Nesta semana, a 4.ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou todas as condenações dos policiais militares estabelecidas pelo Tribunal do Júri entre os anos de 2001 e 2014. As penas aplicadas aos 74 policiais militares variavam entre 48 e 624 anos de prisão. O episódio da morte dos presidiários, que ficou conhecido como Massacre do Carandiru, aconteceu em 2 de outubro de 1992. Os presos se rebelaram e a Polícia Militar, cumprindo ordens do Governo do Estado de São Paulo, invadiu o presídio, entrou em confronto com os presidiários e deixou 111 deles mortos.
Massacre do Carandiru
— jornalistaslivres (@j_livres) 28 сентября 2016 г.
Não dá prá esquecer o que o Tribunal de Justiça quer apagar! pic.twitter.com/lKmF5YVPsS
Incisivo em seu julgamento, o relator dos recursos apresentados pelas defesas dos PMs condenados, Desembargador Ivan Sartori, afirmou que não houve massacre, que os policiais militares cumpriram ordens recebidas dos superiores ao entrar em confronto direto com os presidiários e que não havia como individualizar os atos, isto é, estabelecer com total segurança qual policial matou quais presos. Para o relator, os policiais exerceram seu direito de legítima defesa, e, se houve excessos, deveriam ter sido apurados.
Para o advogado criminalista Jonas Tadeu Nunes, professor de Direito Penal, a decisão dos desembargadores paulistas é técnica e juridicamente correta:
"O Direito é uma interpretação", diz o criminalista. "No meu entendimento, o voto do Desembargador Ivan Sartori, do ponto de vista jurídico, é totalmente correto. Numa situação como a ocorrida no Carandiru, é muito difícil, para não dizer impossível, individualizar cada ação. No caso, seria estabelecer com total segurança qual policial militar matou qual ou quais presos."
Jonas Tadeu Nunes indaga:
"Houve legítima defesa por parte dos policiais militares diante dos amotinados? Muitos advogados entendem que sim e que, no máximo, os PMs teriam de responder por eventuais excessos cometidos e comprovados contra os presos. As provas foram colhidas de modo a favorecer a acusação, e a pressão contra os policiais foi muito intensa. De modo que, na minha opinião, a decisão dos desembargadores foi justa. Se não é possível apontar com clareza e segurança quem cometeu crimes de homicídio, não há como, juridicamente, atribuir-se punição. A decisão dos desembargadores pode ser discutida sob várias outras óticas, mas, do ponto de vista do Direito, sem a necessária individualização dos fatos, ela é totalmente correta."
Parabéns ao TJ-SP que anulou processos sobre Carandiru e se colocou ao lado da PM e sociedade. C/ @BolsonaroSP . https://t.co/lXyQ5ii3Gx
— Jair Bolsonaro (@jairbolsonaro) 28 сентября 2016 г.
Já o advogado Marcelo Chalreo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, destaca:
"A situação é muito complexa. A Constituição Federal e diversas outras leis oferecem garantias no sistema jurídico brasileiro. São os chamados princípios garantistas. A decisão de anular as condenações pela chacina do Carandiru foi baseada neste conjunto de garantias: se não há meios seguros de individualizar ações que resultaram em mortes, não há como punir (no caso condenar) qualquer pessoa. Isso não aconteceu. Infelizmente, a acusação não pôde estabelecer quais policiais militares cometeram que tipo de delitos, e isto fundamentou a decisão dos desembargadores. Neste caso, o Estado não tem possibilidades jurídicas de punir quem é acusado de promover a chacina do Carandiru. Se não há individuação dos fatos, não há crimes a serem atribuídos. Se não há crimes, não há responsáveis, e, portanto, as sentenças condenatórias tiveram de ser anuladas. Isto comprova uma verdade sustentada por vários juristas: infelizmente, a Ciência Criminal é insuficiente para lidar com situações como esta que resultou na anulação de veredictos relacionados à chacina do Carandiru."