O festival termina no dia 9 para depois mudar para São Petersburgo, onde acontece de 11 a 16 de outubro. A programação completa está disponível no site da rede de salas Karo.
Tradução, turbulência política e momento histórico: leia a íntegra da entrevista com Fernanda Bulhões.
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Sputnik Brasil: Esta é a nona edição do Festival do cinema brasileiro na Rússia. A senhora preparou todas? Como a senhora estima o comportamento do público russo, houve alguma mudança ao longo destes anos?
Fernanda Bulhões: Na verdade, trata-se de um projeto criado por mim e apresentado ao Ministério de Relações Exteriores no Brasil em 2005. A primeira edição aconteceu em 2008, quando houve a comemoração dos 180 anos das relações entre Brasil e Rússia. Houve várias atrações de cultura brasileira e ali o projeto saiu do papel e ganhou as telas. A primeira edição foi bastante relevante e houve uma seleção de 20 filmes muito importantes até hoje no cinema brasileiro, como Cidade de Deus, Central do Brasil e tantos outros expressivos e conhecidos mundialmente. Assim começou o Festival. A proposta inicial era trazer filmes da retomada do cinema brasileiro, que se deu a partir da segunda metade dos anos 90. Foi um sucesso. Em relação ao comportamento do público, creio que a mudança mais significativa se dê por meio do interesse. O cinema brasileiro foi mudando ao longo dos anos e a reação do público igualmente. O público também foi aumentando. Em sua grande maioria, é formado por russos que amam o Brasil mesmo sem nunca ter ido ao nosso país. E o que é mais interessante: muitos falam o português, são autodidatas na língua. Uma diferença substancial é a frequência, que aumenta ano a ano. Não por acaso, este ano o Festival acontece pela primeira vez na Rede Karo, onde temos possibilidade de acomodar muito mais pessoas e com uma visibilidade muito maior.
S: Como foram escolhidos os filmes deste ano? Qual deles é o seu predileto — e por que?
FB: Para chegar a esses 13 filmes, começamos a seleção já em novembro do ano passado. Assisti mais de 50 filmes para chegar a esses. Todos os anos o processo é similar: assisto dezenas de filmes brasileiros, produzidos recentemente, para chegar à escolha final. É uma mostra representativa de nossa produção contemporânea. Ano passado o Brasil bateu seu recorde de produção de longas metragens. Foram 129. Nosso critério fundamental, além dos pontos como roteiro, direção, interpretação, é a qualidade. Além disso, sempre é importante mostrar a diversidade do cinema brasileiro, entre dramas, comédias, suspenses, biografias, documentários, animação e romances. Durante muito tempo, no passado, o Brasil exportou para o mundo uma ideia esteriotipada a partir do tripé futebol, mulheres lindas e carnaval. Queremos mostrar a grande complexidade da sociedade brasileira, dramas sociais, casos de superação, histórias bem contadas. Também temos o cuidado de mostrar a riqueza natural do Brasil. No festival deste ano, por exemplo, praticamente todas as regiões estão representadas, dos grandes centros urbanos às paisagens bucólicas do sul, da periferia de Manaus, na Amazônia, ao sertão do Nordeste. Dentro desse conceito, não posso escolher um preferido. Todos merecem ser vistos por suas qualidades, já reconhecidas em premiações de todo o mundo.
S: Qual foi o maior desafio ou dificuldade relacionado ao festival que a senhora já experimentou?
FB: Certamente nossa grande preocupação sempre foi conseguir a melhor fidelidade possível na tradução. Todos os países têm algumas expressões muito peculiares e a tradução para o russo deve refletir a essência do que a linguagem quer passar. Nesse sentido acredito que estamos melhorando ano a ano. Sempre perguntamos muito ao público na saída das sessões se gostaram do filme e se a legendagem em russo estava boa. Claro, quem melhor pode afirmar são aquelas pessoas que falam as duas línguas e podem comparar. E o feedback é cada vez melhor.
S: A turbulência política que o Brasil vive no momento atual está afetando de alguma maneira a indústria cinematográfica do país?
FB: Não acredito que afete. Até o momento, todas as linhas de financiamento público dedicadas à indústria do cinema estão mantidas. Isso não deve nem pode mudar. Acho, sim, que o momento pelo qual passa o Brasil pode render excelentes roteiros que vão muito além de mostrar esse importante período de nossa história.
Muitas relações pessoais foram afetadas entre amigos e até familiares pelo simples fato de estarem de lados opostos politicamente. Quem souber expressar esse momento no cinema, a partir das idiossincrasias de cada um, vai fazer um filme excelente.
S: Como a senhora comentaria a situação com a substituição do filme brasileiro candidato para o prêmio Oscar?
A comissão que elege o filme brasileiro candidato ao Oscar é composta de 9 jurados, nomeados pelo Ministério da Cultura, que optou por um filme que, de fato, não era o favorito. Mas a decisão da comissão deve ser respeitada.
Esperamos no ano que vem trazer para Moscou os dois filmes envolvidos nessa polêmica: "Pequeno Segredo", que acabou sendo o indicado e estreia para o público no Brasil em novembro, e "Aquarius", que já tinha em sua trajetória a seleção oficial para o Festival de Cannes de 2016.
S: Os filmes mostrados no festival chegarão depois a um público mais amplo? Existe algum programa de promoção de filmes brasileiros na Rússia e em outros países?
FB: No Brasil existem diversos programas de incentivo para que os filmes brasileiros ganhem o mundo, sejam fomentados pelo Governo Federal ou por estados e municípios, participem de festivais e se tornem mais conhecidos e respeitados pela crítica. Praticamente todo longa-metragem quando é finalizado já cede seus direitos de comercialização para uma distribuidora internacional, a quem cabe o trabalho de buscar as oportunidades. O Brasil tem avançado nesse campo também e alguns dos seus filmes têm ganhado salas comerciais de exibição em várias partes do mundo.
S: Como a senhora descreveria o cinema brasileiro contemporâneo como um todo?
FB: O cinema brasileiro vive hoje um de seus principais momentos da história, em qualidade e quantidade. E o que é melhor: há muita gente jovem começando a fazer cinema, seja na direção, roteiro, montagem, artistas… Ao mesmo tempo em que deve reverenciar seus consagrados diretores, o cinema brasileiro também deve abrir as portas para uma nova geração de talentos que chega agora ao mercado. Essa transição é fundamental. E isso vale para tudo. Não apenas no cinema.