O tsunami de lama que vazou da barragem destruiu toda a vida natural existente ao longo de 650 quilômetros de extensão do rio Doce até o mar. E o mais grave acidente da história da mineração mundial matou 19 pessoas.
A lama e o abandono de Mariana foram retratados pelas lentes do fotógrafo e arquiteto paulista Cristiano Mascaro, e as imagens da tragédia estão em exposição no Rio de Janeiro.
Numa parceria entre a revista 'Piauí' e o Instituto Moreira Salles, o trabalho de Cristiano Mascaro se transformou na exposição 'A Lama: de Mariana ao Mar', aberta no Paço Imperial, no Centro do Rio de Janeiro e que conta em imagens um pouco sobre a história daquele desastre ambiental.
Em entrevista exclusiva para a Sputnik, Cristiano Mascaro conta que o contato que teve com a região afetada pelo acidente aconteceu em maio deste ano, quando a tragédia completava cerca de sete meses. O fotógrafo foi convidado a participar de uma reportagem especial da revista 'Piauí', que seria realizada pela jornalista Consuelo Diéguez. O trabalho contou ainda com a participação de seu filho, Pedro Mascaro, engenheiro e também fotógrafo, especializado em imagens aéreas, feitas através de drones.
Pelo tempo já transcorrido do acidente em Minas Gerais, Cristiano conta que inicialmente achou estranho o convite, mas, quando chegou lá, logo de início viu as dificuldades para se chegar a Bento Rodrigues, que estava com visitações controladas pela Defesa Civil, porque a região 'virou atração turística'. "A pauta era justamente mostrar como estava a situação tanto tempo depois e o que tinha mudado para melhor ou pior. Nós já sabíamos muita coisa a respeito, porque foi uma tragédia tão chocante, com uma dimensão tão grande. Chegando lá, a nossa primeira ansiedade era visitar Bento Rodrigues, mas quando chegamos a Mariana ficamos sabendo que as visitas eram controladas pela Defesa Civil, com uma certa razão, porque todo mundo para a fim dr ver a tragédia, e aquilo tinha virado atração turística, uma zona que continuava sendo de alto risco. Descobrimos que a próxima visita a ser agendada só aconteceria uma semana depois."
O fotógrafo diz que a espera acabou sendo proveitosa, pois foi possível percorrer a região ao redor da área mais atingida pela lama.
"A espera foi muito útil porque nos permitiu visitar durante vários dias toda aquela região em torno da área que foi a mais atingida, que é desde Bento Rodrigues. Depois fomos a Paracatu e Gesteira, onde há uma hidrelétrica que também segurou uma quantidade enorme de barro, que de outro modo teria invadido o rio Doce rio abaixo. Depois de uma semana conseguimos ir até Bento Rodrigues, e então seguimos em direção ao rio Doce, onde começamos a não entender como é possível estar degradado um rio da dimensão do Doce, enorme, belo, que atravessa uma região de mais de 600 quilômetros até o mar. A água era cor de chocolate. Eu não sei como havia tanto barro, e mesmo com chuvas, afluentes e nascentes ao longo do curso a água não estava limpa."
Cristiano lembra ter ficado impressionado com o fato de que até aquela ocasião ninguém ainda sabia como se daria a recuperação do rio. "Eram várias versões: daqui a três anos estará tudo normal; outros falavam não, só daqui a 30 anos. Ninguém sabia nada, nem os políticos, nem os cientistas, nem os experts em natureza."
Uma preocupação do fotógrafo era não retratar a tragédia com imagens clichês, “só para vender revista”. Por isso, ele focou nos detalhes das histórias deixadas para trás, daquelas famílias que perderam tudo no desastre. "A primeira preocupação minha quando fomos chamados para fotografar era não tornar a tragédia em belas fotos. Do ponto de vista jornalístico, é fundamental. Não interessa se é uma grande tragédia, se há morte ou não há. Isso tem que ser coberto e divulgado através da imprensa. Mas eu tinha um certo receio porque sempre há essa ideia de que são belas fotos que as pessoas vão consumir, e de certa forma virar obra artística. Eu achava que a matéria tinha que ser algo evocativo e mostrar a permanência dessa tragédia. É muito triste, pois aquelas pessoas perderam o passado, o presente e o futuro. Elas não sabem para onde vão. Elas tiveram, em uma fração de minutos, de sair correndo de casa."
Entre roupas, móveis e eletrodomésticos na lama, Cristiano Mascaro foi recriando nas imagens o passado, o presente e o futuro das vítimas.
"Eu fui fotografar o tubo de pasta de dentes que sobrou na lama. Assim, a exposição e toda a matéria ficaram focadas um pouco nesses detalhes, que dão a dimensão do desespero. Eu vi roupa, um corpete com pedras que brilhavam que deveria ser uma roupa de festa de alguma moça enterrada na lama, e vi televisão e geladeira de pernas para o ar. Não pegamos as fotos mais chocantes, que foram feitas nos dias seguintes à tragédia. A coisa já estava consolidada, infelizmente. O que permaneceu mesmo foram a lama e o abandono daquelas casas todas."
O fotógrafo lamenta que o Brasil não seja um país que se previna para se recuperar rapidamente de tragédias, o que dificulta, um ano após o acidente, ver um futuro ainda para Mariana. "O Brasil não tem uma cultura de prevenir essas tragédias, ao contrário do Japão, por exemplo, um país sempre em risco de terremoto, maremoto, tsunami. Lá, quando houve o último tsunami, em uma semana eles estavam consertando uma autoestrada, e logo estava pronta. O que assusta um pouco é que em Mariana nada aconteceu. Tem muita lama, que a Samarco foi empurrando para lá e para cá, porque não há quantidade de caminhões que retirem tudo aquilo, e para colocar onde, uma lama que ninguém também soube me dizer se é venenosa. Se as pessoas ainda podem tomar banho de rio, se podem comer o peixe. Ninguém sabe nada."
Depois de ter realizado uma triste aventura ao lado do filho, que desde criança o acompanhava como ajudante informal, Cristiano Mascaro afirma que a experiência deixou muitos ensinamentos.
"São coisas de que nós não esquecemos mais. Foi uma retomada importante, para mim, estar com o Pedro [o filho] já adulto fotografando e vivendo um pouco toda essa tragédia terrível, para entendermos um pouco também como é o Brasil, que torcemos para que dê certo. Foi muito importante viver essa aventura com ele durante 15 dias naquela região de Mariana até o mar, até Regência. Como decorrência da reportagem que fizemos na revista 'Piauí' de julho veio ainda essa exposição que também expande um pouco e conscientiza o visitante e o brasileiro para a dimensão dessa tragédia."
A exposição 'A Lama: de Mariana ao Mar', no Paço Imperial, no Centro do Rio, fica aberta ao público até o dia 20 de novembro, de terça a domingo, de 12h às 19h. A entrada é gratuita.