar por um processo de tensão, porque a orientação desses três Estados mais o da Nicarágua e o de Cuba são completamente contraditórias com as orientações pelo governo atual brasileiro e pelo de Macri, na Argentina."
Na visão do especialista, isso vai ter repercussões negativas do ponto de vista do Mercosul.
"Não que eu pense que o Mercosul vai ser abandonado, pois ele tem uma política relativamente consolidada, mas não devemos esperar nenhum passo no sentido do aprofundamento da integração, que representava bem a orientação dos governos de Cristina Kirchner e Dilma Rousseff. Temos aí para o Brasil e a Argentina notícias de tempos mais difíceis, mais sombrios do ponto de vista dos interesses das camadas populares e de todas as políticas que almejavam fazer da América do Sul um continente integrado e soberano em relação aos ditames das grandes potências internacionais."
Para Reis, a cultura política nacional-estatista tem profundas raízes na América Latina, sobretudo na América do Sul.
"Ela não está liquidada, morta, tem reservas e está agora diante do desafio de se reinventar."