O rio Doce recebeu 18 milhões dos 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos que desceram do complexo da mineradora Samarco.
Na tragédia de Mariana, que está completando um ano, o tsunami de lama que vazou após o rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro de Fundão, da Samarco, um empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S. A. e a anglo-australiana BHP Billiton, destruiu toda a flora e a fauna existentes no rio Doce, que era utilizado para a sobrevivência de milhares de famílias.
Em 1.º de novembro deste ano o Instituto Estadual de Florestas publicou no Diário Oficial de Minas Gerais uma portaria que proíbe a pesca profissional nos rios estaduais afluentes de toda a bacia do rio Doce, nos limites de Minas Gerais. A medida acata recomendação expedida pela Ministério Público de Minas Gerais por meio do Grupo Especial de Defesa da Fauna. A decisão foi tomada após pedido dos pescadores da região e visa a preservar a fauna aquática para repovoar o rio Doce.
De acordo com o documento, "o rompimento da barragem de Fundão, que inundou o rio Doce com lama de minério, causou alterações adversas das características do meio ambiente, afetando negativamente a fauna, com piora da qualidade da água do rio, mortandade de peixes e da vida aquática."
Segundo o Ministério Público de Minas Gerais, o acidente prejudicou também as atividades sociais e econômicas, como a pesca, o que poderá resultar no aumento da atividade nos afluentes do rio Doce com o fim do período de defeso da piracema, época de reprodução dos peixes.
Na portaria consta ainda que serão permitidas somente a pesca científica, desde que devidamente autorizada, e a pesca amadora, na modalidade de pesque e solte.
Ainda de acordo com o Instituto Estadual de Florestas, as ações sobre a interrupção da pesca profissional em toda a bacia do rio Doce serão revistas "à medida que novos estudos técnicos e científicos comprovem a recuperação populacional das espécies do rio Doce e forneçam subsídios para melhor compreensão de aspectos da fauna aquática, com a finalidade de ajustar as medidas de regulamentação para o seu uso sustentável."
Em entrevista exclusiva à Sputnik, Rodolfo Zulske, presidente da Colônia de Pescadores Z-19, em Governador Valadares, e representante de cerca de 500 pescadores do Leste de Minas Gerais, disse que a atividade pesqueira na região é praticamente nenhuma, devido à extinção das principais espécies da região. De acordo com dados do Ministério Público Federal, 29.300 carcaças de peixes foram coletadas ao longo dos rios Carmo e Doce, correspondendo a 14 toneladas de peixes mortos, mas Zulske garante que a mortandade foi muito maior.
"Peixe no rio Doce, na parte do Leste Mineiro, é quase que zero. Só tem as unidades que voltaram dos afluentes. Quando o barro desceu, veio com uma densidade muita alta no nosso trecho, matando realmente. As quase 14 toneladas citadas pelo Ministério Público Federal de mortandade, eu posso dizer que no Leste Mineiro morreram foram centenas de toneladas. Isso aí é piada. Só em um trecho de 200 metros do lago Jaguari eu juntei com dois pescadores, em duas horas, um dia depois daquela lama que estava passando, nós recolhemos, entre peixes se debatendo para morrer e outros na superfície, nós retiramos 700 quilos de peixes de grande porte."
Rodolfo Zulske ainda ressalta que a questão da poluição do rio Doce na região já é antiga, por conta da falta de fiscalização dos órgãos públicos. "A empresa, a Samarco em si, ela realmente matou o nosso peixe, mas nosso quadro aqui de poluição no Leste Mineiro, em questão de proteção ambiental, por órgãos ambientais, é bem fracassada. Nós temos um potencial muito grande de poluição, mesmo que nós tínhamos um potencial muito grande de peixes na região."
Preocupados com o risco de extinção de espécies de peixes que foram dizimadas pela onda de rejeitos de minério da barragem da Samarco, os pescadores da Colônia Z-19 procuraram o Ministério Público em dezembro de 2015, pedindo que fossem adotadas providências para proibir a pesca em alguns pontos dos afluentes do rio Doce, para proteger as espécies ali existentes, assegurando sua sobrevivência e a possibilidade de reintrodução no rio.
Um ano depois da tragédia, essa ainda é a luta dos pescadores, que desde o desastre não têm condições de viver mais da pesca, segundo Zulske.
"Impossível, o Leste Mineiro não tem biodiversidade para poder ter atuação de pesca correta mais não, por enquanto não. Não é questão de lama, mas algumas espécies nossas foram dizimadas, como o caçu da laje, o vermelho e outros. Na verdade, vai ter que fazer a reintrodução das espécies."
O presidente da Colônia Z-19 explica que hoje os pescadores estão sobrevivendo apenas com a indenização de um salário mínimo, que tem sido pago pela mineradora Samarco, o que, de acordo com Rodolfo Zulske, é um valor insuficiente para muitos que como ele conseguiam retirar da pesca uma quantia muito superior. Só em outubro de 2015, por exemplo, Zulske disse que ele e a mulher teriam pescado o equivalente a R$ 11 mil. "A empresa está pago um salário, cesta básica e dependentes para a categoria atingida, mas para alguns o salário é bem abaixo da verdade. No meu caso principalmente, em outubro do ano passado eu tive uma captura documentada com nova de 1.200 kg, por exemplo, de peixe, que dá em torno de R$ 11 mil. Esse pagamento vai ter que ser feito a longo prazo, porque no Leste Mineiro vai gastar alguns anos para fazer a reintrodução dos peixes e melhorias. De três a seis anos isso aí não melhora não. Enquanto não fizer a reintrodução correta dos peixes, eu calculo uns quatro, cinco anos depois para poder voltar as atividades da pesca novamente."
Sobre o futuro, o presidente da Colônia de Pescadores Z-19 do Leste Mineiro espera que a Samarco revise a questão das indenizações e que realize melhorias no que diz respeito à poluição do rio.
"É o que nós esperamos da empresa, melhorar as questões de mata ciliar do Leste Mineiro todo, da base do rio Doce toda, afluentes, e outras melhorias, até como compensação e mitigação, porque se formos esperar por prefeituras e o Estado poderá ficar um fracasso a longo prazo."
Em outubro, o Ministério Público Federal denunciou 21 pessoas por homicídio doloso, ou seja, quando se assume o risco de cometer o crime, pela tragédia do rompimento da barragem de mineração em Mariana. Também foram denunciadas as empresas Samarco e as controladoras Vale e BHP Billiton por nove tipos de crimes contra o meio ambiente, que envolvem crimes contra a fauna, a flora, crime de poluição e contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.
A Samarco e a Vale ainda são acusadas de três crimes contra a administração ambiental. Já a empresa VOGBR Recursos Hídricos e Geotécnica e um de seus engenheiros, Samuel Paes Loure, são acusados de emissão de laudo ambiental falso, atestando que a estrutura da barragem de Fundão que se rompeu tinha estabilidade.