O colunista Gérson Camaroti em seu Blog, no jornal O Globo, teve acesso ao conteúdo da carta em que o pontífice declina do convite e expressa sua solidariedade e preocupações com as dificuldades encontradas hoje pela população brasileira frente às propostas que vêm sendo apresentadas pelo governo e que terão profundos impactos sociais e econômicos. Nos corredores da Igreja no Brasil, comenta-se que a recusa se deve às discordância que Francisco tem revelado como as mudanças estão sendo propostas. Oficialmente, no entanto, o silêncio sobre o assunto éa postura oficial das entidades. Procuradas pela Sputnik Brasil, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a representação da Nunciatura Apostólica no Brasil informaram que não iriam se pronunciar sobre a recusa.
Nesta quarta-feira,o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB) bem que tentou demover o Pontífice. Após esperar por Francisco por uma hora e meia antes de ser recebido em audiência no Vaticano, Dória renovou o convite. Ao que tudo indica, não conseguiu convencer o Papa.
"Sei bem que a crise que o país enfrenta não é de simples solução, uma vez que tem raízes sócio-político-econômicas, e não corresponde à Igreja nem ao Papa dar uma receita concreta para resolver algo tão complexo", diz o pontífice em um trecho da carta. E completa: " Porém não posso deixar de pensar em tantas pessoas, sobretudo nos mais pobres, que muitas vezes se veem completamente abandonados e costumam ser aqueles que pagam o preço mais amargo e dilacerante de algumas soluções fáceis e superficiais para crises que vão muito além da esfera meramente financeira", diz o Papa.
Para quem saber ler mensagens e enxerga onde pingo é letra, os motivos do declínio ao convite estão mais do que claros. Em diversas ocasiões, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 31 de agosto do ano passado, a CNBB e outras entidades da Igreja no Brasil tem divulgado notas oficiais demonstrando preocupação com as consequências da agenda de reformas apresentada pelo governo Temer e a forma como a nova gestão tem se relacionado com agendas cruciais de diversas minorias no país.
Jeane Bellini, da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), conversou com a Sputnik Brasil e deu sua visão sobre a recusa do Papa em vir ao Brasil este ano.
"O Papa tem dois chapéus: um de líder da Igreja Católica e outro de chefe de estado. Numa situação que ele vem acompanhando desde 2015 e mais intensamente no ano passado, em vários momentos ele comentou sobre a preocupação com a situação no Brasil. Ele tem se manifestado com muito cuidado, reconhecendo que um chefe de estado não pode ficar comentando certas coisas", diz a integrante da CPT.
Jeane lembra que o Papa é sempre bastante incisivo quando comenta aspectos da desigualdade social no mundo pelo fato de que ele próprio viveu muito próximo das periferias de Buenos Aires e conheceu de perto as consequências das políticas sociais mal elaboradas ou favorecendo apenas algumas parcelas da população. Ele, segundo Jeane, é o mesmo Papa que convocou quatro grandes movimentos populares nesse pouco tempo em que está à frente do Vaticano.
"Além dos encontros de massa, a vontade dele ouvir, dos representantes atingidos por essas políticas, é muito grande", diz Jeane.