A definição foi cunhada pela advogada Patrícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital e idealizadora do Instituto iStart, de Ética e Segurança Digital. Em entrevista concedida à Sputnik nesta quinta-feira, ela explicou que em um ambiente com mais de 5 bilhões de pessoas conectadas – como é o caso da Internet – o uso pode ter efeitos distintos.
“Com toda certeza é algo novo a se lidar com esses desafios digitais. O jovem fica assim mais acessível e você pode acabar tendo contato com uma pessoa do bem ou do mal. No caso de um desafio [como o da Baleia Azul], ele começa parecendo para aquele que participa como algo no qual ele está no controle”, analisou Patrícia.
“A escalada dos desafios digitais e o aumento da periculosidade é que eles começam parecendo uma brincadeira inofensiva e escalam rapidamente para colocar em risco a vida da pessoa, sem chance de socorro para ela, que por sua vez está em um espaço fechado, sem alguém por perto que a acuda”, emendou.
Parte do problema repousa no conceito que a especialista define como “menor abandonado digital”, no qual a criança ou o adolescente é protagonista sem qualquer supervisão.
“A Internet é a rua e você não deixa o seu filho solto na rua”, disse Patrícia. Ela explicou que deixar um menor sem qualquer tipo de supervisão pode trazer consequências para os pais e demais responsáveis, uma vez que no âmbito jurídico isso pode ser caracterizado como omissão. “O que o adolescente está fazendo? Essa responsabilidade pode recair sob o adulto que deveria estar de olho, vigilante”.
Lei e prevenção
Outra responsabilização é a da ação, e esta cabe a quem alicia e explora crianças e jovens em desafios virtuais. “Se você deu uma ordem, um comando, você vai responder por responsabilidade de ação que causa dano, podendo chegar inclusive a homicídio culposo se colocar em risco à vida de outra pessoa”, explicou a especialista.
Embora possua uma legislação recente voltada para a Internet, o Marco Civil, o Brasil ainda carece de políticas públicas e educacionais voltadas à população em geral, na opinião de Patrícia.
“É preciso campanhas para mobilizar a sociedade civil, para mostrar como é possível viver com mais segurança digital – algo inclusive previsto no Marco Civil da Internet. Desde 2014 (quando da aprovação da legislação mais recente) não vimos o Estado brasileiro promover campanhas educativas, o que é de sua responsabilidade. Não vimos campanhas como as que existem para o trânsito, para a saúde pública. E há essa necessidade, para o cidadão não cair em golpes ou se encantar com esses jogos de desafio”.
Se essa medida de caráter preventivo não está à altura das necessidades expostas por desafios como o da Baleia Azul, o poder de investigação também precisa ser melhorado no país.
“A gente não pode achar que a Internet é uma terra sem lei. Nós temos o Marco Civil da Internet que colabora no processo de coleta e investigação de provas. Hoje há esse dever de coleta para responsabilizar alguém […]. O combate ao crime digital após já ter ocorrido demanda aquisição de tecnologia para capacitar a polícia, que por sua vez precisa pegar o criminoso em flagrante. E isso precisa melhorar no Brasil. Se não for rápido, tanto a coleta de prova e perícia, o bandido pode acabar escapando”.
Se envolveu? O que fazer?
Para quem esteve ou está envolvido com desafios online, as dicas da especialista são simples, mas demandam vigilância e responsabilidade.
“Para uma mãe que identifique que o filho se envolveu em um desafio digital perigoso é necessário isolar o equipamento pelo qual se deu a interação, seja um celular, um tablet ou um computador. Para a coleta de provas isso é fundamental e o filho, por vergonha, pode apagar o conteúdo. Também é preciso dialogar sobre os perigos desses jogos e, por vezes, isso demandar acompanhamento de um médico. E é dever do cidadão denunciar, fazer um boletim de ocorrência na polícia. É uma forma de proteção coletiva”, concluiu.