A tragédia aconteceu quando Portugal vivia um bom momento econômico, impulsionado pelas recentes descobertas do outro lado do Atlântico, e impactou fortemente a sociedade provocando mudanças políticas e sociais. Lisboa, a grande cidade mais próxima do epicentro do tremor, foi a mais afetada. A tragédia de 1755 é lembrada até os dias atuais com missas e homenagens às vítimas na data que coincidentemente é feriado no país.
Todos estão aguardando um novo terremoto devastador como aquele e essa preocupação é compartilhada pelas autoridades. Frequentemente há simulações de evacuação e treinamentos especiais para as forças nacionais. Os especialistas aproveitam a data para alertar que Lisboa não está preparada para um novo tremor.
A possibilidade de um terremoto como o de 1755 ocorrer de novo é real, segundo os especialistas. No entanto, cientificamente não há como prever se e quando vai ocorrer. A crença popular, por outro lado, já anda anunciando sintomas de que o tremor está próximo. "Nos dias que antecederam o sismo de 1755 também fazia muito calor como agora", adverte um senhor português, enquanto comentava o calor das últimas semanas em Lisboa.
Todos no bar de ginjinha onde o comentário foi ouvido concordaram preocupados. Com o assunto posto, não faltam histórias que ouviram dos avós sobre aquele 1ª de novembro de 1755. Um comenta que o cheiro era insuportável nos dias que se seguiram à tragédia. Outro menciona que muitos morreram porque se refugiaram na Praça do Comércio, justo ao lado do Rio Tejo, e acabaram sendo os primeiros atingidos pelo inesperado tsunami.
Cristina conta que se reuniu com o presidente da Câmara de Norcia, cidade que fica a 12km de Amatrice e foi o epicentro do terremoto de 24 de agosto, e soube que nesta cidade não foram registradas mortes nem pessoas feridas. "Ocorreram alguns danos em edifícios, mas não houve colapso algum. Em Amatrice, a vila ficou arrasada. A razão desta diferença reside numa única questão: preparação", argumenta.
Segundo Cristina, há 40 anos que Norcia aplica um plano de restauro e reforço estrutural a nível do município que deu os seus frutos. Ela exalta que as estruturas resistiram o suficiente para poupar vidas. Há desalojados, mas não há mortes a lamentar.
Na opinião da professora, a cidade italiana é um exemplo de preparação. "Há muito a aprender com esta postura. E quanto mais cedo o fizermos, mais frutuoso será", diz. Ela conta que estava em Greccio, a 80 km do epicentro do tremor registrado em 26 de outubro, quando “primeiro ouviu-se o som, um rugido da terra, seguiu-se a vibração dos vidros e do edifício. O tremor parou e os candeeiros continuaram a oscilar por algum tempo. Não houve quaisquer danos no local onde me encontrava".
Cristina Oliveira, que também esteve no Japão após o terremoto de 2011, explica que os objetivos dessas visitas é avaliar e registar os danos nas estruturas reforçadas e não reforçadas das cidades. Estes dados permitem obter informações aprofundadas sobre quais as técnicas de reforço estrutural mais adequadas para a ação sísmica. Os especialistas acreditam que as autoridades devem investir em prevenção e de preparação da sociedade para a ocorrência de terremotos de elevada magnitude e isso inclui Portugal, que apesar da sua ação sísmica moderada, já registou fenômenos sísmicos intensos.
"Pode ocorrer um sismo de magnitude muito alta a qualquer hora", explica Cristina. Ela ressalta a necessidade de evitar as consequências com um trabalho de prevenção e afirma que Lisboa não está preparada para resistir a um forte terremoto. A professora alerta que se acontecer em Lisboa um sismo igual aos que aconteceram na Itália a cidade será novamente arrasada.
A tragédia contada por quem estava lá
Na semana que o terremoto completou 261 anos, a Câmara Municipal de Lisboa divulgou trecho do livro de recordações do industrial Jacome Ratton, no qual ele relata o momento do terremoto. Leia alguns trechos:
O tremor
"Ao sentir o primeiro abalo me ocorreram muitas reflexões tendentes a salvar a minha vida, e não ficar sepultado debaixo das ruínas da própria casa, ou das vizinhas, se descendo as escadas fugisse para a rua; mas tomei o partido de subir ao telhado, nas vistas de que abatendo a casa eu ficasse sempre superior às ruínas. Já quando eu tomei este expediente era tanta a poeira, que, à maneira do mais denso nevoeiro, impedia a vista, a duas braças de distância; só passados alguns minutos, que a dita poeira se foi dissipando, é que eu pude ver o interior das casas vizinhas, por terem caído as paredes fronteiras, até aos primeiros andares, ficando os telhados apenas sustidos pelas paredes divisórias".
O desespero
"Seus habitantes, alguns ainda em camisa, correndo espavoridos de uma a outra parte imprecavam os auxílios do Céu, e dos homens, em seu socorro. À vista desta horrível cena, me resolvi descer as escadas, e fugir para a rua, a fim de buscar alguma parte aonde me julgasse mais seguro".
O tsunami
"…lhes pedi que me acompanhassem para o largo mais próximo, que era ao fundo da Rua do Alecrim; (…) e seguimos a Rua dos Remolares por cima de entulhos, e muitos corpos mortos, até à beira-mar, aonde nos julgávamos mais seguros. Pouco depois de ali termos chegado, assim como muita gente, se gritou que o mar vinha saindo furiosamente dos seus limites: fato que presenciamos, e que redobrou o nosso pavor, obrigando-nos a retroceder pelo mesmo caminho"…
As chamas
"O descampado daquele alto dava lugar a descobrir-se a cidade por todos os lados, a qual, logo que foi noite, apresentou à vista o mais horrível espetáculo das chamas que a devoravam cujo clarão alumiava, como se fosse dia, não só a mesma cidade, mas todos os seus contornos, não se ouvindo senão choros, lamentações, e coros entoando o Bendito, ladainhas, e Miserere".