No último final de semana, o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, participou de um seminário em São Paulo em que o papel da imprensa, sobretudo escrita, era o foco das atenções. Na ocasião, Ciro Gomes falou dos órgãos de comunicação, sobre os jornalistas, e teceu várias considerações sobre os políticos, entre os quais três presidentes da República. Michel Temer foi classificado como "golpista"; Luiz Inácio Lula da Silva como "alguém que se descolou da realidade e que começou a brincar de Deus, a se autorizar a praticar todo tipo de coisas intoleráveis"; e Fernando Henrique Cardoso como "traidor do país".
A propósito dessas declarações, o ex-Governador Ciro Gomes, que foi ministro da Integração Nacional no Governo Lula e ministro da Fazenda no Governo Itamar Franco, concedeu entrevista exclusiva à Sputnik, na qual confirmou aquelas declarações, mas com a ressalva: "Fiz comentários sobre aquelas pessoas dentro de contextos próprios. Mas o que mereceu destaque [na mídia] foram apenas as frases isoladas."
Na entrevista à Sputnik, Ciro Gomes teve oportunidade de contextualizar todas as suas declarações. Além disso, ele confirma ser pré-candidato à Presidência da República em 2018, pelo PDT, e prevê uma disputa muito competitiva "entre quatro a cinco até seis candidatos, principalmente se Lula não concorrer".
A seguir, a entrevista exclusiva com Ciro Gomes.
Sputnik: Governador, são de fato suas as declarações produzidas no último domingo, de que o Presidente Michel Temer é golpista; de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso é um traidor do país; de que Lula está em final de carreira política e de que o ministro das Relações Exteriores, José Serra, está senil?
Ciro Gomes: Sim, embora eu tenha falado cada uma dessas coisas num contexto de uma hora e meia de reflexão provocada por um seminário de jornalismo que reuniu a Globo News e a revista Piauí, que é uma revista que dá um pouco mais de profundidade às suas análises, embora nesse episódio a edição só extraiu essas pequenas frases e conceitos que são todos antigos, nenhum deles é novo, mas postos assim, juntos, parece que eu fui para lá só para atacar tudo e todos, o que não é bem a minha questão. Estou refletindo estrategicamente a questão brasileira, e, provocado individualizadamente pela jornalista que me entrevistou, emiti, repetindo, a propósito, tudo o que penso dessa gente.
S: Por que o senhor considera o Presidente Temer golpista?
CG: Porque no presidencialismo, assim como está escrito na Constituição brasileira, só há a possibilidade de ruptura da normalidade do mandato presidencial dado o cometimento pelo presidente da República, ele mesmo, sem ser terceiros, de forma dolosa, ou seja, consciente, do crime de responsabilidade como tal descrito na lei. E crimes de responsabilidades são excepcionalidades gravíssimas, tais como ter traído o interesse estratégico da nação a serviço de nações estrangeiras, etc. Nem o mais vil dos opositores da Presidenta Dilma, nem sequer o procedimento formal que foi levado à deliberação pelo Senado, ousou sequer remotamente acusar a presidente da República de crime de responsabilidade. Ela foi acusada, e derrubada, pelo cometimento de irregularidades contábeis praticadas por terceiros, porque é evidentemente inimaginável para quaisquer das pessoas e muito mais para mim – que tenho 36 anos de vida pública, já manejei o orçamento da União, o orçamento do oitavo Estado brasileiro, da quinta cidade brasileira – que o presidente da República, ele mesmo, ao assinar um decreto de suplementação protocolar, burocrático, de um orçamento que tem 50 mil rubricas, vai ele próprio exercitar um juízo consciente de que aquilo é ou não regular. Evidentemente, fica flagrante para qualquer pessoa que houve um golpe de Estado no Brasil.
S: O senhor de fato considera o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso traidor?
CG: Na medida em que eu o ajudei a ser presidente da República; na medida em que fui cofundador do PSDB; primeiro governador eleito pelo partido na história do PSDB, e vi aquilo que era o nosso compromisso que ajudei a escrever, vis-à-vis comparado com a prática dele no Governo, evidentemente, para mim, ele traiu tudo que escreveu, tudo que falou e tudo com que se comprometeu, além de administrar uma economia política que quebrou o país três vezes.
S: Sobre Lula, o senhor disse que ele começou a brincar de Deus, descolou-se da realidade, e que a carreira política dele estaria chegando ao fim. Estas suas afirmações estão relacionadas à situação jurídica do ex-presidente?
CG: Não propriamente à situação jurídica, que eu examino também como professor de Direito, e até o presente momento eu não vejo um único nexo que extrapole da imoralidade, da frouxidão moral, que infelizmente parece haver, para a questão do cometimento de crimes à luz da legislação brasileira. Evidentemente, se as acusações forem a propriedade de um tríplex que teria sido recebido como vantagem indevida em função de facilitação de negócios de uma empresa privada, não vejo ali nenhum elemento que demostre essa culpa. Se a culpa for a propriedade de um sítio que teria sido também reformado por empresas que teriam feito essas reformas em nome de vantagens indevidas, também aí não vejo o nexo de culpa sob o ponto de vista da legislação brasileira. Posso ver imoralidades e as vejo, porém o que eu penso do Presidente Lula é expresso na minha posição política de décadas no Brasil.
S: O senhor é pré-candidato do PDT à Presidência da República em 2018, mas há poucos dias cogitou-se que o senhor poderia compor uma chapa com Lula: o senhor como presidente e Lula como vice. Há algum fundamento nessa especulação?
CG: Nenhum fundamento, por duas razões muito simples: o Lula é muito maior do que eu, portanto não aceitaria naturalmente ser meu vice, e eu não concordo com as posições recentes que o Presidente Lula tomou, e portanto não aceitaria ser dele vice.
S: Qual o panorama político que o senhor antevê para 2018? Neste momento, quais seriam as candidaturas possíveis, além da sua?
CG: Como eu vejo como um fim de ciclo, nem afirmo que eu serei mesmo candidato. Admito a ideia de ser, meu partido tem pedido que eu aceite a ideia de uma pré-candidatura. Tenho circulado o país, tenho, enfim, ocupado essa audiência que me expõe a determinadas incompreensões e a muitos antagonismos para que o país tenha algum equilíbrio no debate nesse momento em que eu considero que o país está, sob um golpe de Estado. E em que a nossa Constituição está sendo revogada sem audiência popular, com gravíssimas sequelas para o futuro da nação brasileira, inclusive e especialmente no contexto internacional. Porque há um desalinhamento do Brasil, de um esforço histórico, recente, que nós fizemos para nos situarmos num esforço global de uma ordem multipolar, centrada na paz, na solução pacífica dos conflitos, na não intervenção em assuntos domésticos, que é o Mercosul, num primeiro momento, nossa convergência à Unasul, num segundo momento. E, acima de tudo, a constituição dos BRICS, que para nós tem uma importância absolutamente estratégica, potencialmente. E tudo isso está sendo desmontado sem qualquer audiência da sociedade brasileira. Por isso eu admito a ideia de ser candidato, porque é necessário postular as coisas. Respondendo objetivamente: como é um fim de ciclo, acredito que haverá uma imensa fratura no processo político-partidário brasileiro. Já somos muito fraturados partidariamente, mas as grandes coalizões, desta feita, não parece que acontecerão. Acho que haverá até seis candidatos competitivos, especialmente se o Lula, como eu imagino, não for candidato.